sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vamos Plantar Estrelas

Então, vai...
Joga fora os teus números
Joga fora os teus relógios
Joga fora o amanhã
Ei, Akira!
Vamos plantar estrelas no campo

*

Nanao Sakaki (1923-2008)

poeta e sábio taoísta contemporâneo

So, go on.../ Throw away your numbers/ Throw away your clocks/ Throw away tomorrow/ Hey, Akira!/ Let's plant stars in the field.

Tradução/interpretação do blogueiro.

Os Riscos de uma Extravagância: O Vírus H5N1 Modificado

















Diana e Actéon por Cesari (1606).

"Na manufatura, como na ciência, - a produção de novos instrumentos é uma extravagância".
(Thomas S. Kuhn - A Estrutura das Revoluções Científicas)

Sempre vejo as relações do Estado com a ciência como uma questão delicada, especialmente por dois atributos de alcance inestimável - coerção e conhecimento -, que cada um desses interagentes possui como atributo, assim como pelo risco político contido na interação crítica estabelecida entre ambos. O ponto de tensão mais recente, relacionado a aqueles dois motores poderosos da história, está representada na polêmica sobre a síntese bem sucedida do mais mortal vírus da gripe já havido desde 1918, quando a pandemia de Gripe Espanhola levou à morte cerca de 40 milhões de seres humanos. No Brasil, o cálculo de mortalidade mais citado é de 300 mil mortes, em que está incluída a do presidente eleito da República, o septuagenário Rodrigues Alves.
Está claro, portanto, que a criação do H5N1 artificial é assunto que mobiliza autoridades nacionais e científicas e estabelece um debate em torno dos critérios de segurança relacionados à síntese do organismo e a sua guarda, redimensionando o Princípio de Precaução (1). Em contrapartida, no outro prato da balança da polêmica, está o valor da ciência como motor de economias inovadoras, na qual a pesquisa em biotecnologia constitui elemento fundamental para as engrenagens internacionais da cadeia produtiva farmacêutica e o seu correspondente mercado bilionário, controlado fundamentalmente pelos EUA, União Européia e Japão - que juntos detêm 55% da produção dessa riqueza, em que pese o crescente papel de países farmacêuticos-emergentes como China, Brasil, Rússia e Índia (2). Nesse sentido, imagine-se o impacto que a síntese de um vírus artificial, avant la lettre, teria sobre o lucrativo mercado global de vacinas para influenza.
Com respeito aos critérios de segurança, o Canadá, cujos cientistas dividem com os holandeses a criação do novo vírus, estabeleceu protocolos de acesso e guarda do espécime em nível 4, o mais restrito nas regras internacionais vigentes para esses laboratórios especiais. Por sua vez a questão da difusão do conhecimento, configurada na publicização completa do relatório da pesquisa em revistas científicas, tem evoluído como tour de force entre o governo norte-americano e a comunidade científica, no que respeita a reprodutibilidade do experimento por grupos políticos interessados em obter armas biológicas de destruição em massa; o que considero uma probabilidade pequena, mas ainda assim probabilidade com sucesso limitado à capacidade dos criminosos desenvolverem simultaneamente a respectiva vacina que os proteja e aos seus conterrâneos dos efeitos globais de semelhante engenho maligno.
Nesse sentido, atenta ao princípio da livre difusão do conhecimento científico, a revista Nature publicou nesta semana editorial entitulado Flu Papers Warrant Full Publication (Garantida a Publicação dos Artigos Completos sobre a Gripe), em que é reafirmada a posição do renomado períodico de publicar a pesquisa na íntegra, com o reconhecimento de que "embora seja necessário mais debate, os benefícios de publicar dados sensíveis superam os riscos que até o momento têm sido argumentados". Caso essa tendência se consolide, teremos testemunhado o fato inédito do interesse científico sobrepor-se às razões de Estado.

