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domingo, 15 de março de 2015

Uma Rede de Amigos



  São José, Carpinteiro. 
Georges de La Tour. Museu do Louvre.

A Rede de Amigos de Stefan Zweig/ Sua Última Agenda/ 1940-1942, publicação organizada por Alberto Dines, Israel Beloch e Kristina Michahelles (Casa Stefan Zweig [www.casastefanzweig.org], 2014), representa uma interessante experiência de arqueologia do saber no campo da biografia.
A partir da última agenda de endereços do renomado escritor austríaco, que, no Brasil dos anos 40, psicologicamente exausto e esgotado veio a falecer, os autores fazem uma reconstituição biográfica da rede constituída de 198 nomes que constituiam os contatos de Zweig, demonstrando a partir da comparação com outras suas agendas escritas na Inglaterra e nos EUA a progressiva redução de contatos, a medida em que o exílio e o isolamento foram se aprofundando num mundo francamente hostil à integridade moral da humanidade.
Em meio aos nomes chamou-me a atenção referência a Irwin Edman, um filósofo hoje esquecido e autor de Luz na Escuridão: Um pós-escrito ao desepero (Candle in the Dark: a postscript to despair), que publicou em 1939. Curioso com o título instigante, fui ao Google Books é encontrei esse livro escrito no calor de fatos mundiais gravíssimos. Ainda mantem a atualidade. 

Este é um trecho que refere-se à ciência:

A fé na ciência deveria talvez ser examinada em primeiro lugar, pois foi no método científico, até um quarto de século atrás, que tínhamos depositado a maior parte de nossas esperanças. A dolorosa ironia está no fato de que, dentro de certos limites, nada há que nos desiluda, e a nossa dependência do método científico tem sido mais do que justificada, na medida que para os homens  há quase nada que estejam impedidos de realizar no seu domínio sobre as coisas.
Se não há limites para o que o homem pode realizar, por outro lado resta a questão para o que o seu poder sem precedentes não deve ser usado. A ciência que era para tornar a vida bonita tem o seu lado hediondo. Chovem bombas sobre cidades indefesas, bem como música celestial sobre ouvidos extasiados. Tanto produz torturas indizíveis como os prodígios da arquitetura moderna. A ciência traz aos nossos lares os acordes elegantes de uma afinada música de câmara, mas também a voz de demagogos e de ditadores.
A ciência que nos dá abundância não impede a fome em meio à abundância. Se a ciência nos dá vida mais longa, também nos dá morte mais rápida.A cirurgia recupera maravilhosamente homens destroçados, com precisão igualmente maravilhosa.  Somos capazes de realizar transformações incríveis de recursos incalculáveis, e demonstramos que podemos alcançar tudo, exceto a segurança e a paz. Enquanto campos de grãos e rebanhos de ovelhas são destruídos, químicos talentosos inventam substitutos para o pão e a lã. A mesma capacidade infinita que pode tornar o mundo mais justo, é a mesma usada para nos destruir.
  
O link para acesso é: http://tinyurl.com/ktxypoj

 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Frankie

Insight Inteligência é uma revista eletrônica editada pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. É fantástica. No atual número, além de uma entrevista excelente com o editor, em que analisa a política com largueza de horizonte, temos também um artigo sobre Frankstein.
Conta a lenda que Mary Shelley criou o famoso monstro durante uma espécie de gincana literária com os poetas Shelley e Byron, que estavam reunidos em uma vila retirada nos Alpes, nos arredores de Genebra. O desafio seria a criação da mais horrenda criatura nunca antes descrita. Mary Shelley estava com 19 anos de idade, quando criou Frankstein. O livro, publicado dois anos após esse encontro, tornou-se um sucesso editorial e a estória foi adaptada a outras artes que a autora não viveria para conhecer. 
A história desse Moderno Prometeus foi narrada a partir de 1915 em cerca de 50 filmes, incluído Gothic (1986), sob a direção de Ken Russell e alusivo ao momento da criação literária dessa criatura fantástica. Os estudos literários sobre a obra também não estão em menor escala de amplitude e diversidade. Entre as tantas, prefiro aqueles que consideram Frankstein uma alegoria do desenvolvimento científico na Primeira Revolução Industrial, sobre o qual o olhar crítico de Mary Shelley expressa extraordinária inquietação sobre os valores éticos da Humanidade, frente a tão poderosas forças tecnológicas que a ciência despertava para a mudança do mundo. A história não a desmentiu.

