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sexta-feira, 27 de março de 2015

Vida Como Mercadoria

Stefan Zweig, refletindo sobre a progressiva desumanização da Economia, escreveu que era impossível estimar valores para a vida. Esse argumento durou até a consolidação da Biologia Molecular. A partir daí, com a translação dos resultados científicos obtidos em laboratório para a dimensão do mundo prático, a exemplo o espetacular desenvolvimento de marcadores de diagnóstico tumoral e dos alimentos transgênicos, a vida foi em definitivo levada ao mercado.  
Esse processo emerge em meio a crise econômica mundial dos anos 70 e obriga os estados hegemônicos a elaborarem uma sofisticada legislação que preparasse com segurança o terreno para que empresas tradicionalmente ligadas a outros campos econômicos, como é o caso da Bunge,  mudassem seus planos de negócios e dominassem o desenvolvimento e do comércio em escala de produtos biotecnológicos "engenheirados", que distinguem-se pelo valor agregado de conhecimento e trabalho científicos altamente especializados.

sábado, 15 de junho de 2013

Vaidade Teu Nome Pode Ser Ciência

Um dos grandes momentos da ciência brasileira no século XX foi a definição da causa biológica da Febre das Tricheiras (Tifo Epidêmico), que dizimou milhares de soldados durante a Primeira Guerra Mundial.  A descoberta do agente etiológico - bactérias do gênero rikettsia -  pelo clínico e pesquisador Rocha Lima chegou a bem posicioná-lo na disputa pelo Prêmio Nobel de Medicina. Entretanto sua candidatura malogrou em alcançar a grande honraria, envolvido que foi na crescente e diversificada polarização entre França e Alemanha pela hegemonia científica mundial. 
Acontece que Rocha Lima era um declarado germanófilo, por formação vinculado a grupos de cientistas tedescos e, ao seguir tão inconsteste nessa direção ideológica, terminou traído pelo destino nos tumultuários anos 30, com a chegada ao poder na Alemanha do partido nacional-socialista alemão. Ao contrário de um Von Braum, que, terminada a II Guerra, virou a casaca nazista e entrou para a história da ciência como o "pai da era espacial" dos EUA, Rocha Lima desceu aos infernos num país subdesenvolvido que ansiava por se livrar do ranço da ditadura Vargas, em seguida ao final da Segunda Guerra Mundial com a derrota militar, econômica, política e moral da Alemanha. 
Nesse pós-guerra imediato de tantas incertezas, com a imagem consorciada a um Estado estrangeiro que desenvolvera programa tecnológico para a matança de povos não considerados gente por taxonomia pseudocientífica, e que, nessa infame missão de desumanização, também rasgara todos os códigos de ética, inclusive o da pesquisa científica, Rocha Lima viu-se progressivamente mergulhado no ostracismo por seus contemporâneos, assistindo sua obra ser praticamente obscurecida, não fosse algumas raras e temporalmente esparsas homenagens pela sua contribuição à ciência global. 
A medalha que recebera com tanto orgulho das mãos de Adolf Hitler - tratava-se da mais alta honraria da ciência alemã concedida a um estrangeiro, e por um regime político xenófobo quase ao modo de prêmio de consolação pela perda do Nobel - custar-lhe-ia bem caro para a biografia. Quem sabe nessa ocasião nem fosse simpatizante do nacional-socialismo, talvez fosse alguém que ao participar desse ato de extrema gravidade - Mein Kampf fora publicado e se tornara canônico na política alemã! -, ao modo tão imprevidente quanto o foram seus pares nas instituições de ensino e pesquisa germânicas, imolava-se numa fogueira atiçada pela vaidade científica ferida. 
Recentemente este capítulo da história da ciência brasileira foi objeto de tese de doutorado do historiador André Felipe Cândido da Silva, com o título Um Brasileiro no Reich de Guilherme II: Henrique da Rocha Lima, as relações Brasil-Alemanha e o Instituto Oswaldo Cruz, 1901-1910 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Frankie

Insight Inteligência é uma revista eletrônica editada pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. É fantástica. No atual número, além de uma entrevista excelente com o editor, em que analisa a política com largueza de horizonte, temos também um artigo sobre Frankstein.
Conta a lenda que Mary Shelley criou o famoso monstro durante uma espécie de gincana literária com os poetas Shelley e Byron, que estavam reunidos em uma vila retirada nos Alpes, nos arredores de Genebra. O desafio seria a criação da mais horrenda criatura nunca antes descrita. Mary Shelley estava com 19 anos de idade, quando criou Frankstein. O livro, publicado dois anos após esse encontro, tornou-se um sucesso editorial e a estória foi adaptada a outras artes que a autora não viveria para conhecer. 
A história desse Moderno Prometeus foi narrada a partir de 1915 em cerca de 50 filmes, incluído Gothic (1986), sob a direção de Ken Russell e alusivo ao momento da criação literária dessa criatura fantástica. Os estudos literários sobre a obra também não estão em menor escala de amplitude e diversidade. Entre as tantas, prefiro aqueles que consideram Frankstein uma alegoria do desenvolvimento científico na Primeira Revolução Industrial, sobre o qual o olhar crítico de Mary Shelley expressa extraordinária inquietação sobre os valores éticos da Humanidade, frente a tão poderosas forças tecnológicas que a ciência despertava para a mudança do mundo. A história não a desmentiu.