(1) O Princípio da Precaução é salvaguarda contra o risco do potencial tecnológico que, pela insuficiência do estado da arte do conhecimento, não pode ser identificado e ponderado, e requer medidas preventivas que protejam de possíveis danos a coletividade e o meio-ambiente (Conferência Rio-92). (2) Enumerados nessa ordem.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Pretinhos do Mangue














M Bisiliat: Caranguejeira. Coleção Pirelli/Masp


Não escapa a lembrança do Cão sem Plumas (Nova Fronteira, 1984), em edição ilustrada pela fotógrafa Maureen Bisilliat, quando tratamos de fotolivros no Brasil. Ali a poesia de João Cabral de Melo Neto anda de par com os instantâneos fotográficos obtidos da dura faina dos homens, mulheres e crianças que capturam caranguejos nas tocas do mangue, onde sem plumas se perdem - lentamente e sem dente.
O adulto que exerce esse ofício sabe que a condição o deprecia no conceito dos demais pescadores da comunidade, que os distinguem pejorativamente: caranguejeiros! Mas aí chega então o carnaval, os males e as mágoas se lavam e o mangue de febril atividade econômica, transmuda em socialização e abre espaço à dança, à música, à irreverência e ao riso. É a beleza singular desse instante que o fotógrafo Paulo Santos/Reuters registrou em Curuçá, no Pará, e publicou no blog Flanar.

Literatura e Loucura na Confraria dos Bibliófilos

Eu lhes confesso nesse caso minha ignorância: dessa senhora nunca tinha ouvido falar antes. Nem mesmo em conversas com amigos mineiros, ou com o paraense e mineiro-honorário Rômulo Paes, meu amigo desde muitos anos. Daí que ao receber a publicação de fim de ano da Confraria dos Bibliófilos, que coincide com a comemoração dos dez anos da associação, fui surpreendido pela prosa de Maura Lopes Cançado e, depois, na medida em que a lia, pelas consultas que fiz, sensibilizado pela vida sofrida que teve enquanto esteve entre nós, profunda e tragicamente marcada pelo transtorno mental, a exclusão e a violência por regra associadas.
Dona de uma produção literária enxutíssima - publicou Hospício é Deus (1965, José Álvaro Editor) e o Sofredor do Ver (1968, José Álvaro Editor) -, admirada por escritores de nosso cânone literário - de Ferreira Gullar a Clarice Lispector - ao mesmo tempo que se me revelou como obra confessional, conclui que Sofredor de Ver desvela ao leitor do século XXI uma autora encoberta de forma injustificável pelo mainstream cultural do país, que no entanto soube apreciar e difundir a inquietante arte de Antonio Bispo do Rosário, de merecida fama.
A obra de Maura Lopes Cançado, afora a luxuosa edição de 501 exemplares dos sócios da Confraria, está esgotada. Edições anteriores são vistas, contudo, com alguma sorte nos sebos brasileiros, que sabedores da raridade e da importância chegam a cobrar até R$300 reais por volume, quando autografado. Por outro lado, na academia, não menor é a raridade de estudos sobre a prosadora mineira. Nesse campo, destaco a tese de doutorado Narrativas e Sobreposições: Notas sobre Maura Lopes Cançado (Unicamp, 2010), tese de Maria Luísa Scaramella, que elude questões importantes sobre a vida e a obra daquela autora.
Em tempos que o Ministério da Saúde repensa a política pública de atenção psiquiátrica no Brasil, a leitura de Sofredor do Ver nos obriga a de novo refletir sobre questões importantes, apontadas com agudeza nesse livro, mas de antes já registradas no Diário do Hospício e Cemitério dos Vivos (Lima Barreto. Cosac Naify, 2010), Diário de um Louco (Gogol) e filmes como os documentários Titicuts Follies (Wiseman. EUA, 1967) e Dizem que Sou Louco (Chnaiderman. Brasil, 1994) e o hit da década Bicho de Sete Cabeças (Bodanzki. Brasil, 2001).
Com respeito a exclusão e a violência registradas nos escritos de Maura Lopes Cançado, entre tantas sofridas, destaco esta reflexão que para mim é entre todas a superior e mais vil, pois testemunha o desfecho do poder psiquiátrico no despojamento da identidade do indivíduo como ser e pessoa :
Terminarei pela vida como essas malas de viajantes que visitam vários países e em cada hotelpor onde passam lhes pregam uma etiqueta: Paris, Roma, Berlim, Oklahoma. E eu: PP, paranóia, esquizofrenia, epilepsia, psicose maníaco-depressiva, etc. Minha personalidade será sufocada por etiquetas científicas.Pois assim transcorreram tumultuários os seus dias, com recebimento de rótulos até o fim. Quando vítima de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica faleceu aos 61 anos, interna em sanatório no Rio de Janeiro, já haviam lhe acrescido a aquele etc do parágrafo anterior o grave título de louca homicida. Vivia nesse tempo no mais absoluto anonimato e nem mais escrevia.