O acesso ao artigo sobre Frankstein na Insight Inteligência pode ser lido a partir daqui.  

domingo, 17 de junho de 2012

Literatura, Saúde e Doença na Amazônia

Ora, entre as magias daqueles cenários vivos, 
há um ator agonizante, o homem. 
O livro é, todo ele, este contraste.
(Euclides da Cunha: Prefácio a Inferno Verde/ 
Cenas e Cenários do Amazonas 
[Alberto Rangel. Genova, 1908])

A literatura não científica representa uma fonte de informações sobre a situação de saúde em determinada época. Utilizar autores não necessariamente "científicos" constitui-se em excelente ferramenta didática. Questões de saúde e a doença estão presentes em autores célebres como Balzac, Shakespeare, Camões, entre outros. Na prosa da Amazônia, por exemplo, a leitura atenta dos autores revela alí e acolá as condições sanitárias da região, onde há clara prevalência das doenças infecciosas e da pobreza, e uma esmagadora desassistência motivada pelo vazio tecnológico, a insuficiência de recursos e a falta de uma política de saúde que fosse de inspiração cidadã, não indigente.
É o que reflete o romance O Rio Corre Para o Mar, do hoje quase esquecido - injustamente - Nelio Reis (Editora A Noite. Rio de Janeiro, 1941):
"Há quase um mês era assim, desde o dia da sua ida para os lados do Igapó das Velhas, lugar clélebre e temido. Impaludismo  chegou alí parou!, diziam todos, batendo na boca esconjurando e benzendo-se contra a sezão. Pois ela fora por lá, metera-se pelo mato de perto, porque ao menos alí tinha certeza de não encontrar alguém que se pusesse a olhá-la da cabeça aos pés, como o povo da terra dera para fazer cada vez que a via. Veio a febre depois; febrezinha de nada que passou logo. (...) No dia seguinte a febre voltou. Voltou no outro. Chica Feitiço veio e garantiu logo: maleita, sezão na certa!
- Quinino, nela, meu povo.
Mas seu Lauria da farmácia não quis vender o remédio por uma razão:
- Vocês estão doidos, então? Onde já se viu dar quinino para mulher prenha? Vocês querem matar a criança, ou o que querem?
- Mas a moça não pode ficar assim daquele jeito - objetou D. Estrela com aprovação de todos: 
- Lógico!
- Pode sim - garantiu seu Lauria. Quanto tempo falta pro troço do parto?
- Um mês.
(...)
Seu Lauria então cortou a coisa pela raiz:
- É isso mesmo. Não deem quinino para ela. Deixem vir o trololó primeiro, depois sim.
E não vendeu o remédio."
Encerro essa reflexão com a narrativa do recentemente falecido Armando Mendes, registrada com precisão, em palavras não desmedidas nem caudalosas, no memorialístico A Cidade Transitiva / Rascunho de recordância e recorte de saudade da Belém do meio do século (Imprensa Oficial do Estado. Belém, 1998):
"Anciãos Precoces
Também não é preciso recorrer a rigorosas pesquisas, baseadas em minuciosas séries históricas dos indicadores sociais, para perceber que a esperança de vida, em Belém, nos anos 40 e 50, eram sensivelmente inferior à atual. E assim no Brasil. Como lembra meu irão Oswaldo, os repórteres não se acanhavam em chamar de anciãos pessoas que tinham chegado aos 50 anos: "Ao atravessar a rua, o ancião Não Sei Quem, 52 anos incompletos, foi atropelado e morto..." 
E a mortalidade infantil, a morbidade e a mortalidade em geral eram bem superiores aos índices de hoje, por menos brilhantes que estes sejam. Casal de "remediados", isto é, de classe média, de nossas relações, para relatar só um ilustrativo caso real, havia perdido dois filhos recém-nascidos. Mas as fotos dos "anjinhos", em seus pequenos caixões brancos, eram candidamente expostas na sala de visitas, junto às dos irmãos que vingaram, aliás vivos e sãos até hoje - coisa que sempre me impressionou sobremodo, a ponto de não a ter esquecido jamais.
A hanseníase, alías, a "lepra", ainda era um terror bastante generalizado nos subúrbios e no interior. Mas não só entre pobres. Já falei no caso dos cantores líricos Ulisses e Helena Nobre. A lembrar também o poeta Antonio Tavernard. As doenças infantis, inclusive a poliomielite, grassavam e matavam. E a simples leitura do obituário que os jornais publicavam rotineiramente é suficiente para dizer, por exemplo, como eram numerosos os casos de falecimentos por meningite e tuberculose, sem falar no onipresente impaludismo, malária, maleita ou sezões. 
Os que sofriam do "peito"eram muitos. O clima era considerado hostil à saúde, especialmente aos brônquiso e pulmões. Faziam-se "pneumotórax" com notável frequência. Médicos importantes da época eram tisiologistas ou "pneumologistas", como Epílogo de Campos e Luiz Romano da Mota Araújo. Este último, inclusive, procurou desfazer o preconceito existente contra o clima da Cidade. 
A tese versa, precisamente, sobre O Clima de Belém e o Tratamento da Tuberculose Pulmonar. Para ele, contrariando idéias arraigadas, "A tuberculose é doença da hipoalimentação: as nossas classes pobres alimentam-se mal: a tuberculose campeia, e vai ceifando vidas a granel". Tese comentada pelo seu sobrinho, Roberto Santos, que chama a atenção para a hipótese de que, provavelmente, as famílias econômica e socialmente decadentes, por força da prolongada crise da borracha, estariam a esse tempo sentindo crescentemente o ataque do bacilo de Koch por semelhantes causas, ligadas a carências.
Os mais abonados, ignorando o argumento do Dr. Luiz Araújo, mandavam os seus familiares enfraquecidos para temporadas de repouso, cura ou recuperação, na Serra de Guaramiranga, no Ceará (Jacques Flores escreveu uma crônica relatando uma ida até lá), ou na de Garanhuns, em Pernambuco, ou ainda em Belo Horizonte, ou em Campos do Jordão, ou mesmo na Europa.
Em compensação, não se ouvia falar em cólera ou dengue, e muito menos AIDS, que viria a ser dianosticada muito tempo depois. Mas havia, sim, extensamente, "doenças de massa", em especial nos arredores da Cidade, à época menos extensa e não saneada."