O acesso ao artigo sobre Frankstein na Insight Inteligência pode ser lido a partir daqui.  

terça-feira, 2 de abril de 2013

Macro-Economia É Crítica Na Prevenção de Doenças Não Transmissíveis?


Segundo Richard Smith, da London School of Hygiene and Tropical Medicine, a prevenção efetiva de doenças não transmissíveis exigirá modificação na forma como hoje vivemos, o que acarretará mudanças econômicas importantes. Ainda se desconhecem quais populações, setores econômicos ou países sofrerão impactos positivos ou negativos com essa medida. Avaliar esse cenário é importante para que as políticas tenham efeitos benéficos tanto para a saúde quanto para a economia.
Para leitura do artigo publicado na revista Science clique aqui.


domingo, 3 de fevereiro de 2013

O Papel da Tecnologia na Desigualdade, Segundo Paul Krugman

Paul Krugman em entrevista à Business Insider
Nessa entrevista Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, tangencia o papel da tecnologia em relação às desigualdades sociais. A perspectiva adotada pelo economista é histórica e parte da realidade de alguns avanços tecnológicos atuais, que prescindem de habilidades humanas para que funcionem, e como tal são portadores de risco para desenvolver desigualdades. Sem dúvida que a abordagem de Krugman tem pertinência, se analisarmos o impacto das duas Revoluções Industriais na relação capital x trabalho e suas repercussões sobre o bem estar da classe trabalhadora, conforme Marx as analisou. 
Ocorre que o papel das tecnologias na origem, produção e sustentação de desigualdades sociais não se esgota nesse cenário de países centrais industrializados. A globalização da economia é uma realidade muito mais complexa do aquela do século XIX, quando a Inglaterra ritmava a economia mundial e advertia que "where the ocean meets the sky", lá estaria comerciando. Hoje o domínio tecnológico tem impactos mais profundos e por ele não responde apenas a substituição de mão de obra nos países desenvolvidos pela vantagem competitiva de tecnologias inteligentes.  Tem outra ordem genética as desigualdades nos países pobres.
O problema mais grave vivido pelos países africanos, por exemplo, não está representado pelo advento breve de carros com direção remota ou por softwares multilíngues para tradução em tempo real e suas possíveis repercussões na curva de desemprego. Para esses povos a desigualdade tecnológica, por exemplo, pode ser exemplificada pela ausência ou insuficiência de acesso à informação e a tecnologias de saúde, sendo que, nesse último caso, ainda estão expostos à iniquidade do consumo de medicamentos falsos ou mal fabricados, que aumentam ainda mais os riscos de adoecimento e morte.  Está representado por exemplo pela escassez de rede física móvel ou fixa para atendimento de saúde.
Por outro lado, nesses mesmos países, as dificuldades no acesso à educação e a melhores tecnologias de ensino estão implicadas no melhor desenvolvimento da infraestrutura e na atração de investimentos externos que promovam geração de emprego e renda. 
Conforme ressaltam Frost e Reich em artigo publicado na revista Health Affairs:
Essas tecnologias incluem medicamentos que salvam vidas, como os anti-retrovirais para o HIV / SIDA, bem como outros que conferem qualidade de vida, tais como medicamentos que ajudam a tratar crises de asma. Acesso limitado é também um problema com muitos outros produtos de saúde, tais como vacinas que podem prevenir doenças debilitantes, testes diagnósticos para doenças infecciosas e crônicas, tecnologias preventivas como mosquiteiros tratados com insecticidas e vários tipos de contraceptivos. Em 1999, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que, desde meados dos anos 1980, cerca de 1,7 bilhão de pessoas, cerca de um terço da população do mundo em 1999 - não têm acesso regular a medicamentos essenciais e vacinas.
Sem o rompimento do ciclo de riqueza e miséria em ordem global, as desigualdades tecnológicas persistirão e farão novas vítimas, que contarão sempre maiores do lado dos países pobres e em desenvolvimento. Ao modo como foi advertido a algumas organizações não governamentais piedosas, não basta fazer doação de equipamentos aos países africanos, faz-se necessário educar aqueles que os farão funcionar, pois, em caso contrário,  centenas de equipamentos continuarão se deteriorando em algum lugar da África e os ricos a achar que alcançaram o reino dos céus.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Crise Internacional e o GAP 10/90


