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segunda-feira, 14 de novembro de 2016

A Atualidade do Professor Pirenne

    Alicja. Fotografia de Agata Serge 

 Na curvatura do tempo
o homem igual ve-se de reverso
um ponto na indecisão do geometra 
  a  desmedida que flutua no silêncio
na envergadura imprecisa, sem fim 

Estes são tempos de retorno ao sombrio, tem se dito com insistência nesses últimos anos. O avanço dos partidos conservadores, suas bandeiras eleitorais e sua assunção ao poder pelo voto ou pela força, parece devolver o mundo aos princípios dos anos 30 do século passado, a provar o artifício dos recortes cronológicos no contínuo histórico. Como havia nos alertado Hobsbawn, o longo século XX resiste estendendo com suas náuseas e angústias irresolvidas ...
Este pequeno excerto trago do livro "Lembranças do Cativeiro na Alemanha"*, em que o acadêmico belga Henri Pirenne (1862 - 1935) registra suas impressões como prisioneiro político na Primeira Guerra Mundial. Nele foram apontadas questões importantes sobre a interseção perigosa entre a técnica esvaziada de historicidade, a morte da política e a usurpação da cidadania em favor de governos reacionários e não raras vezes desumanos. 
Em tempos de projetos como "Escola Sem Partido", de propagandas oficiais do tipo "Não Fale em Crise, Trabalhe (não seria uma variante de "O Trabalho Liberta"?), das panelas que pediam golpe de estado e hoje silenciam  frente a um governo desastroso e antinacional, mas, principalmente, por ser narrativa escrita ex-ante a grande derrota humana exposta na legitimação do nazifascismo na Europa, que nos levou a II Guerra Mundial com seus milhões de mortos mediante a banalidade do mal, o texto do professor Pirenne, cem anos depois, impõe-se atual para a reflexão. Vamos até ele ... 
 
"De repente, eu descobria que depois de tantas viagens e estadas realizadas além do Reno, depois de tantas conversas com professores e de tantas sessões de congressos, eu nada adivinhara, nem mesmo suspeitara das idéias políticas de homens que, no entanto, eu me gabava de conhecer muito bem. E ao mesmo tempo começava a me dar conta das causas de meu erro. Parecia-me que, na ausência de toda espécie de vida política , o alemão acha-se confinado ao campo de sua especialidade profissional. Nela se concentram todas as forças e toda a sua atenção. Seu ideal não vai além disso. E essa concentração num objetivo, sempre o mesmo, sem dúvida confere ao trabalho o "rendimento"extraordinário que admiramos tanto na indústria quanto na erudição, do qual nada se perde. Mas todos esses homens absorvidos por uma tarefa especial deixam para o governo, que consideram também um especialista, a preocupação de dirigir  e proteger a nação. Habituados há séculos ao absolutismo, não lhes passa pela cabeça a ideia de que o Estado são eles mesmos. Fazem dele um ser em si, uma espécie de entidade mística, uma potência dotada de todos os atributos de força e inteligência. No mesmo azado, todos estão prontos a obedecer-lhe, não como cidadãos, mas como servidores. Vestindo sua túnica de oficiais da reserva, professores, magistrados, comerciantes, empresários não serão mais do que simples militares, simples instrumentos de poder que os mobilizou para seu serviço. Aceitarão deles sem a menor crítica a direção e as palavras de ordem. Pensarão como ele, porque não reconhecem em si o direito e a competência de pensar por si mesmos a não ser em seu gabinete, diante de seu auditório ou em sua fábrica. Eu me espantava muitas vezes com a aspereza e a violência das polêmicas científicas na Alemanha. Não se deveria buscar-lhe a causa na importância única, exclusiva que o alemão atribui a seu trabalho? Tão logo o Estado o arranca dele, esse homem tão arrogante diante de seus colegas ou de seus concorrentes não pensa em outra coisa senão em obedecer passivamente à disciplina. Entrega-se com confiança à força que o impulsiona, e muito naturalmente, para justificar sua obediência aos próprios olhos, glorifica o senhor a quem serve. Repete docilmente as lições que recebe dele, consagra-se à apologia de sua conduta, aceita todas as suas ambições e realiza de antemão todas as suas esperanças."

*Pirenne, Victor. Lembranças do Cativeiro na Alemanha: Março de 1916 a Novembro de 1918. Edusp, 2015.

domingo, 15 de março de 2015

Uma Rede de Amigos



  São José, Carpinteiro. 
Georges de La Tour. Museu do Louvre.