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domingo, 8 de abril de 2012

Reflexões sobre Ciência: As Breves Notas de Gonçalo M. Tavares

Eiffel Tower
Detalhe da Torre Eiffel

Vive a literatura de Angola uma espécie de ressurgimento entre nós, por muito que tem se falado dela na crítica especializada, nas editoras e em algumas universidades brasileiras que a tem como linha de pesquisa. Todavia conheci-a ainda adolescente, nos anos 70, por meio dos poemas de Agostinho Neto, ao tempo em que nessa ex-colônia portuguesa se travavam as guerras sangrentas de independência. Hoje, autores como Ondjaki, Pepetela e  Agualusa são encontrados com facilidade, nas estantes das livrarias brasileiras.
Gonçalo M. Tavares nasceu nos anos 70 em Luanda (Angola) e publicou seu primeiro livro em 2001, a que deu o título de Livro da Dança. Detentor dos mais importantes prêmios literários em língua portuguesa, tendo sido distinguido com o Portugal Telecom 2007, o Prêmio José Saramago 2005 e o Prêmio Ler/Millenium BCP 2004, é autor de mais de 30 obras de variada forma - romance, teatro, poesia, etc -, cujas qualidades levaram a influenciar projetos em campos alheios à literatura, em arquitetura e vídeo por exemplo.
Os poemas aqui transcritos são do livro Breves Notas, publicação da Editora da Universidade Federal de Santa Catarina e Editora Casa. A obra foi editada em três volumes (Breves Notas sobre Ciência, Breves Notas sobre o Medo e Breves Notas sobre as Ligações), a partir da reunião dos textos com base na individualização da temática abordada.  
As notas representam reflexões filosóficas do autor sobre a ciência e o medo, embora as Breves Notas sobre as Ligações se refiram a duas escritoras portuguesas e a outra de nacionalidade espanhola, cujas leituras exigem de nós uma resposta, um movimento paralelo, uma deslocação, conforme se lê na primeva advertência que antecede ao texto propriamente dito.
A seguir transcrevo algumas daquelas anotações que fazem referência à ciência, escritas sob a inspiração das palavras de Nietzsche; no preâmbulo a nos dizer: "Com vista à construção dos conceitos, trabalha-se originariamente, como vimos, a linguagem, e mais tarde a ciência".
 