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O livro Sofredor de Ver, publicação da Confraria dos Bibliófilos, foi ilustrado por Manu Maltez. Algumas das ilustrações encartadas no livro podem ser vista no blog do premiado artista gráfico.

A Segunda Morte do Flâneur













A internet dos anos 90 era como a Paris pré-Haussmann

Outro dia, eu revirava uma pilha de antigos artigos sobre o futuro da internet quando um pequeno e obscuro ensaio de 1998 – publicado num site chamado Ceramics Today, por incrível que pareça – chamou minha atenção. Celebrando o “flâneur cibernético”, o texto falava de um futuro digital brilhante, cheio de mistério e espontaneidade, que aguardava este intrigante usuário da rede. Essa visão do amanhã parecia inevitável numa época na qual “o que a cidade e a rua representaram para o flâneur, a internet e a superestrada da informação passaram a representar para o flâneur cibernético”.

Curioso, decidi desvendar o que ocorreu com o flâneur online. Eles são poucos e difíceis de encontrar, enquanto a própria prática de flanar na rede parece estar em desacordo com o mundo das mídias sociais. O que foi que deu errado? Será que devemos nos preocupar? Conhecer a história do flanar é uma boa maneira de começar a responder estas perguntas. Graças ao poeta francês Charles Baudelaire e ao crítico alemão Walter Benjamin, que viam no flâneur um emblema da modernidade, a figura dele (tratava-se em geral de homens) é associada à Paris do século 19. O flâneur passeava lentamente por ruas e galerias – animadas fileiras de lojas cobertas por telhados de vidro – para cultivar o que Honoré de Balzac chamou de “gastronomia do olhar”.

Embora não ocultasse deliberadamente sua identidade, o flâneur preferia passear incógnito. “A arte que o flâneur domina é a de observar sem ser flagrado”, destacou certa vez o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. O flâneur não era antissocial – ele precisava das multidões para desenvolver sua atividade –, mas não se misturava aos demais, preferindo saborear a solidão. E tinha para si todo o tempo do mundo: falava-se em flâneurs que levavam tartarugas para passear.

Ele entrava nas galerias de lojas, mas não cedia ao consumismo; a galeria era antes um atalho para uma rica experiência sensorial – e só depois um templo do consumo. O objetivo era observar, banhar-se na multidão, absorvendo ruídos, o caos, a heterogeneidade, o cosmopolitismo. Ocasionalmente, narrava o que via – investigando tanto a própria intimidade quanto o mundo exterior – na forma de ensaios curtos para jornais diários.

É fácil ver o motivo pelo qual o flanar online pareceu tão atraente nos primeiros dias da web. A ideia de explorar o ciberespaço como território virgem, ainda não colonizado por governos e empresas, era romântica; este romantismo aparecia até no nome dos primeiros browsers (o Explorador da Internet e o Navegante da Paisagem da Rede).