A Rede de Amigos de Stefan Zweig/ Sua Última Agenda/ 1940-1942, publicação organizada por Alberto Dines, Israel Beloch e Kristina Michahelles (Casa Stefan Zweig [www.casastefanzweig.org], 2014), representa uma interessante experiência de arqueologia do saber no campo da biografia.
A partir da última agenda de endereços do renomado escritor austríaco, que, no Brasil dos anos 40, psicologicamente exausto e esgotado veio a falecer, os autores fazem uma reconstituição biográfica da rede constituída de 198 nomes que constituiam os contatos de Zweig, demonstrando a partir da comparação com outras suas agendas escritas na Inglaterra e nos EUA a progressiva redução de contatos, a medida em que o exílio e o isolamento foram se aprofundando num mundo francamente hostil à integridade moral da humanidade.
Em meio aos nomes chamou-me a atenção referência a Irwin Edman, um filósofo hoje esquecido e autor de Luz na Escuridão: Um pós-escrito ao desepero (Candle in the Dark: a postscript to despair), que publicou em 1939. Curioso com o título instigante, fui ao Google Books é encontrei esse livro escrito no calor de fatos mundiais gravíssimos. Ainda mantem a atualidade. 

Este é um trecho que refere-se à ciência:

A fé na ciência deveria talvez ser examinada em primeiro lugar, pois foi no método científico, até um quarto de século atrás, que tínhamos depositado a maior parte de nossas esperanças. A dolorosa ironia está no fato de que, dentro de certos limites, nada há que nos desiluda, e a nossa dependência do método científico tem sido mais do que justificada, na medida que para os homens  há quase nada que estejam impedidos de realizar no seu domínio sobre as coisas.
Se não há limites para o que o homem pode realizar, por outro lado resta a questão para o que o seu poder sem precedentes não deve ser usado. A ciência que era para tornar a vida bonita tem o seu lado hediondo. Chovem bombas sobre cidades indefesas, bem como música celestial sobre ouvidos extasiados. Tanto produz torturas indizíveis como os prodígios da arquitetura moderna. A ciência traz aos nossos lares os acordes elegantes de uma afinada música de câmara, mas também a voz de demagogos e de ditadores.
A ciência que nos dá abundância não impede a fome em meio à abundância. Se a ciência nos dá vida mais longa, também nos dá morte mais rápida.A cirurgia recupera maravilhosamente homens destroçados, com precisão igualmente maravilhosa.  Somos capazes de realizar transformações incríveis de recursos incalculáveis, e demonstramos que podemos alcançar tudo, exceto a segurança e a paz. Enquanto campos de grãos e rebanhos de ovelhas são destruídos, químicos talentosos inventam substitutos para o pão e a lã. A mesma capacidade infinita que pode tornar o mundo mais justo, é a mesma usada para nos destruir.
  
O link para acesso é: http://tinyurl.com/ktxypoj

 

sábado, 15 de junho de 2013

Vaidade Teu Nome Pode Ser Ciência

Um dos grandes momentos da ciência brasileira no século XX foi a definição da causa biológica da Febre das Tricheiras (Tifo Epidêmico), que dizimou milhares de soldados durante a Primeira Guerra Mundial.  A descoberta do agente etiológico - bactérias do gênero rikettsia -  pelo clínico e pesquisador Rocha Lima chegou a bem posicioná-lo na disputa pelo Prêmio Nobel de Medicina. Entretanto sua candidatura malogrou em alcançar a grande honraria, envolvido que foi na crescente e diversificada polarização entre França e Alemanha pela hegemonia científica mundial. 
Acontece que Rocha Lima era um declarado germanófilo, por formação vinculado a grupos de cientistas tedescos e, ao seguir tão inconsteste nessa direção ideológica, terminou traído pelo destino nos tumultuários anos 30, com a chegada ao poder na Alemanha do partido nacional-socialista alemão. Ao contrário de um Von Braum, que, terminada a II Guerra, virou a casaca nazista e entrou para a história da ciência como o "pai da era espacial" dos EUA, Rocha Lima desceu aos infernos num país subdesenvolvido que ansiava por se livrar do ranço da ditadura Vargas, em seguida ao final da Segunda Guerra Mundial com a derrota militar, econômica, política e moral da Alemanha. 
Nesse pós-guerra imediato de tantas incertezas, com a imagem consorciada a um Estado estrangeiro que desenvolvera programa tecnológico para a matança de povos não considerados gente por taxonomia pseudocientífica, e que, nessa infame missão de desumanização, também rasgara todos os códigos de ética, inclusive o da pesquisa científica, Rocha Lima viu-se progressivamente mergulhado no ostracismo por seus contemporâneos, assistindo sua obra ser praticamente obscurecida, não fosse algumas raras e temporalmente esparsas homenagens pela sua contribuição à ciência global. 
A medalha que recebera com tanto orgulho das mãos de Adolf Hitler - tratava-se da mais alta honraria da ciência alemã concedida a um estrangeiro, e por um regime político xenófobo quase ao modo de prêmio de consolação pela perda do Nobel - custar-lhe-ia bem caro para a biografia. Quem sabe nessa ocasião nem fosse simpatizante do nacional-socialismo, talvez fosse alguém que ao participar desse ato de extrema gravidade - Mein Kampf fora publicado e se tornara canônico na política alemã! -, ao modo tão imprevidente quanto o foram seus pares nas instituições de ensino e pesquisa germânicas, imolava-se numa fogueira atiçada pela vaidade científica ferida. 
Recentemente este capítulo da história da ciência brasileira foi objeto de tese de doutorado do historiador André Felipe Cândido da Silva, com o título Um Brasileiro no Reich de Guilherme II: Henrique da Rocha Lima, as relações Brasil-Alemanha e o Instituto Oswaldo Cruz, 1901-1910 