O perigo

Claro que o perigo é a origem dos métodos científicos mais eficazes.
Se o Homem fosse imortal ainda não teria invetado a roda [poderias dizer].

A abstração

A abstracção é útil na ciência se deixares, como no conto infantil, migalhas de pão para identificar o caminho de volta. Porém, por vezes, és tu mesmo que distraído, ou por apetite, devoras a própria possibilidade de regresso. E além, perdido, ficas: nas idéias esplêndidas.
[Quanto mais caminhas mais apetite tens, e o teu percurso é em círculos. Se com fome vês a tua frente uma migalha de pão, que fazes?
Eis o cientista perdido na floresta.]

Ferramentas e aprendizagem

- Com estas ferramentas que problemas posso resolver?
[Esta é a pergunta tonta.]
-  Com estes problemas que ferramentas preciso?
[Esta pergunta é melhor]
- Com estes problemas que ferramentas tenho de aprender a utilizar?
[Esta pergunta ainda é melhor: pressupõe vontade e um plano de ação.

O esforço e o voo

A ciência parte sempre do princípio de que tem o mapa certo. E, assim, acredita que é só procurar.
Julga que lhe basta o esforço, o suor.
[E, afinal, muitas vezes não deve escavar, mas voar - algo que lhe é fisicamente impossível.]

Uma incompetência

Aprende pois a utilizar metáforas, caro cientista. Não sejas incompetente.

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A trilogia de Breves Notas pode ser adquirida por solicitação na página eletrônica da Editora UFSC

sexta-feira, 30 de março de 2012

Os Fantásticos Livros Voadores do Sr. Morris Lessmore


Esse simpático  filme recebeu o Oscar de Melhor Curta-Metragem de Animação em 2011. É uma bela homenagem ao livro e à leitura, além de ser um show de computação gráfica. Apreciem sem moderação.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr

Millôr está morto. Notícia irremediável deve se dar seca, de chofre, sem circunlóquios. Quanto a mim, que a passo, confesso não ter sido muito apreciador do defunto, mas lhe reconhecia o talento e a originalidade da letra e do traço em vida, que pelo visto nunca foram plagiados, embora tenham influenciado toda uma geração de chargistas que estão por aí, nas revistas e jornais brasileiros. 
Em resumo: o autor de Vão Gôgo nos legou uma persona literária que fez dele um divisor das águas da paixão e do ódio, ao modo como foi Paulo Francis, seu contemporâneo e companheiro de armas no lendário Pasquim, a quem descreveu como sendo um bípide implume insuportavelmente sapiens.
A definição ficou e sempre lembrava dela ao assistir o Paulo Francis na televisão, até que esse jornalista brilhante se eclipsou numa caricatura nada sapiens de si.
Entretanto a faceta que eu admirava no Millor era aquela em que desvelava sua admiração pela poesia oriental. Seu haikai único, praticado amargo e ao modo de um quase arremedo, contribuiu para a difusão dessa elegante, concisa e elevada forma da poesia japonesa no Brasil.
Por assim dizer, ao flexibilizar do haikai a divisão silábica clássica dos versos, a sublimação contemplativa e o cenário sazonal que emoldura esse fazer poético, eu diria que Millôr o armou para a luta, adequando-o ao confronto com a obscuridade política em que vivíamos nos idos anos 70.
Hoje, enquanto circulava na blogosfera, pelas rodinhas do imenso velório desse iconoclasta que marcou época, principalmente por sua resistência à ditadura militar, fiquei sabendo que ele havia escrito anos antes um poema sobre a própria morte:

Quando eu morrer
Vão lamentar minha ausência
Bagatela
Pra compensar o presente
Em que ninguém dá por ela.

