Na seção de cartas do jornal The New YorK Times, de hoje, encontramos manifestação sobre a matéria "Encarando o Final da Vida - Os Médicos Preferem Aguardar", publicada na seção Segunda Opinião, em 12 janeiro último:
Facing End-of-Life Talks, Doctors Choose to Wait (Second Opinion, jan. 12) relata a pobreza da comunicação estabelecida na relação médico-paciente sobre o final da vida e a proximidade do fim. A razão citada para justificar o problema está no receio dos clínicos estarem contribuindo para que os pacientes percam a esperança na cura.
Como clínico, portador de linfoma, eu acredito que este é um falso dilema. Pacientes podem lidar com a possibilidade de um resultado possível, enquanto desejam alcançar o melhor resultado terapêutico para o seu problema de saúde. O que significa reconhecer que os pacientes podem lidar com a idéia de morte, ao mesmo tempo em que nutrem esperanças de que a vida continuará.
Ao longo da sobrevida, clínicos discutem rotineiramente todas as possibilidades de tratamento com pessoas acometidas de doenças crônicas. Eles tem igual obrigação de discutir as expectativas de seus pacientes sobre o problema de saúde incurável. Do diagnóstico até a morte, mobilizando sentimentos de esperança de par com a melhor tecnologia médica disponível, nós podemos ajudar nossos pacientes a viver até o momento em que a vida cessa.
Dr. Wendy S. Harpham
Dallas
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Não é uma carta escrita por um leigo. Quem a assina é um médico portador de uma doença crônica, potencialmente curável, de que não temos informações sobre o estadiamento, a evolução e o prognóstico clínico. E nesses termos, ou contexto, devemos valorizá-la.
Pessoalmente, sempre defendi que médico e paciente devem discutir esse assunto, cabendo ao profissional com a arte da clínica entender o momento exato em que seu paciente lhe autoriza adentrar nesse campo pessoal tão delicado quanto complexo.
Acontece que, ao menos no Brasil, o assunto da morte e do morrer é periférica na formação curricular dos profissionais de saúde, apesar de tramitar no Congresso Nacional projeto que legalizará em breve a ortotanásia. Por esse motivo, ao defrontar-me com o assunto, logo imagino a quantidade de sextanistas e residentes de medicina que ao longo de seus estudos tenham lido o clássico chamado Sobre a Morte e o Morrer (On the Death and Dying), escrito pela saudosa médica norte-americana Elisabeth Klüber-Ross. Também não menos impressionado ficaria de saber quantos clínicos, oncologistas, cirurgiões e intensivistas tenham sido leitores desse livro imprescindível a quem se propõe tratar de pacientes terminais! O dr. Harpham, pela carta que enviou ao NY Times, sabemos que certamente leu Klüber-Ross.
Assim, no que diz respeito a nós brasileiros, temo que aprovaremos uma lei que autorizará aos nossos médicos aplicar um protocolo que encerrará um conjunto de medidas terapêuticas sem dúvida destituído de consequência clínica, mas portador de grande sofrimento físico e emocional aos que estão morrendo em situação terminal. Entretanto, no meu ponto de vista, alguma filosofia deveria já estar na cabeça de quem será o responsável pela tomada dessa grave decisão, que antes de tudo está inapelavelmente subordinada à vontade do paciente, que estabelecerá com seu médico o que fazer quando a indesejada das gentes anunciar-lhes a inapelável chegada. Em outras palavras: não se pode discutir a morte e o morrer sem antes adquirir competência para fazê-lo inclusive em foro íntimo; não se pode agir no morrer como fosse ato estranho à relação médico-paciente.
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