Comunidades como GeoCities e Tripod foram as galerias digitais daquele período, lidando com aquilo que havia de mais obscuro e mais peculiar, sem que houvesse hierarquia organizando-as por popularidade ou valor comercial. Naquele então, o eBay era mais esquisito do que a maioria dos mercados de pulgas; um passeio por suas prateleiras virtuais era mais agradável do que comprar de fato algum dos artigos oferecidos no site.

Em meados da década de 90, parecia que a internet poderia levar a um inesperado renascimento do flanar. Mas quem sonhava com uma web que serviria como refúgio de boêmios hedonistas e idiossincráticos, provavelmente não sabia a causa mortis do flâneur original.

Avenida. Na segunda metade do século 19, Paris passou por profundas mudanças. As reformas na arquitetura e no planejamento urbano promovidas pelo barão Haussmann no governo de Napoleão III foram particularmente importantes: a demolição de estreitas ruas medievais, o estabelecimento de praças amplas (construídas em parte para melhorar a higiene e em parte para impedir barricadas revolucionárias), a proliferação da iluminação de rua a gás e as crescentes vantagens de passar o tempo em ambientes fechados transformaram radicalmente a cidade.

A tecnologia e as mudanças sociais também tiveram seus efeitos. O tráfego de carros na rua fez de passeios contemplativos uma atividade perigosa. Galerias foram substituídas por lojas de departamentos. A racionalização da vida urbana conduziu os flâneurs ao subterrâneo, obrigando-os a se refugiar num tipo de flanar interno, cujo apogeu é o exílio autoimposto de Marcel Proust em seu quarto (situado, voilà, no bulevar Haussmann).

Algo parecido aconteceu na internet. Transcendendo sua brincalhona identidade original, a rede não é mais para passear – virou lugar de cumprir tarefas. Ninguém mais navega. A popularidade dos aplicativos – que conduzem àquilo que queremos sem que seja necessário abrir o browser, faz do flanar online algo cada vez menos provável.

O fato de uma parte tão preponderante da atividade contemporânea na rede envolver compras não ajuda em nada. Passear pelo Groupon não é tão divertido quanto caminhar por uma galeria, eletrônica ou não.

O ritmo da internet mudou. Dez anos atrás, um conceito como o tempo real, em que cada tweet e atualização de status é automaticamente indexada, atualizada e respondida, era impensável. Hoje, este é o termo do momento no Vale do Silício. Não se trata de algo surpreendente: as pessoas gostam de velocidade e eficiência.

Mas as páginas de outrora, que abriam lentamente ao som de estranhos ruídos do modem, tinham um inusitado lado poético. Ocasionalmente, a lentidão chegava a nos alertar para o fato de que estávamos sentados diante de um computador. Bem, esta tartaruga não existe mais.

Enquanto isso, o Google, ao tentar de organizar a informação do mundo, vem tornando desnecessária a visita a sites individuais assim como, gerações atrás, o catálogo da Sears tornou desnecessária a ida a lojas físicas. A atual ambição do Google é responder nossas perguntas – sobre o clima, as taxas de câmbio, o jogo de ontem – ele mesmo, sem levar a nenhum outro site. Digite a pergunta, e a resposta aparece no topo da lista de resultados.

(O impacto de atalhos deste tipo nas buscas não interessa aqui; quem imagina a busca por informações em termos tão puramente instrumentais, enxergando a internet como pouco mais do que um gigante FAQ, dificilmente criará espaços que convidem ao flanar online.)

Novo barão. Mas, se há um barão Haussmann na internet hoje, ele é o Facebook. Tudo aquilo que torna possível o flanar online – solidão e individualidade, anonimato e opacidade, mistério e ambivalência, curiosidade e o desejo de correr riscos – está sob o ataque desta empresa. E não estamos falando de uma empresa qualquer: com 845 milhões de usuários ativos espalhados pelo mundo, dá para dizer que aonde quer que o Facebook vá, a internet irá atrás.