Nos anos noventa a Comissão de Pesquisa em Saúde para o Desenvolvimento estimou que somente 5% dos recursos mundiais para a pesquisa em saúde era aplicados na solução dos problemas de países de baixa e média renda, que, no mundo, são os locais em que ocorrem 93% das mortes evitáveis.  Essa evidência científica permitiu que o Global Forum, instituição relacionada com o Banco Mundial, elaborasse o conceito de Gap 10/90, que captura o desequilíbrio existente entre a magnitude do problema sanitário e os recursos que deveriam ser empregados para solucioná-lo.
Em termos gerais essa relação devirtuosa pode ser entendida por meio de duas leituras, que se complementam em espelho: 90% (10%) dos recursos mundiais de pesquisa são destinados ao financiamento de investigações voltadas para a solução de doenças que afligem apenas 10% (90%) da população mundial.
Desde então os governos dos países  vinham incluindo na agenda governamental  maior aplicação de recursos para financiamento de pesquisas  que permitissem no longo prazo reverter essa desigualdade brutal, certamente implicada na prevalência de males sanitários como a esquistossomose, a leishmaniose, a hanseníase, a doença do sono entre outras incluídas no grupo das chamadas doenças negligenciadas. Mas aí sobreveio a atual crise econômica internacional e a consequente contração orçamentária dos fundos para financiamento de pesquisas.
Em 2010, por exemplo, o financiamento para desenvolvimento de produtos relacionados a 31 doenças negligenciadas foi diminuído de 109 milhões dólares, caindo para US $ 3,1 bilhões de acordo com o Financiamento Global de Inovação para Doenças Negligenciadas, ou G-Finder. A queda foi consequência de cortes orçamentários havidos em agências governamentais e organizações filantrópicas. Esse movimento de contigenciamento dos recursos foi compensado, contudo, por um aumento de 28% no financiamento de pesquisas conduzidas por empresas farmacêuticas, desde que fossem aplicados em projetos sem fins lucrativos. Não se tem notícias sobre o quão efetiva foi essa medida no contexto global, em especial porque as empresas farmacêuticas possuem roadmaps e timings orientados por suas estatégias de mercado.

domingo, 27 de janeiro de 2013

O Dia do Holocausto com Tamara Kamenszain



No dia da Memória às Vítimas do Holocausto (Yom Hashoá), lembrei da poesia de Tamara Kamenszain. É poeta argentina de larga influência, traduzida em várias línguas, que descende de judeus russos e romenos. Já não lembro em que sebo paulista e quando adquiri "O Gueto", edição brasileira em pequeno formato para encarte. 
A autora não viveu os horrores dos pogroms e das guerras, senão pela memória oral que as histórias de família legaram. Entretanto, como guardiã dessas dores e pelo filtro de uma poesia densa, dura e sofisticada, Tamara alcança momentos de rara reflexão sobre um drama que não é apenas étnico na bacia dos preconceitos europeus, mas de alcance universal. 
O Holocausto da II Guerra Mundial não é uma ilusão ou fato corriqueiro na História, como querem alguns fazer crer ultimamente. Foi o momento em que o Homem conjugou as mais poderosas forças de seu intelecto - a ideologia, a técnica e a tecnologia - para destruir em escala industrial culturas e povos.
Sua existência nos desafia para a conclusão de que sua possibilidade só aconteceria no estágio de pleno desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo moderno, no cenário de permanente disputa entre estados nacionais com pretensão hegemônica mundial.  Seu legado moldou gerações e futuro.
Mas vamos ao poema de Tamara Kamenszain, onde fiz pequeno ajuste, por discordar da versão oferecida pelo livro.

GENTIOS

Deus escreve a diferença
no espelho da desordem genética
se me olho desconto meu duplo
se te vejo acrescento tua metade.
Diferença idêntica
faz rir de tanto nos parecermos
àrea à semita judia e ariano
loucos soltos fechados juntos
protegidos sob a intempérie à distância
como animais ante seu próprio enterro
disperso nas amplitudes do campo
Nesse lugar descampado
nesse perímetro que nos concentrava
eu sou aquela que morreu por ti
e por tua gentileza ainda sou
a que te deixou
                        morrer.
Deus nos arquivará distintos
em seu livro dos parentescos
no velho eu você no novo
dois testamentos na fossa comum
e depois
              que nos identifiquem.



sábado, 3 de novembro de 2012

Licença Aberta do Norvir Solicitada ao NIH

O Alquimista Sedziwoj (Óleo sobro tela. Jan Matejko, 1857). Museu de Lodz (Polônia).