domingo, 26 de agosto de 2012

Neil Armstrong e o Conhecimento

Ao longo de seus 82 anos de vida, encerrados fisicamente ontem, Neil Armstrong legou a História inúmeros escritos em que registrou seu pensamento sobre a conquista do espaço, seu papel pioneiro nos eventos que o levaram a caminhar na Lua, sua  visão da condição heróica e a centralidade da ciência para o progresso humano. 
Certa vez um bibliotecário de Michigan expediu carta a várias personalidades mundiais, em que lhes solicitava a gentileza de um comentário sobre a importância das bibliotecas, dos livros e da leitura. As respostas seriam usadas para estimular crianças a frequentarem bibliotecas. Neil Armstrong respondeu a essa carta com um comentário de grande valor humanista:

"Through books you will meet poets and novelists whose creations will fire your imagination. You will meet the great thinkers who will share with you their philosophies, their concepts of the world, of humanity and of creation. You will learn about events that have shaped our history, of deeds both noble and ignoble. All of this knowledge is yours for the taking… Your library is a storehouse for mind and spirit. Use it well."
 
"Por meio dos livros vocês encontrarão a criação dos poetas e dos romancistas que incendiarão suas imaginações. Vocês encontrarão grandes pensadores que compartilharão consigo suas filosofias, seus conceitos de mundo, de humanidade e de criação. Vocês aprenderão sobre fatos que moldaram nossa história e também sobre os atos cometidos tanto para fins nobres quanto ignóbeis.  Todo este conhecimento está disponível para que vocês usem... A biblioteca representa um armazém para o espírito e a mente. Façam dela bom uso."

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Temporão: "Deveria Ter Ficado Mais Tempo Clinicando"

Deveria ter ficado mais tempo clinicando*

Minha trajetória profissional foi muito sólida do ponto de vista clínico. Sou formado há 35 anos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e me especializei em doenças infectocontagiosas, pegando o caminho da saúde pública. Depois de formado, pratiquei por cinco anos a clínica no ambulatório de uma metalúrgica em Mesquita, na Baixada Fluminense, algo que me dava imenso prazer. Foi muito importante para minha formação como sanitarista escutar o paciente, compreender a dinâmica da doença na comunidade, ainda mais numa área de periferia. Trabalhei também em maternidade. Adorava fazer parto.
Mas assumi outros trabalhos - como professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. E foi ficando impossível conciliar a pesquisa com o atendimento. Minha opção por saúde pública foi fundamental. Cheguei a ministro e não tenho do que reclamar. Mas a verdade é que sinto falta do contato entre médico e paciente. O sanitarista cuida de questões num contexto social e político. Penso na prevenção de doenças ou em como produzir saúde lidando com dilemas estruturais, econômicos, sociais, políticos etc. A dimensão do médico que atende, examina e cuida é totalmente singular. Você está diante do sofrimento real.
A transição do micro para o macro é muito complexa. Quando você trabalha na gestão pública, o produto de seu trabalho pode ter um grande impacto para quem está na ponta. Se consigo colocar mais recursos, implementar uma nova política ou construir um novo hospital, causo mudança na vida das pessoas e no trabalho dos profissionais da saúde. Mas, quando se trata de humanizar o atendimento, estamos falando em reconstruir a relação médico-paciente. Isso permite resgatar a ideia da escuta, do toque numa medicina cada vez mais científica e técnica, em que muitas vezes se perde essa perspectiva. Dependendo da primeira abordagem, a pessoa se sentirá muito melhor ou muito pior.
Nenhum médico, mesmo na área de planejamento, pode largar mão do atendimento. Digamos que, se fosse possível voltar no tempo, inventaria uma maneira de dar conta das duas dimensões. Da política, sim, mas sem abrir mão de clinicar e ouvir os doentes.
Uma boa base de formação em clínica me parece essencial para a formação de qualquer especialista. Sem isso, ele dificilmente conseguirá ver com toda clareza os desafios reais ao planejar um novo sistema ou ao implantar uma nova abordagem de gestão num serviço de saúde. Isso é válido para o médico, o enfermeiro, o dentista, o farmacêutico ou outro profissional que pretenda abraçar os desafios da saúde pública em nosso país. Dentro de cada uma dessas profissões, ampliar a visão sobre sua especialidade e vivenciar a prática profissional na realidade concreta será fundamental para um bom desempenho como gestor, pesquisador ou professor.
Se couber aqui algum tipo de recomendação aos jovens profissionais, diria para ir além da teoria e da prática. Para planejar nossa vida profissional, precisamos, sim, da ciência. Mas essa nem sempre consegue referir-se ao ser humano em sua totalidade. Não é incomum que se recorra às artes e à razão estética para, junto da ética e da política, fazermos nosso trabalho.
Se ousasse prescrever algo, hoje, para os colegas médicos e das demais profissões do campo da saúde, seria atenção às questões da política e do poder na sociedade. Leiam tanta poesia quanto literatura científica. Permitam-se atravessar fronteiras de conhecimento para ponderar outras maneiras de pensar, de fazer e de compreender a vida que compartilhamos para melhor exercer sua clínica, a arte do cuidar, planejar, gerir, pesquisar e ensinar."
***********