É fácil culpar o modelo de negócios do Facebook (a perda do anonimato permite que ele lucre mais com os anunciantes), mas o problema é mais embaixo. O Facebook parece acreditar que os peculiares elementos que tornam possível o flanar devem ser eliminados. “Queremos que tudo seja social”, disse Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook, em entrevista ao programa de TV Charlie Rose alguns meses atrás. Na prática, isso foi explicado pelo chefe dela, Mark Zuckerberg, no mesmo programa. “Preferimos ir ao cinema sozinhos ou com amigos?”, perguntou, respondendo imediatamente: “Com amigos”.

As implicações são claras: o Facebook quer construir uma internet na qual ver filmes, ouvir música, ler livros e até mesmo navegar sejam atividades desempenhadas não só abertamente como social e colaborativamente. Por meio de parcerias com empresas como Spotify e Netflix, ele cria poderosos incentivos que fariam os usuários adotarem ansiosos a tirania do “social”, a tal ponto que desempenhar qualquer uma dessas atividades sozinho seria impossível.

Ora, se Zuckerberg de fato acredita no que disse sobre cinema, há uma longa lista de filmes que eu gostaria de sugerir aos amigos dele. Por que ele não leva a turma para ver Satantango, sete horas de filme de arte branco e preto do húngaro Bela Tarr? A resposta: se fizéssemos uma pesquisa de opinião entre os amigos dele, ou um determinado grupo numeroso de pessoas, Satantango seria quase sempre derrotado por um título que pode não ser o filme preferido por todos, mas que também não vai incomodar ninguém. Eis um exemplo da tirania do social.

Além disso, não parece óbvio que consumir sozinho o que a arte tem de melhor é uma experiência qualitativamente diferente de consumi-lo socialmente? Qual é o motivo de tamanho medo da solidão? Para Zuckerberg, “é melhor estar conectado às pessoas. A vida fica mais rica”. É esta ideia de que a experiência individual seria forma inferior à coletiva que subjaz no “compartilhamento sem atrito” do Facebook – a ideia de que, de agora em diante, teremos de nos preocupar só com o que não queremos compartilhar; tudo o mais será compartilhado automaticamente.

Para tanto, o Facebook encoraja seus parceiros a construir aplicativos que compartilham automaticamente tudo o que fizermos: os textos que lemos, as músicas que ouvimos, os vídeos que assistimos. Nem é preciso dizer que o compartilhamento sem atrito também ajuda o Facebook a nos vender aos anunciantes, ajudando esses anunciantes a vender seus produtos para nós.

Isto poderia até valer a pena se o compartilhamento sem atrito incrementasse a experiência na rede; afinal, até mesmo o flâneur do século 19 enfrentou cartazes de anúncios nas suas caminhadas. Mas uma coisa é encontrar uma matéria interessante e compartilhá-la com os amigos. Outra bem diferente é inundar os amigos com tudo o que passa pelo seu browser ou app, na esperança de que eles escolham algo interessante pelo caminho.

Pior: quando esse sistema de compartilhamento sem atrito for plenamente operacional, é provável todas as notícias sejam lidas no Facebook, sem que seja preciso sair dos domínios do site para visitar o restante da rede. Vários veículos jornalísticos, como Guardian e Washington Post, já têm aplicativos s que permitem aos usuários ler artigos sem precisar visitar as páginas do veículo.

Como explicou o popular blogueiro Robert Scoble, que escreve sobre tecnologia, num texto recente a respeito do compartilhamento sem atrito, “neste novo mundo, basta abrir o Facebook e tudo o que lhe interessa será exibido sequencialmente na tela”.

É justamente isso que está matando o flanar online: o traço que marca o passeio do flâneur é o fato de ele não saber o que é que lhe interessa mais. Nas palavras do autor alemão Franz Hessel, que colaborava ocasionalmente com Walter Benjamin, “para flanar, é preciso que não haja nada muito definido na cabeça”. Comparado ao universo determinista do Facebook, até o pouco criativo slogan da Microsoft nos anos 90 – “Where do you want to go today?”, ou “Aonde você quer ir hoje?” – soa subversivo e emocionante.