Quatro organizações não governamentais norte-americanas solicitaram formalmente ao poderoso National Institute of Health (NIH), orgão responsável pelo financiamento de pesquisa em saúde nos EUA, que garantisse que o Norvir (Abott), um novo anti-retroviral para tratamento da AIDS, a condição de licença aberta. O objetivo seria de baixar o custo e ampliar o acesso do consumidor a esse tipo de medicamento, visto que o preço final de mercado estaria livre dos custos patentários habituais. 
A solicitação tem por fundamento as recomendações legais do Bayh-Dole Act, que teve por objetivos o estímulo à comercialização de inovações financiadas pelo governo e alavancar a indústria biotecnológica na década de 80. Em linhas gerais o Bayh-Dole Act dá ao NIH a prerrogativa de regular por tangência o mercado de medicamentos estratégicos, na sua condição de financiador do densenvolvimento de novas drogas e sempre que a indústria não alcançasse "a aplicação prática" da inovação tecnológica. Até hoje o NIH nunca utilizou essa prerrogativa que lhe foi concedida por lei federal, mesmo que provocado quatro vezes em 32 anos de vigência do Bayh-Dole Act.
Desde que o Norvir foi levado ao mercado pela Abbot o preço do medicamento aumentou em 400%. Há flagrante discordâncias de preços de mercado desse medicamento em diferentes países. Nos EUA, por exemplo, o consumidor paga cerca de 20 reais por comprido, enquanto o mesmo medicamento é vendido no Canadá e Nova Zelândia por 10% do valor da praça norte-americana, ou seja, dois reais. No Brasil, por sua vez, não é diferente a situação com respeito a preço de medicamentos inovadores. Em 2009 o então ministro da saúde, dr. José Gomes Temporão, iniciou um tour de force com a Merck, que terminou no licenciamento compulsório do medicamento anti-retroviral Efavirenz.  O licenciamento compulsório não representa quebra do direito patentário, mas a suspensão temporária dos direitos de exclusividade provocado por flagrante abuso  e para a proteção do interesse público.
O general Eisenhower, coordenador geral dos exércitos aliados na Europa durante II Guerra Mundial e depois candidato republicano eleito a 34o. presidente dos EUA, ao fim de seu segundo mandato presidencial fez em rede nacional de televisão o que até hoje representa uma das mais corajosas advertências, ao denunciar o crescente poder de influência do que ele chamou de complexo industrial-militar, que, não fosse suficientemente regulado, ameaçaria no futuro os princípios da democracia americana e poria em risco a paz mundial. Nem precisamos citar aqui os exemplos conexos à denúncia de Eisenhower, mas podemos observar que, na sociedade norte-americana e no mundo, não é menor o poder transnacional do complexo industrial farmacêutico, a chamada Big Pharma.
As relações entre Estado, governo e indústrias que produzem insumos e tecnologias estratégicas são por natureza complexas e se desenvolvem em meio a riscos onipresentes. No caso dos EUA, onde não existe um sistema público universal que efetive a integralidade do direito à saúde, o domínio do mercado provedor de serviços, de insumos e tecnologias de saúde é conduzido manu militare pela "mão invisível" de um poderoso setor privado que gera bilhões de dólares de lucro no mercado mundial de medicamentos. Torna-se assim quase inócua - e assim o demonstra sua história - a aplicação do Bayh-Dole Act no caso do Adenovir. De qualquer modo, para evitar mais ruídos e principalmente prejuízos, o NIH já anunciou que analisará a petição das ONG apenas depois de 17 de dezembro de 2012, quando o 57o. morador da Casa Branca já tiver sido escolhido pelo povo americano. Há que não perder a esperança.
Referências
1. NIH asked to grant open license on HIV drug (Nature News Blog)
2. O Discurso de despedida de Eisenhower (Sociologia Crítica)
3. Sobre o alquimista Michal Sedziwoj (Wikiverbete)

sábado, 22 de setembro de 2012

Um Cientista Inglês




Em Londres no início do ano, ao sair pela esquerda da Estação de Saint Pancras - aquela onde Harry Porter se perdeu - dei com um grande tapume de construção civil. O outdoor em frente dizia que se tratava da construção do Instituto Francis Crick, homenagem do governo britânico ao notável cientista que, em 1962, pela descoberta da estrutura em dupla hélice do DNA, dividiu o Nobel de Fisiologia e Medicina com James Watson. A nova instituição britânica de pesquisa substitui o antigo UK Centre for Medical Research and Innovation, estando prevista a conclusão integral das obras para 2015. Antes de chegar na parada do ônibus, impressionado com inesperada recepção visual, fiz estas fotos que compartilho aqui. 

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A página do The Francis Crick Institute pode ser acessada com um click.

terça-feira, 26 de junho de 2012

A Ciência em Si



Hoje completa anos um dos mais criativos compositores da música brasileira. A inquietude filosófica do soteropolitano Gilberto Gil levou-o, no nascedouro do século XXI, a gravar um de seus mais belos discos: Quanta. Nele estão registradas suas reflexões sobre ciência, tecnologia e inovação. Essa é a mensagem de Ciência em Si, cuja autoria divide com Arnaldo Antunes.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Conselho aos Jovens Cientistas



E. O. Wilson, um dos cientistas mais renomados do mundo,  é professor e curador honorário em entomologia na Universidade de Harvard. Em 1975, ele publicou Sociobiologia: Uma Nova Síntese, trabalho em que descreveu o comportamento social das formigas aos seres humanos.
Resultado de seu profundo conhecimento da terra das "pequenas criaturas" e da percepção de que  contribuição desses insetos para a ecologia do planeta é ainda subestimada, ele escreveu o que pode ser seu livro mais importante, A Diversidade da Vida. Neste trabalho é descrito como  sistemas naturais intrinsecamente interligados estão ameaçados pela invasão do homem, em uma crise que o autor chama de "sexta extinção" (a quinta dizimou os dinossauros). Com seu mais recente livro, A Criação, ele pretende colocar as diferenças entre ciência e .

     "Ele mais do que ninguém compreende a relação entre genes e cultura - e começou com suas formigas."