O texto do Dr. José Gomes Temporão foi publicado na Revista Época desta semana.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A Fotografia na Luta Contra a Ditadura Militar no Brasil


O surgimento da fotografia modificou a narrativa jornalística no mundo. Quando lemos jornais do século XIX com suas ilustrações da notícia à bico de pena, e os comparamos às imagens precisas e quase simultâneas dos fatos que a tecnologia fotográfica oferece ao leitor, percebemos o quanto esse nosso mundo, movido à velocidades progressivas, quase subverte o magnífico enunciado Heisenberg de que ao observador é impossível determinar simultaneamente a posição e a velocidade de um objeto.
Mas o fotojornalismo está acima do espetáculo fácil, quando testemunha a história e oferece às gerações futuras narrativas para refletirem sobre o passado. A revista eletrônica Discursos Fotográficos constitui exemplo da potencialidade histórica da fotografia como instrumento de reflexão. Neste número recheado de artigos que provocam as (in) certezas do leitor fotógrafo, ou do leitor admirador dessa arte, destaco a entrevista com o fotógrafo Evandro Teixeira, cujo título usei para dar título à postagem. Para acessá-la, basta clicar e abrir o pdf presente na página da revista.

terça-feira, 26 de junho de 2012

A Ciência em Si



Hoje completa anos um dos mais criativos compositores da música brasileira. A inquietude filosófica do soteropolitano Gilberto Gil levou-o, no nascedouro do século XXI, a gravar um de seus mais belos discos: Quanta. Nele estão registradas suas reflexões sobre ciência, tecnologia e inovação. Essa é a mensagem de Ciência em Si, cuja autoria divide com Arnaldo Antunes.

sábado, 19 de novembro de 2011

NOT THIS PIG: A Poesia de Philip Levine



















Philip Levine. Foto de David Shankbone (2006). Creative Commons.


Philip Levine, nascido e criado em Chicago durante a Grande Depressão, é um poeta quer da classe trabalhadora na dimensão de sua universalidade. Foi trabalhador da indústria automobilística, onde chegou a fazer "trabalho estúpido". Bacharel e Mestre em Artes pela Wayne State University, faz uma poesia que é marcada de ceticismo em relação ao American Way of Life e também pela herança dos valores judaicos legados por seus pais.
Seus poemas são como fossem instantâneos que revelam uma teia social contínua e insidiosa que atrai, aprisiona e distancia para uso as pessoas. Como a locomotiva e o narrador do poema que aqui transcrevo, trazido de um de seus primeiros livros publicados - NOT THIS PIG (1968) -, em tradução e com os erros que me pertencem.
Laureadíssimo, Levine recebeu entre outros prêmios o Lenore Marshall Poetry Prize, dois National Book Critics Circle Awards (1980) e o National Book Award in Poetry (1991). É professor da California State University. No Brasil sua obra foi tema da dissertação de mestrado de Vinicius França da Silveira - "A Poesia de Philip Levine: Estudo Seguido de Pequena Antologia Traduzida e Comentada" (Unicamp, 2011).