O tema remete a uma tradição dos  haikaistas de refletir sobre o término da vida. A exemplo, a poesia do monge Dokyo Etan escrita em 1721, imediatamente antes desse poeta deixar o domínio material aos 80 anos de idade:

Aqui, sob a sombra da morte, é difícil
Ser dono da palavra final
Eu somente direi, então,
"Sem o dizer"
Nada mais,
Nada mais. 

Porém, se há semelhança de inspiração nesses poemas, por outro cristalizam-se duas distinções que marcam a  compreensão metafísica de ambos os poetas sobre o instante limite: naquele transparece a mágoa irremediada, neste a pacificação de uma existência nos princípios do zen-budismo. Millôr em definitivo foi um enfezado.

**********************

O poema de Dokyo Etan está publicado em Japanese Death Poems (Tuttle Publishing, 1986). Foi recriado neste blog a partir de sua versão inglesa por Yoel Hoffmann: Here  in the shadow of death it is hard/ To utter the final word./ I'll only say, then/ "Without saying"/ Nothing more,/ Nothing more.



domingo, 25 de março de 2012

Minha Criança Portaria a Paz

The Kid by Itajai de Albuquerque
The Kid, a photo by Itajai de Albuquerque on Flickr.

 Minha criança portaria a paz
Quando sobre ela me debruçasse
Não apenas um perfume de sabonete

Todos fomos crianças da paz
(E em toda terra, não apenas em uma,
mós ainda fazem seus giros)

Oh, a terra que feito as roupas rasgam 

De tal forma que não pode ser reparada

Duro, pais que choram nos túmulos de Makhpela,
É a ausência das crianças

Minha criança traria a paz
No ventre sua mãe lhe prometeu
O cumprimento do que Deus
Não pode nos prometer.


*******************

Nesses últimos dias assistimos com tristeza as notícias lutuosas de três crianças assassinadas numa escola judaica em Toulouse (França), por um terrorista árabe. 
Essa postagem representa homenagem a elas e a todas as crianças que diariamente são mortas ou violentadas em sua inocência, nas guerras em curso nos quatro cantos do planeta, independente de suas nacionalidades, cor ou credos.
O autor do poema , Yehuda Amichai (1924 - 2000), pertence a literatura israelense.
O poema original, que traduzi de forma livre:

My child wafts peace/ When I lean over him, / It is not just the smell of soap./ 
All the people were children wafting peace./ (And in the whole land, not even one/ Millstone remained that still turned).
Oh, the land torn like clothes/ That can't be mended.
Hard, lonely fathers even in the cave of the Makhpela/ Childless silence.
My child wafts peace./ His mother's womb promised him/ What God cannot/ Promise us.

Makhpela é local sagrado em Hebron, onde a tradição das religiões hebraica, católica e muçulmana refere como o lugar das tumbas de Adão e Eva, Abrão e Sara, Isaac e Rebeca e Jacó e Lea.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Palavras (de Pouca Valia) para Levar ao Mercado

Nesses tempos em que muito se edita e do manancial do mercado, sedento e avantajado, abundam facilidades de riqueza e a insubsistência das obras, deixando-nos a impressão de que vivemos um certo cansaço civilizatório mediado pelo imperativo da mais valia, cabe-nos refletir sobre o que foi registrado na história da modernidade:

Meu fácil me enfada. 
Meu difícil me guia. 
Quase todos os livros que eu estimo e absolutamente todos 
os que me serviram para alguma coisa são difíceis de ler.
(Paul Valéry, Cahiers)

La beauté, "A Beleza é difícil, Yeats", disse Aubrey Beardsley, 
Quando Yeats lhe perguntou porque ele desenhava horrores
(Ezra Pound, Canto LXXX)

Grande parte de minha música a partir de 1974
é extremamente difícil de tocas.
A superação das dificuldades.
Fazer o impossível.
(John Cage, The Future of Music, 1979).