The Guardian


Para assistir a conferência com legendas em inglês, basta clicar aqui

sábado, 23 de junho de 2012

As Imagens da Ciência no Cinema

O tema ciência e cinema não é de grande frequência, mesmo em espaços acadêmicos. Outro dia, sapeando pelas cordilheiras da internet encontrei um artigo de José Ribeiro, da Faculdade Aberta do Porto (Portugal), de que transcrevo este instigante trecho:

As Imagens da Ciência

O filme científico para o grande público não pode apenas celebrar o mito, tem de "saber interrogar-se sobre os pressupostos ideológicos e filosóficos que servem de base à sua actividade ... e as relações implícitas que estabelece com o restante corpo social"(FAYARD); promover a integração da multiplicidade das ciências na explicação dos problemas; acentuar os valores éticos e humanos que controlem o curso e as consequências dos processos de antecipação e construção do futuro empreendidos pela ciência; apresentar os limites da ciências "o novo espírito científico consiste em fazer progredir a explicação, não em eliminar a incerteza e a contradição"(MORIN), exercendo um olhar crítico e epistemológico.
O filme científico de divulgação pode contribuir para o desenvolvimento de uma cultura científica e esta para a redução de conflitos de interesse que venham a manifestar- se entre o individual e o social, o individual e o político. Estes, podem diluir-se com o desenvolvimento de uma cultura científica, uma vez que a compreensão da ciência e da tecnologia é útil para todos os que vivem numa sociedade. Os indivíduos informados estão mais apetrechados para tomar decisões em matérias como o consumo, a segurança pessoal, a formação profissional, os cuida- dos de saúde, a influência de decisões, e para se tornarem cidadãos activos e eficazes. As instituições, os produtores, a sociedade be- neficiam desta actividade: uma economia de mercado tecnologicamente avançada requer consumidores com um mínimo de bagagem científica, assim como o direito de influenciar decisões, ou o exercício de uma profissão ou de uma competência técnica, social ou profissional.

O artigo está com acesso livre para a leitura

domingo, 17 de junho de 2012

Literatura, Saúde e Doença na Amazônia

Ora, entre as magias daqueles cenários vivos, 
há um ator agonizante, o homem. 
O livro é, todo ele, este contraste.
(Euclides da Cunha: Prefácio a Inferno Verde/ 
Cenas e Cenários do Amazonas 
[Alberto Rangel. Genova, 1908])

A literatura não científica representa uma fonte de informações sobre a situação de saúde em determinada época. Utilizar autores não necessariamente "científicos" constitui-se em excelente ferramenta didática. Questões de saúde e a doença estão presentes em autores célebres como Balzac, Shakespeare, Camões, entre outros. Na prosa da Amazônia, por exemplo, a leitura atenta dos autores revela alí e acolá as condições sanitárias da região, onde há clara prevalência das doenças infecciosas e da pobreza, e uma esmagadora desassistência motivada pelo vazio tecnológico, a insuficiência de recursos e a falta de uma política de saúde que fosse de inspiração cidadã, não indigente.
É o que reflete o romance O Rio Corre Para o Mar, do hoje quase esquecido - injustamente - Nelio Reis (Editora A Noite. Rio de Janeiro, 1941):
"Há quase um mês era assim, desde o dia da sua ida para os lados do Igapó das Velhas, lugar clélebre e temido. Impaludismo  chegou alí parou!, diziam todos, batendo na boca esconjurando e benzendo-se contra a sezão. Pois ela fora por lá, metera-se pelo mato de perto, porque ao menos alí tinha certeza de não encontrar alguém que se pusesse a olhá-la da cabeça aos pés, como o povo da terra dera para fazer cada vez que a via. Veio a febre depois; febrezinha de nada que passou logo. (...) No dia seguinte a febre voltou. Voltou no outro. Chica Feitiço veio e garantiu logo: maleita, sezão na certa!
- Quinino, nela, meu povo.
Mas seu Lauria da farmácia não quis vender o remédio por uma razão:
- Vocês estão doidos, então? Onde já se viu dar quinino para mulher prenha? Vocês querem matar a criança, ou o que querem?
- Mas a moça não pode ficar assim daquele jeito - objetou D. Estrela com aprovação de todos: 
- Lógico!
- Pode sim - garantiu seu Lauria. Quanto tempo falta pro troço do parto?
- Um mês.
(...)
Seu Lauria então cortou a coisa pela raiz:
- É isso mesmo. Não deem quinino para ela. Deixem vir o trololó primeiro, depois sim.
E não vendeu o remédio."
Encerro essa reflexão com a narrativa do recentemente falecido Armando Mendes, registrada com precisão, em palavras não desmedidas nem caudalosas, no memorialístico A Cidade Transitiva / Rascunho de recordância e recorte de saudade da Belém do meio do século (Imprensa Oficial do Estado. Belém, 1998):
"Anciãos Precoces
Também não é preciso recorrer a rigorosas pesquisas, baseadas em minuciosas séries históricas dos indicadores sociais, para perceber que a esperança de vida, em Belém, nos anos 40 e 50, eram sensivelmente inferior à atual. E assim no Brasil. Como lembra meu irão Oswaldo, os repórteres não se acanhavam em chamar de anciãos pessoas que tinham chegado aos 50 anos: "Ao atravessar a rua, o ancião Não Sei Quem, 52 anos incompletos, foi atropelado e morto..." 
E a mortalidade infantil, a morbidade e a mortalidade em geral eram bem superiores aos índices de hoje, por menos brilhantes que estes sejam. Casal de "remediados", isto é, de classe média, de nossas relações, para relatar só um ilustrativo caso real, havia perdido dois filhos recém-nascidos. Mas as fotos dos "anjinhos", em seus pequenos caixões brancos, eram candidamente expostas na sala de visitas, junto às dos irmãos que vingaram, aliás vivos e sãos até hoje - coisa que sempre me impressionou sobremodo, a ponto de não a ter esquecido jamais.
A hanseníase, alías, a "lepra", ainda era um terror bastante generalizado nos subúrbios e no interior. Mas não só entre pobres. Já falei no caso dos cantores líricos Ulisses e Helena Nobre. A lembrar também o poeta Antonio Tavernard. As doenças infantis, inclusive a poliomielite, grassavam e matavam. E a simples leitura do obituário que os jornais publicavam rotineiramente é suficiente para dizer, por exemplo, como eram numerosos os casos de falecimentos por meningite e tuberculose, sem falar no onipresente impaludismo, malária, maleita ou sezões. 
Os que sofriam do "peito"eram muitos. O clima era considerado hostil à saúde, especialmente aos brônquiso e pulmões. Faziam-se "pneumotórax" com notável frequência. Médicos importantes da época eram tisiologistas ou "pneumologistas", como Epílogo de Campos e Luiz Romano da Mota Araújo. Este último, inclusive, procurou desfazer o preconceito existente contra o clima da Cidade. 
A tese versa, precisamente, sobre O Clima de Belém e o Tratamento da Tuberculose Pulmonar. Para ele, contrariando idéias arraigadas, "A tuberculose é doença da hipoalimentação: as nossas classes pobres alimentam-se mal: a tuberculose campeia, e vai ceifando vidas a granel". Tese comentada pelo seu sobrinho, Roberto Santos, que chama a atenção para a hipótese de que, provavelmente, as famílias econômica e socialmente decadentes, por força da prolongada crise da borracha, estariam a esse tempo sentindo crescentemente o ataque do bacilo de Koch por semelhantes causas, ligadas a carências.
Os mais abonados, ignorando o argumento do Dr. Luiz Araújo, mandavam os seus familiares enfraquecidos para temporadas de repouso, cura ou recuperação, na Serra de Guaramiranga, no Ceará (Jacques Flores escreveu uma crônica relatando uma ida até lá), ou na de Garanhuns, em Pernambuco, ou ainda em Belo Horizonte, ou em Campos do Jordão, ou mesmo na Europa.
Em compensação, não se ouvia falar em cólera ou dengue, e muito menos AIDS, que viria a ser dianosticada muito tempo depois. Mas havia, sim, extensamente, "doenças de massa", em especial nos arredores da Cidade, à época menos extensa e não saneada."