Em Toledo, Quase Voltando pra Casa

Nós paramos no terraço do bar,
Bebemos e vimos os fazendeiros de sempre.
Com olhares censuravam por trazermos
Conosco um trabalhador grosseiro: Ele
Que do acostamento da estrada
Ria-se, acenava e mijava sobre a neve
A quarenta milhas geladas do lar.

Quando a locomotiva enguiçou
Nos juntamos em círculo.
Apenas nossas respirações
E o som da neve era ouvido.

Depois, noutro tempo, noutra cidade
No segundo dia de um novo ano
Já velho, antes do amanhecer
Nós a encontramos em cores pálidas
Como houvesse caído no sono
E, na sua pobreza abandonada,
Despertasse numa gare de vidro
Sob um teto de madeira barata.

Irmãos e amigos, eu lhes chamei alto
Por vocês algumas esposas
E crianças vieram - faces consoladoras -
e diziam "pai" e "marido".

Vocês nunca responderam.
Sob as estrelas congeladas
Não ouviram naquele velho ano,
O ranger da neve amontoando-se
Nem sentiram o ar zinabre da escória
Reunida a vinte milhas ao Sul de Ecorse.
Vocês que estavam felizes, cansados
E não voltavam para casa.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Perguntas & Respostas

















Homenagem ao filósofo paraense Benedito Nunes, recentemente falecido, produzida pela empresa de propaganda DC3. Foi publicada nos principais jornais do Pará, por encomenda de uma escola privada.

sábado, 5 de março de 2011

Será, o Benedito?















Professor Benedito Nunes (1929-2011)


Benedito Nunes quando refletia sobre os limites atuais da filosofia, ressaltava o desânimo que as novas gerações demonstram para leitura, a despeito do potencial tecnológico que a sociedade dispõe hoje, quase inestimável, para elevar a qualidade da formação dos leitores.
Assim mesmo lê-se em um twitter que, após nove meses de seu lançamento, usuários do iPad baixaram cerca de 100 milhões de livros eletrônicos nos quatro cantos do mundo real. Nada foi informado, contudo, sobre os títulos baixados ou da qualidade literária do que está guardado naqueles tablets da Apple. No meu, por exemplo, tenho além das obras técnicas de interesse médico o Camões (Os Lusíadas) e o Lima Barretto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma), que releio em aeroportos e nos voos em que viajo, associando-os ao passar tempo.
Então qual a política que os países em desenvolvimento devem adotar para leitura, que seja convergente em tábula rasa, mas diversa dos interesses hegemonicos das editoras do mercado local e dos países centrais, neste cenário de produção mundializada de informação digital que, em processo, pretende espelhar uma escala ampliada de lucros para as casas editoras?
Transpor e difundir o livro no formato digital reinova a efetividade dos tipos móveis de Guttemberg e o seu propósito de reproduzir livros à mancheia. Entretanto não podemos nos iludir com o paradoxo de uma civilização com este potencial informacional jamais antes intuído, quando reduz a sua capacidade crítica à leitura de manuais duvidosos e à onipresença dos livros de auto-ajuda, dizendo-se por tal modo - e por fim -, espaço averso para aprofundar conceitos ou reflexões sistêmicas. Como um dia pela metafísica o Benedito ratificou, a filosofia já não consola.

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P.S.

1. Depois de haver publicado esse texto no blog, neste domingo li no jornal O Estado de São Paulo um artigo pertinente, que é acessível em .

2. Meu texto homenageia o filósofo Benedito Nunes, falecido há sete dias. Tive o prazer de conhece-lo quando com ele e outros integramos a comissão designada pelo prefeito de Belém (1997-2002), doutor Edmilson Rodrigues , com o fim de organizar a publicação das obra reunida de Haroldo Maranhão. Desse mandato resultou a publicação do então inédito Pará, Capital Belém: Memórias & Pessoas & Coisas & Loisas da Cidade.

3. O projeto municipal não foi além desse livro. Em seguida, por intermédio de Benedito Nunes, os direitos e a biblioteca do autor de Cabelos no Coração e O Tetraneto D'el Rei - ambos magistrais - foram adquiridas pela Vale do Rio Doce e doadas ao Governo do Estado Pará, ao tempo em que Simão Jatene o administrava e ainda vivia Haroldo Maranhão. O conjunto, inclusos originais e obras raras, encontram-se hoje sob a guarda da Biblioteca Pública do Estado do Pará.