****

Citações retiradas de HOPKINS/ A Beleza Difícil, de Augusto de Campos (Perspectiva,1997).

sábado, 17 de março de 2012

Shakespeare and Company: Uma Idéia em Dois Tempos

Shakespeare and Company by Itajai de Albuquerque
Shakespeare and Company, a photo by Itajai de Albuquerque on Flickr.
   
[A Shakespeare and Company ] é uma utopia socialista, disfarçada de livraria.
George Whitman
                  
Uma das paradas obrigatórias, nas minhas buquinagens pela margem esquerda do rio Sena, é a livraria Shakespeare and Company . Trata-se de uma livraria especializada em livros ingleses, situada no kilometro zero de Paris, bem defronte a um dos mais famosos cartões postais da cidade: a Catedral de Notre Dame.

A livraria original foi fundada por Sylvia Beach em 1917, funcionado até 1941 no 12 da Rue de Ódeon. O lugar era frequentado por escritores incluídos hoje no cânone da literatura universal. A coragem de miss Beach foi a responsável pela publicação da primeira edição de Ulysses de James Joyce, em tiragem de 1000 cópias.

Sim, senhoras & senhores, um dos mais importantes livros para a literatura inglesa e universal modernas foi editado pela primeira vez em 1922 na França, pois na Inglaterra e EUA ninguém se atrevera a fazê-lo, por o considerarem obra pornográfica!
Mas a Shakespeare and Company é uma idéia em dois tempos:
A primeira livraria foi fechada em 1940 após um incidente com um oficial nazista, para quem Sylvia Beach teria recusado a venda do último exemplar de Finnegans's Wake, de Joyce. Mesmo após a libertação de Paris com a derrota da Alemanha na II Guerra e o ato simbólico de liberação da livraria por Hemingway, as portas de fato não mais se abriram e a Shakespeare and Company virou mito nacional .

Depois do falecimento de Sylvia, o livreiro George Whitman refundou a Shakespeare and Company na década de 60, no mesmo local onde a visitei em 2003, no 37 da Rue de la Bûcherie. Whitman liderou a livraria de forma brilhante até o ano passado, quando veio a falecer, vitima de derrame cerebral, com quase cem anos de idade.
Atualmente a gerência do estabelecimento está a cargo de Sylvia Beach Whitman, filha e herdeira do antigo dono. Além do comércio de livros, a atual proprietária mantem a proposta original de fazer do lugar referência cultural para o livre debate e a difusão de idéias, à altura da interseção entre dois tempos definida a quatro mãos.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vamos Plantar Estrelas

Então, vai...
Joga fora os teus números
Joga fora os teus relógios
Joga fora o amanhã
Ei, Akira!
Vamos plantar estrelas no campo

*

Nanao Sakaki (1923-2008)

poeta e sábio taoísta contemporâneo

So, go on.../ Throw away your numbers/ Throw away your clocks/ Throw away tomorrow/ Hey, Akira!/ Let's plant stars in the field.

Tradução/interpretação do blogueiro.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Literatura e Loucura na Confraria dos Bibliófilos