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sábado, 19 de maio de 2012

Nanotecnologia Sem Tecno-Romantismos

Divisor
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Nada é estável no mundo: o alvoroço é a nossa única música.
poeta John Keats, em carta ao irmão (1818)

O termo nanomedicina gramaticalmente é uma composição por aglutinação. O signficado do termo não remete, entretanto, à definição de uma subespecialidade médica, mas sim à aplicação da nanotecnologia no desenvolvimento de soluções aplicáveis às questões da medicina. É, portanto, um campo do conhecimento de extensa transversalidade criadora, que progressivamente sai da zona cinzenta da fronteira tecnológica e se consolida como inovadora para o mercado, aos moldes shumpeterianos.
Neste primeiro semestre de 2012, foi publicado no Journal of Drug Delivery - uma publicação científica de acesso aberto - o interessante artigo Nanotechnology and Medicine: From Inception to Market Domination, assinado por um grupo de pesquisadores dos EUA e Itália. Trata-se de um artigo fundamental, ao modo de roadmapping, que consolida questões importantes relacionadas a pesquisa, ao desenvolvimento e a inovação nanotecnológica e o mercado de produtos de saúde. 
Nesse sentido, os autores se propõem a descrever decisões financeiras e estratégicas de nanomedicina em fase de arranque para chegar ao mercado com sucesso, de modo a construir e manter uma vantagem competitiva defensável frente a outras tecnologias. Esse processo envolve a avaliação detalhada dos potenciais econômicos dos produtos finais, em que se incluem pesquisas para identificar segmentos de mercado, tamanho, estrutura e concorrentes, assim como a definição do momento de entrada possível no mercado e a fração de comércio que as empresas podem realisticamente alcançar em diferentes horizontes temporais. 



O fato concreto é que a nanotecnologia está na agenda de interesses estratégicos dos governos nacionais e recursos de investimentos, não raro binacionais, têm sido regularmente publicizados na imprensa leiga, tanto no que respeita ao aporte financeiro à linhas de pesquisa e desenvolvimento, ou a estruturação de centros de pesquisa nanotecnológica. Calcula-se que o investimento global em nanotecnologia, incluindo os setores público e privado, supere a cifra espetacular de 13 - 14 bilhões de dólares ano. EUA, União Européia, Alemanha, Japão, Coréia do Sul e a República Popular da China são os que mais expandem seus financiamentos para levar produtos nanotecnológicos ao mercado. 