Quem faria essa pergunta tola na era do Facebook? De acordo com Benjamin, a triste figura do homem-sanduíche foi a última encarnação do flâneur. Num certo sentido, todos nós viramos homens-sanduíche, caminhando pelas ruas do Facebook com anúncios invisíveis pendendo de nossas identidades eletrônicas. A única diferença é que a natureza digital da informação permitiu que consumíssemos alegremente canções, filmes e livros ao mesmo tempo em que os anunciamos, desavisados. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Evgeny Morozov é autor do livro The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom (A desilusão da rede: o lado obscuro da liberdade online)

O artigo aqui transcrito foi publicado em 20/02/2012 no jornal O Estado de São Paulo, e no mesmo dia acessado às 10:10 hrs .

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Luz e Sombra

Light & Shadow by Itajai de Albuquerque
Light & Shadow, a photo by Itajai de Albuquerque on Flickr.

Zahy e o Dia Mundial da Luta Contra o Câncer

Há dez anos atrás decidi novamente ter em casa um cachorro. A decisão teve razão dual, porque em parte eu assim queria e em parte sabia que seria uma companhia para minha mãe, que já estava idosa e ficava muito tempo em casa apenas com a companhia da televisão.
Dona de uma personalidade alfa de matilha, nascida para o comando, essa Schnauzer logo conquistou a nós humanos da casa, dominou o território e estabeleceu em seu cérebro misterioso quem ela admitiria no lugar e quem não. Está claro que alguns foram alijados por ela, e sem direito a recurso, para constrangimento nosso.
Um deles, meu cunhado mais jovem, é irreconciliável com ela até hoje. Registre-se, contudo, que Zahy nunca hostilizou a nenhuma de nossas empregadas domésticas, com quem logo, desde o primeiro dia, estabelecia amizade que parecia existir desde sempre.
O nome que lhe demos tem origem na língua dos índios da nação Tembé e significa Lua, de flexão masculina na língua desses indígenas. Reproduziu em dois casais com outro de sua raça, que nascera na Noruega e emigrara para o Brasil. Tudo, portanto, na mais pura linhagem anglo-saxônica.
A relação de Zahy com o Dia Mundial da Luta Contra o Câncer eu fiz para alertar a importância de atentarmos para essa doença, que desempenha importância na carga da doença dos países e, no Brasil, terá cada vez mais importância por conta do envelhecimento da população, pois nos próximos quinze anos seremos um país de idosos e não mais de jovens como a minha geração aprendeu.
O câncer afeta os seres vivos e é uma doença genética, não hereditária. Digo que acomete os seres vivos, porque não só o homen a desenvolve, mas também peixes, gatos, macacos e cães. Entre as múltiplas causas da doença, o envelhecimento do organismo contribui, a história genética do indivíduo também em alguns casos, mas sobretudo a exposição aos chamados agentes carcinogênicos tem o maior peso no desenvolvimento da doença. Nesse sentido, entendo agentes carcinogênicos no sentido lato de incluir elementos agravantes da estabilidade do meio ambiente externo ao homem, quanto a adoção de estilos de vida e/ou hábitos sociais que oportunizam a exposição ou a amplificam a ação deaqueles agentes.
Nessa foto de Zahy, passaram-se quinze dias desde que extirpou o baço por conta de um hemangiossarcoma grau I, que é câncer das células que revestem vasos sanguíneos dos cães. Não há extensão da doença para gânglios linfáticos, vasos abdominais e outros orgãos em termos macro e microscópicos. A identificação da doença foi um achado diagnóstico de exame físico e de ecografia. Seguirá na próxima semana para a quimioterapia, prosseguindo na luta que sem o saber iniciou pela preservação do maior território que já possuiu: a vida.

Bulbophyllum rothschildianum


A Bulbophillum rothschildianum floresceu em minha varanda nesse verão. Apesar do gênero ser descrito como pan-tropical, a espécie é originária da Ásia, na Índia. Realmente a beleza e o exotismo dessa orquídea faz jus as descrições que antes havia lido.