4. Mas Pará, Capital Belém é um livro misterioso. O original desapareceu das vistas do escritor por muitos anos e apenas ressurgiu por mãos incógnitas na época da publicação de sua única edição. Até hoje desconheço quem praticou a reposição digna dos samaritanos. Esse segredo foi confiado ao Márcio Meira, atual presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), que, passados mais de dez anos, mantem em confidencialidade o que decerto esclareceria o sumiço e o achamento da obra.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Queiram ou Não, Lula É o Cara

















O Latinobarômetro realizou pesquisa com 19 mil pessoas, em 18 países latino-americanos, para avaliar a democracia no continente e definir quem seriam os líderes mais bem avaliados por suas trajetórias políticas.
Daniel Ortega (Nicarágua), Hugo Chávez (Venezuela) e Fidel Castro (Cuba) tiraram nota vermelha, enquanto Lula e Obama confirmaram suas lideranças, ambas melhores avaliadas e a frente das obtidas pelo rei Juan Carlos e o primeiro-ministro espanhol Zapatero, por igual incluídos na enquete como contra-pontos.
A ONG avaliou também o regime democrático no continente. Uruguai, Chile e Costa Rica foram os países em que os entrevistados tiveram as melhores impressões. Nesse quesito, o Brasil ficou em quinto lugar, empatado com a Venezuela, decerto - não o diz a pesquisa - pelo contraste entre riqueza nacional e desigualdade social, tão absurdamente agudas nos dois países.
Por fim, cabe destacar, apenas 30% do total de latino-americanos entrevistados reconheceram que proteção social, solidariedade com os pobres, oportunidades de trabalho e proteção contra o crime estavam garantidas em seus países. Pois então é isso.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Os Genéricos do Serra: A História Sem Virtudes

O jornal Folha de São Paulo publicou hoje um artigo do físico Rogério César de Cerqueira Leite, que ilumina a origem dos genéricos no Brasil. É uma história pouco virtuosa, em que pese o valor imprescindível desse tipo de medicamentos para a saúde do povo brasileiro.

Genéricos e Outros Mistérios

Rogério César de Cerqueira Leite

Considero eminentemente pífia a atuação de Serra no Ministério da Saúde; seus genéricos pouco têm a ver com aqueles que planejamos

Como consequência da Guerra das Malvinas, quando a Argentina, por ter abdicado da produção própria de fármacos, ficou desabastecida de medicamentos, o governo militar brasileiro aprovou um programa, por mim proposto, de desenvolvimento dos princípios ativos (fármacos) dos 350 remédios constituintes da farmácia básica nacional.

Estimava-se que, em dez anos, seria possível desenvolver, por engenharia reversa, pelo menos 90% desses produtos. De fato, em pouco mais de três anos, cerca de 80 processos já haviam sido desenvolvidos e 20 produtos já estavam sendo produzidos e comercializados por empresas brasileiras.

O sucesso inicial desse projeto permitiu que fosse iniciada por mim, nesta Folha, uma campanha de esclarecimento sobre medicamentos genéricos, o que não teria sentido sem a produção própria de fármacos.

Precipitadamente, o governo Itamar Franco tentou lançar a produção de genéricos. O poderoso cartel de multinacionais de medicamentos se insurgiu. Ameaçou-nos de desabastecimento, de verdadeira guerra. Derrotou e humilhou o Ministério da Saúde.

Poucos anos depois, esse cartel não somente cedeu prazerosamente ao ministro José Serra, então na pasta da Saúde, como até fez dele seu "homem do ano".

Seria o costumeiro charme do ministro? Seu sorriso cândido? Senão, qual o mistério?

Como consequência da isenção de impostos de importação para o setor de química fina, da infame lei de patentes e de outras obscenidades perpetradas pela administração FHC, mais de mil unidades de produção no setor de química fina, dentre as quais cerca de 250 relativas a fármacos, foram extintas.

Além do mais, cerca de 400 novos projetos foram interrompidos.

Os dados foram extraídos de boletim da Associação Brasileira de Indústria da Química Fina. Em poucos anos, o deficit da balança de pagamentos para o setor saltou de US$ 400 milhões para US$ 7 bilhões. Quem acha que, com isso, Serra não merece o título de homem do ano das multinacionais de medicamentos?

Também os "empresários" brasileiros do setor de genéricos têm muito a agradecer ao ex-ministro da Saúde, pelas suas margens de lucro leoninas. Basta ver os imensos descontos oferecidos por quase todas as farmácias, que com frequência chegam a 50%. Os genéricos do Serra nada têm a ver com os genéricos que planejamos.

E o tão aclamado programa de Aids do Serra? É compreensível que todos os seres humanos, e talvez também o ministro Serra, tenham se comovido profundamente com a súbita e aterrorizante explosão da Aids. Que oportunidade sem par para políticos demagógicos!

A ONU homenageou o então ministro Serra pelo mais completo e dispendioso programa de apoio aos doentes de Aids de todo o planeta.