 Number of nanotechnology patents published by the US Patent and Trademark Office (USPTO), European Patent Office (EPO) and Japan Patent Office (JPO) according to publication date


No caso do Japão, país onde empreendedorismo, inovação e crédito representam um princípio de estado, há nítidos movimentos no sentido de constituir uma rede internacional de pesquisa e desenvolvimento em nanotecnologia com pontos de apoio no Oriente Médio. Por sua vez, governo chinês tem demonstrado grande interesse em Nanotecnologia pelo potencial transformador da indústria das áreas médica, farmacêutica e de meio ambienteSó em termos de recursos para pesquisa e desenvolvimento de nanoalimentos, calcula-se que os chineses deverão ter investido até 2010 cerca de 20,4 bilhões dólares/ano, numa taxa avassaladora de crescimento que vai a cerca de mais de 30% ano.
E o Brasil onde fica nesse agito todo? 
O reconhecimento da nanotecnologia como área estratégica do conhecimento e portadora de futuro, no horizonte econômico de médio e longo prazo, existe desde o governo Lula, e tem sido mantido na agenda governamental da presidente Dilma Roussef. Decorridos quase uma década foram organizados dez Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) com foco em Nanotecnologia. Entretanto, o calcanhar de Aquiles da iniciativa governamental resulta de pelo menos dois tendões enfraquecidos, que também funcionam em outras áreas como freio à aceleração do investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação: o desânimo do empresariado brasileiro para o empreendedorismo científico e a baixa produção de patentes, ambos tendências históricas de retração para o Brasil tornar-se jogador global em dois  cenários de permanente instabilidade criadora: a ciência e o mercado.
No governo Lula, o Brasil buscou soluções econômicas com matizes neokeynesianos, tirando do estado de pobreza, por meio de programas de transferência de renda e a criação de 18 milhões de novos postos de trabalho, um contigente de brasileiros equivalente a população da Argentina. É tempo do governo Dilma agregar ao programa de desenvolvimento do país estratégias shumpeterianas que impulsionem ao mercado a ciência e a tecnologia que vêm se acumulando na academia, ainda que a conjugação de Keynes e Shumpeter, no atual cenário internacional da economia, seja um desafio para poucos.

sábado, 5 de maio de 2012

O que Vemos Independe do que Acreditamos?

No que respeita a relação entre observador e objeto, aprendi outro dia uma pergunta que nos questiona se o que vemos independe do que acreditamos. O questionamento porta uma inquietação fascinante, pois dimensiona que o registro fotográfico não deriva da situação topográfica do observador, ou do ângulo em que enquadrou o objeto para registro. Está para além disso, porque situa o ato fotografíco no contexto de um duplo ato político e ideológico: no registro de quem o faz  e na reação de quem o olha. Em literatura, tem correspondência com a metáfora de Júlio Cortázar, quando certa vez disse que ler é sobretudo por o dedo no gatilho. No dizer de Cortázar ler é tomar posição para a ação, que principia na relação estabelecida entre o autor e o leitor. 
A fotografia em definitivo incorporou-se ao cotidiano na medida em que foi absorvida como inovação incremental dos aparelhos para telefonia móvel. Aparelhos celulares e uma variedade de substratos físicos e voláteis, como as páginas eletrônicas na rede mundial de computadores, usadas para registro das imagens registradas estão disponíveis para os usuários. Nesse contexto, nunca o instantâneo (still) foi tão soberano quanto nesses quase dois séculos de uma tecnologia a serviço de uma arte que, por natureza e finalidade, responde à inquietude e à velocidade da modernidade e do capitalismo.  Bem exemplifica esses dois imperativos históricos à fotografia, o campo de teste que representou a Guerra do Afeganistão para a Canon 5D MII e a ligeira G10 da mesma marca, apesar do equipamento fotográfico com melhor desempenho de resistência tenha sido a do iPhone, por ser selado e resistir ao empoeiramento próprio da região.
Em sendo o fotográfico ideológico para quem o registra e para quem o observa, a memória representa seu espaço de resistência e de translação entre gerações. Cada indivíduo em potencial representa um potencial de transporte da imagem, ao modo como Ray Bradbury  descreveu com relação aos livros numa sociedade totalitária, no clássico da ficção científica Fahrenheit 451. Indaguei-me então quais seriam as imagens fotográficas representativas de testemunho de violência, observadas entre a minha infância tardia e a idade adulta, mas sempre contemporâneas, que eu seria capaz de extrair de memória de imediato, sem reflexão, ao modo parecido com aquele teste associativo de palavras.  Como expressão do poder da fotografia e confirmante da relação ideológica perene entre fotógrafo e observador, foram essas as que emergiram da memória:

Guerra do Vietnã, conforme a vi nas páginas da revista Cruzeiro, ainda menino



A destruição à bomba dos Budas Bamiyan (Afeganistão) pela milícia Talebã. O conjunto dessas estátuas foi considerado Patrimônio da Humanidade. O ato destrutivo desses milicianos revela a insubsistência secular da palavra frente a intolerância e a violência do sectarismo religioso.


O Pará como expressão nacional violências no campo: Serra Pelada e o Massacre de 21 trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás seguem gritanto por justiça social, no registro de Sebastião Salgado.


 



sábado, 14 de abril de 2012

O Mundo Como Objeto e Representação

Fontaine des Quatre-Parties-du-Monde

The Fountain of The Observatory

 Fonte dos Quatros Continentes, por Itajaí de Albuquerque 

Adventures and Empire

Placa Comemorativa das Aventuras de Citroën. Musée des LÁrmée (Invalides), Paris.