Eu lhes confesso nesse caso minha ignorância: dessa senhora nunca tinha ouvido falar antes. Nem mesmo em conversas com amigos mineiros, ou com o paraense e mineiro-honorário Rômulo Paes, meu amigo desde muitos anos. Daí que ao receber a publicação de fim de ano da Confraria dos Bibliófilos, que coincide com a comemoração dos dez anos da associação, fui surpreendido pela prosa de Maura Lopes Cançado e, depois, na medida em que a lia, pelas consultas que fiz, sensibilizado pela vida sofrida que teve enquanto esteve entre nós, profunda e tragicamente marcada pelo transtorno mental, a exclusão e a violência por regra associadas.
Dona de uma produção literária enxutíssima - publicou Hospício é Deus (1965, José Álvaro Editor) e o Sofredor do Ver (1968, José Álvaro Editor) -, admirada por escritores de nosso cânone literário - de Ferreira Gullar a Clarice Lispector - ao mesmo tempo que se me revelou como obra confessional, conclui que Sofredor de Ver desvela ao leitor do século XXI uma autora encoberta de forma injustificável pelo mainstream cultural do país, que no entanto soube apreciar e difundir a inquietante arte de Antonio Bispo do Rosário, de merecida fama.
A obra de Maura Lopes Cançado, afora a luxuosa edição de 501 exemplares dos sócios da Confraria, está esgotada. Edições anteriores são vistas, contudo, com alguma sorte nos sebos brasileiros, que sabedores da raridade e da importância chegam a cobrar até R$300 reais por volume, quando autografado. Por outro lado, na academia, não menor é a raridade de estudos sobre a prosadora mineira. Nesse campo, destaco a tese de doutorado Narrativas e Sobreposições: Notas sobre Maura Lopes Cançado (Unicamp, 2010), tese de Maria Luísa Scaramella, que elude questões importantes sobre a vida e a obra daquela autora.
Em tempos que o Ministério da Saúde repensa a política pública de atenção psiquiátrica no Brasil, a leitura de Sofredor do Ver nos obriga a de novo refletir sobre questões importantes, apontadas com agudeza nesse livro, mas de antes já registradas no Diário do Hospício e Cemitério dos Vivos (Lima Barreto. Cosac Naify, 2010), Diário de um Louco (Gogol) e filmes como os documentários Titicuts Follies (Wiseman. EUA, 1967) e Dizem que Sou Louco (Chnaiderman. Brasil, 1994) e o hit da década Bicho de Sete Cabeças (Bodanzki. Brasil, 2001).
Com respeito a exclusão e a violência registradas nos escritos de Maura Lopes Cançado, entre tantas sofridas, destaco esta reflexão que para mim é entre todas a superior e mais vil, pois testemunha o desfecho do poder psiquiátrico no despojamento da identidade do indivíduo como ser e pessoa :
Terminarei pela vida como essas malas de viajantes que visitam vários países e em cada hotelpor onde passam lhes pregam uma etiqueta: Paris, Roma, Berlim, Oklahoma. E eu: PP, paranóia, esquizofrenia, epilepsia, psicose maníaco-depressiva, etc. Minha personalidade será sufocada por etiquetas científicas.Pois assim transcorreram tumultuários os seus dias, com recebimento de rótulos até o fim. Quando vítima de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica faleceu aos 61 anos, interna em sanatório no Rio de Janeiro, já haviam lhe acrescido a aquele etc do parágrafo anterior o grave título de louca homicida. Vivia nesse tempo no mais absoluto anonimato e nem mais escrevia.

********
O livro Sofredor de Ver, publicação da Confraria dos Bibliófilos, foi ilustrado por Manu Maltez. Algumas das ilustrações encartadas no livro podem ser vista no blog do premiado artista gráfico.

sábado, 19 de novembro de 2011

NOT THIS PIG: A Poesia de Philip Levine



















Philip Levine. Foto de David Shankbone (2006). Creative Commons.


Philip Levine, nascido e criado em Chicago durante a Grande Depressão, é um poeta quer da classe trabalhadora na dimensão de sua universalidade. Foi trabalhador da indústria automobilística, onde chegou a fazer "trabalho estúpido". Bacharel e Mestre em Artes pela Wayne State University, faz uma poesia que é marcada de ceticismo em relação ao American Way of Life e também pela herança dos valores judaicos legados por seus pais.
Seus poemas são como fossem instantâneos que revelam uma teia social contínua e insidiosa que atrai, aprisiona e distancia para uso as pessoas. Como a locomotiva e o narrador do poema que aqui transcrevo, trazido de um de seus primeiros livros publicados - NOT THIS PIG (1968) -, em tradução e com os erros que me pertencem.
Laureadíssimo, Levine recebeu entre outros prêmios o Lenore Marshall Poetry Prize, dois National Book Critics Circle Awards (1980) e o National Book Award in Poetry (1991). É professor da California State University. No Brasil sua obra foi tema da dissertação de mestrado de Vinicius França da Silveira - "A Poesia de Philip Levine: Estudo Seguido de Pequena Antologia Traduzida e Comentada" (Unicamp, 2011).

Em Toledo, Quase Voltando pra Casa

Nós paramos no terraço do bar,
Bebemos e vimos os fazendeiros de sempre.
Com olhares censuravam por trazermos
Conosco um trabalhador grosseiro: Ele
Que do acostamento da estrada
Ria-se, acenava e mijava sobre a neve
A quarenta milhas geladas do lar.