Países ricos, com PIB per capita dez vezes maiores que o nosso, ficavam muito aquém do Brasil. Como foi possível? E por que será que, nesse mesmo período, os recursos orçamentários destinados ao saneamento básico não foram usados?

O então dispendioso tratamento de um único doente de Aids correspondia à supressão de recursos para saneamento básico que salvariam centenas de crianças de doenças endêmicas, com base em uma avaliação preliminar. Será que Serra desviou recursos do saneamento básico? Mistério!

Mas persiste o fato de que, durante a administração Serra na Saúde, os recursos destinados ao saneamento, à época atribuídos a esse ministério, não foram aplicados.

Mesmo sem contar mistérios como aqueles dos "sanguessugas" e da supressão do combate à dengue no Rio, entre outros, considero pífia, eminentemente pífia, a atuação de Serra no Ministério da Saúde.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 79, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.

domingo, 8 de agosto de 2010

Meu Pai

Apesar de estarmos em condição humilde na década de 60, a vida de meu pai conhecera antes um período longo de bon vivant entre a infância e a maioridade, quando de súbito revezes familiares iluminaram para ele a crueza do mundo real. Se antes a boa fortuna dera ao meu pai as melhores oportunidades que um jovem podia ter naquela época, foram todas infrutíferas por razões muito superiores a ele, a que respondia com a imaturidade da idade, logo transformada em mágoa e revolta inconsequentes, aprisionando-o num círculo vicioso.

A queda no completo desemparo de proteção financeira, foi-lhe redentora e o libertou em definitivo para a vida que construiu com honestidade material e moral até os 61 anos, quando veio a falecer de súbito sem que me desse a chance de adentrar o espaço de seus longos silêncios, sempre invariáveis entre o fim da tarde e o início da noite, depois que retornava do trabalho. Quando questionado por mim, respondia com aquele olhar melancólico que já trazia de menino, e dizia com um quase sorriso, o cigarro na boca, que não era nada. Essa reserva com suas dores, hoje, tenho certeza, ele extendia até mesmo a minha mãe, como se estabelecesse a partir de si círculos concêntricos que compartimentalizavam os relacionamentos, como para atenuar choques e os proteger entre si de comunicação.

- Teu pai anda rezando, coisa rara. Ele não me disse nada, mas é sinal que ele está com algum problema! Na minha infância por diversas vezes ouvi de minha mãe esse comentario, sem que, depois, se tivesse notícia ou compreensão do quê buscava nos livros de kardecismo que ambos professavam.

Em termos de leitura o vi ler além de livros do Espiritismo – e só Alan Kardec – apenas os jornais diários e revistas de variedades, que amigos lhe emprestravam, e as coleções de Medicina e Saúde, que integralizou quando melhoramos de poder aquisitivo, junto com As Grandes Óperas. Entretanto, à medida em que eu crescia e conversávamos, evidências de que suas leituras não se limitaram a esses títulos ficavam mais claras. Se eu trazia para casa o trabalho escolar de resenhar e comentar algum capítulo de Os Lusíadas, ele com tranquilidade ouvia e comentava o que eu tinha escrito; se fosse necessário uma opinião sobre o Quijote, a Ilíada ou que raios seria aquela anotação sobre um tal Khalavelá que o professor Isidoro falara, também ele opinava. Eram ecos da formação do mundo que o abandonara, ou melhor, que ele em definitivo decidira um dia abandonar.

Meu pai, a saudade vai e vem como ondas, ora mais fortes, ora mais calmas, mas sempre bem-fazejas. Mar e saudade rimam? Ah, faz muito tempo!

quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Balanço de Temporão

O ministro da saúde faz um balanço honesto sobre seu tempo na gestão do Sistema Único de Saúde. Recomendo a leitura, pois, a parte o cargo que ocupa, o médico José Gomes Temporão é um dos melhores quadros intelectuais da saúde pública brasileira. Infelizmente, talvez por razões de espaço na revista, o ministro não aprofundou seu pensamento sobre investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação realizado de forma inédita no Ministério da Saúde, desde o primeiro governo do presidente Lula. É certo que os frutos, especialmente dos dois últimos componentes do tripé, demorarão por chegar, modulados pela complexidade da natureza das ações envolvidas. Mas decerto virão pelas rotas que o próximo governo for adotar. A entrevista com Temporão pode ser lida neste link.