Quando a locomotiva enguiçou
Nos juntamos em círculo.
Apenas nossas respirações
E o som da neve era ouvido.

Depois, noutro tempo, noutra cidade
No segundo dia de um novo ano
Já velho, antes do amanhecer
Nós a encontramos em cores pálidas
Como houvesse caído no sono
E, na sua pobreza abandonada,
Despertasse numa gare de vidro
Sob um teto de madeira barata.

Irmãos e amigos, eu lhes chamei alto
Por vocês algumas esposas
E crianças vieram - faces consoladoras -
e diziam "pai" e "marido".

Vocês nunca responderam.
Sob as estrelas congeladas
Não ouviram naquele velho ano,
O ranger da neve amontoando-se
Nem sentiram o ar zinabre da escória
Reunida a vinte milhas ao Sul de Ecorse.
Vocês que estavam felizes, cansados
E não voltavam para casa.

domingo, 2 de outubro de 2011

Terá Karl Marx Lido esse Poema?
























Paisagem Urbana de Bruxelas

Em setembro passado, recebi de presente o livro de Carlos Drummond de Andrade, Poesia Traduzida. O inédito do poeta itabirano chegou às livrarias com aquela apresentação impecável que habitualmente encontramos no selo Ás de Colete, sob as ordens das editoras 7 Letras] e CosacNaify.


A Organização e Notas do volume ficaram a cargo dos poetas Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães, que assina a introdução. No preâmbulo aos textos poéticos bilíngues, são feitas considerações sobre o pensamento drummoniano sobre o ofício de traduzir poemas, com destaque para alguns dos escolhidos que, avalia-se, alguma influência tiveram na formação da poética do tradutor.

A leitura dos poemas traduzidos por Drummond, contudo, não me levaram a buscar a companhia sempre presente de Manuel Bandeira, outro grande poeta-tradutor, mas sim a Poesia Alheia - de Nelson Archer -, publicada em 1998 pela editora Imago. São 124 poetas de nacionalidade vária, desde clássicos, como Catulo, Horácio e Marcial, até modernos como Borges e Octávio Paz reunidos em florilégio.

É um belíssimo livro de poesia, em que a sua introdução demonstra a tese de que a tradução poética deveria ser considerada um gênero próprio da literatura, conforme Archer sublinha:

A tradução de poesia é, portanto, uma arte (ou um gênero literário) que tem características próprias. O que ela tem em comum com a poesia em geral é o fato de que deve, fisicamente, atingir o seu grau de complexidade (se é que é possível mensurar algo assim). (...) E, diferentemente da "tradução propriamente dita", requer-se da de poesia que, indo além da transposição do material supra-idiomático, apresente determinados resultados que nem sempre mantêm uma correlação simples e facilmente comparável com seu original. A tradução de um poema, como a de qualquer texto, pode estar errada; no caso da poesia, porém, a tradução correta não existe: uma vez que não esteja errada, ela será (com todas as possíveis gradações intermediárias) boa ou ruim.

Esse Poesia Alheia eu li faz tempo. Nesse reencontro, no século seguinte, lembrei que na ocasião de seu lançamento, vi em um de seus poemas trecho daquele que bem poderia ser epitáfio ou, melhor dito, advertência para aqueles países com pretensões hegemônicas globais, como o foram no século XX a extinta URSS e a Alemanha Nazista. Trata-se do poema Sobre Roma, escrito por Janus Vitalis (1485-1560):

Recém-chegado que, buscando Roma em Roma,
não encontras, em Roma, Roma alguma,
olha, ao redor, muro e mais muro, pedras rotas,
ruínas, que assustam, de um teatro imenso:
é Roma isto que vês - cidade tão soberba,
que ainda exala ameaças seu cadáver.
Vencido o mundo, quis vencer-se e, se vencendo,
para que nada mais seguisse invicto,
jaz, na vencida Roma, Roma, a vencedora,
pois Roma é quem venceu e foi vencida.
Só resta, indício do que já foi Roma, o Tibre:
corrente rápida que corre ao mar.
Assim age a Fortuna: o que há de firme passa
e o que sempre se move permanece.