sábado, 29 de maio de 2010

Um Falcão na Academia de Letras da Bahia






















Ontem à noite recebi com alegria a notícia de que meu amigo João Falcão, grande memorialista da literatura baiana e brasileira, fora eleito para a Academia de Letras da Bahia. O ex-proprietário do Jornal da Bahia será o titular da cadeira número 35, que tem como patrono o médico, ex-vice presidente da República e senador Manoel Vitorino Pereira.
Conforme recordo de Ruy Barbosa, a escolha de homens como João Falcão fortalece o princípio maravilhoso que senhoreia nossos espíritos, testemunha aquela liberdade que as instituições devem ter para a escolha de seus pares nos altiplanos de pensamento que dignificam os valores da democracia, da paz e da igualdade entre homens e povos.
Parabéns, doutor Falcão.

terça-feira, 25 de maio de 2010

No Salão Hillary Faz a Alegria do Maestro


Presidente Eisenhower despede-se da presidência (1961)

Dizem que nada melhor que uma guerra para por de pé uma economia industrial em crise. A dedicação da secretaria de estado Hillary Clinton em fazer naufragar o Acordo Diplomático Turquia-Irã, mediado pelo governo brasileiro, tem uma única razão que apenas a mídia brasileira parece desconhecer como fosse querubim, daqueles cacheados e gordinhos que inofensivos assistem missas nas igrejas barrocas brasileiras.
A razão da Sra. Clinton para ensaiar uma valsa antipática à diplomacia estão explícitas aqui e aqui. Causa idêntica a que o general Eisenhower se referiu em seu famoso discurso de despedida da Casa Branca, quando a descreveu como potencial risco aos valores democráticos do pais se os objetivos de mercado do complexo industrial militar se confundissem com os objetivos dos governos, e vice e versa, fossem eles de responsabilidade de democratas ou de republicanos.

Atualizando com base no discurso do presidente Lula, por ocasião da cerimônia de abertura da IV Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (27/05/2010): O acordo assinado não difere daquele que a AIEA havia proposto e o Irã vinha se recusando ratificar. Mesmo assim os cascos da cavalaria se fazem ouvir cada vez mais próximos...

domingo, 11 de abril de 2010

Os Maiores Crâneos da Matemática

Alex Bellos, articulista do The Observer, lista na edição de hoje quem ele considera os 10 maiores matemáticos em 2500 anos de História. Acesse aqui.

terça-feira, 23 de março de 2010

Meirevaldo Paiva - O Educador como Pastor

Morreu o Professor Meirevaldo Paiva às 16 horas de hoje, aos 70 anos idade, em plena atividade laborativa. Não foi homem de ideologias políticas, nem de agitar bandeiras ou fustigar o ar com o braço esquerdo, mas tinha a sensibilidade aguçada para reconhecer que as dores de nosso sistema de educação agravam a cadeia de sofrências de nosso povo. Na condição de um homem de letras, foi um digno pastor na seara do ensino, praticando-o com uma admirável simplicidade no trato com os alunos e seus pares - coisa rara entre os intelectuais brasileiros.
Já alguns anos não o via, e penso que a última vez foi em 2002, ano em que foi convidado a desenhar e conduzir o projeto pedagógico da Secretaria de Saúde de Belém, quando o Partido dos Trabalhadores administrava Belém pelas mãos então prefeito Edmilson Rodrigues, também professor. Lembro -lhe na empolgação com a tarefa e com o alcance que ela teria se os resultados pretendidos desse a empreitada.
Desenhava-se ali a primeira experiência de gestão do conhecimento numa secretaria municipal de Belém do Pará, que reconhecia o Sistema Único de Saúde como instituição produtora e gestora de conhecimento para os seus trabalhadores e para a comunidade. Infelizmente, com a substituição do prefeito em segundo mandato, o projeto pedagógico e outros avanços da administração pública municipal foram levados de roldo ao estado atual de estupidez...
Mas não quero lembrar de outras tristezas nesta hora, já por demais triste. Ao modo de homenagem e consolo, e por impossibilitado de comparecer ao enterro do Professor, transcrevo aqui um poema de Henriqueta Lisboa:

O Pastor

Sou um simples pastor
de sandália e estamenha,
meu cajado é bem tosco.
Porém dói na minha alma
cada espinho na carne
delicada da ovelha.

Dói-me saber que a doce lã
da minha ovelha se emaranha
nos carrascais espessos.
Dói-me saber que a alvura
pela eucaristia - tão sua -
cobriu-se de cinza e poeira.

Busco-a de recanto em recanto
através de todos os tempos.
Descubro às vezes o seu rastro
numa rósea gota de sangue.
Mas ela foge ao meu encalço
como se me desconhecesse.

Busco-a, no entanto, somente
para revesti-la de lírios
- a que minhas cãs imitam;
para a sede mitigar-lhe
na mais límpida fonte
(a que se juntam minhas lágrimas);
para levá-la nos ombros
aonde se encontra a vida;
para morrer - como pastor -
depois de havê-la no redil.