Durante o século XIX nosso planeta ainda foi um grande desafio para o conhecimento, em especial com respeito ao interior dos continentes. A França, nessa época, desempenhou um papel de grande importância na exploração de regiões desconhecidas e quase sempre inóspitas. Foi o tempo das grandes explorações,  cabeças de ponte para o domínio global dos mercados na lógica colonialista dos Grandes Impérios, conforme descreveu Hobsbawn.
Destacam-se entre esses exploradores na Amazônia brasileira, o casal Henry (1859-1899) e Octavie Coudreau (1870-1910) - que realizaram viagens exploratórias comissionados pelo governo paraense na transição para o século XX. Henry Coudreau inclusive perdeu a vida na região, quando foi vitimado pela malária e veio a ser enterrado nas margens do Rio Trombetas, em local identificado no relatório que madame Coudreau assinou para o governo paraense.
A obra publicada desse casal de exploradores franceses da belle époque é vasta, apaixonante e cientificamente sólida, a ponto de até hoje constituir-se em referência para o estudo da região.Quem sabe os cineastas brasileiros, depois que retomaram as sagas biográficas com o filme Xingú, se interessem por filmar a epopéia dos Coudreau na Amazônia.
Ao visitar os Jardin de Louxemburg, em Paris, não pude deixar de conhecer mais adiante a homenagem dessa cidade aos aventureiros dedicados a explorar os diferentes cantos do nosso planeta, quando sequer tínhamos computador, satélites e celulares, mas tão só informações verbais conflitantes, documentos cartográficos nem sempre precisos, o amparo magnético das bússolas e muita, muita coragem temperada pelo romantismo e a visão de vida típicos da Belle Époque.
No Jardin dos Grandes Exploradores está localizada a Fonte do Observatório ou dos Quatro Continentes-, que eu considero entre as mais belas da Cidade Luz. Nessa fonte magnífica, o globo terrestre é sustentado por quatro mulheres que representam a Europa, a América, a África e a Ásia. A Oceania foi então excluída por razões unicamente estéticas. Na foto de que essa postagem é mera moldura, vemos apenas a representação da Ásia na composição. O projeto dessa obra de arte  foi concebido e desenvolvido a seis mãos, por Gabriel Davioud (conjunto), Emanuel Fremiet (os cavalos) e Jean Baptiste Carpeaux (as quatro mulheres) em 1879.
Ficamos um tempinho sentados e observando a Fonte dos Quatro Continentes, naquele fim de tarde em que o inverno parisiense anunciava sua despedida. Não pude na ocasião deixar de lembrar dos monumentos que restaram da economia da borracha em Belém, quando a municipalidade da capital paraense optara por um projeto urbano nitidamente de influência européia e à maneira de Haussmann, o projetista da Paris como hoje a conhecemos.

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1. Alguns títulos da obra de Henry Anatole Coudreau podem ser baixados dali, na Biblioteca Virtual que tem por patrono o lendário Curt Nimuendajú. Falar um pouco desse outro intérprete da Amazônia é, contudo,  conversa pr'adiante.
2. O Título da postagem remete à obra O Mundo Como Vontade e Representação, do filósofo Shopenhauer (1788-1860), que no seu início tem a famosa definição: O mundo é a minha representação. Até que ponto essa obra influenciou a geografia política do mundo, no século XIX?


quinta-feira, 12 de abril de 2012

(Des) Semelhanças na Produção Científica dos BRICS

O padrão de publicação científica nas quatro economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China está se tornando cada vez mais próximo ao de países desenvolvidos do G7. Para chegar a essa conclusão, pesquisadores de cientometria selecionaram artigos publicados em uma ampla gama de disciplinas, nos anos de 1991, 2000 e 2009, e descobriram que a produção científica dos BRICs mudou gradualmente, para mais se assemelham aos países do G7.
Dos quatro países incluídos no grupo BRICS, foi observado que a China, em particular, havia diversificado sua produção científica, de maneira a obter um maior equilíbrio que se ajustasse ao rápido crescimento econômico que o país experimentava naqueles anos. Seus avanços em Matemática, Física e Engenharia permitem fazer associações com a política de desenvolvimento desse país.
O estudo também demonstrou que
após a Segunda Guerra Mundial, a China, Rússia e países do Leste Europeu deram atenção sustentada para a pesquisa básica, inclusive na ciência nuclear. Uma exceção a essa tendência é o Brasil. Enquanto os Estados Unidos e a Grã-Bretanha continuam líderes nas ciências da vida, o Brasil aumentou seus trabalhos publicados nessa área do conhecimento em 50 a 70 por cento.
Segundo Yang, um dos autores do estudo publicado na revista Scientometrics (14/03), "O Brasil tem sido tradicionalmente forte em biotecnologia e o governo do país tem estimulado o seu desenvolvimento". "Além disso, o Brasil é mais aberto para cooperar com o Ocidente e aprender com suas experiências, o que é diferente da ênfase chinesa em 'inovação auto-dependente".
Não há contudo consenso quanto a robustez dessas considerações. Para o pesquisador belga Ronald Rosseau, estudos sobre o comportamento dos BRICS na produção científica deveriam considerar não apenas a produção nacional de artigos científicos publicados, e sim associar a essa variável outras referentes à qualidade ou à eficácia dessas investigações, descrevendo qual seria o correspondente impacto social do que foi publicado.
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Adaptação do texto publicado no SciDev - Net. Em inglês e completo acesse-o aqui

Robôs na Medicina: O Quanto É Próxima a Fronteira?


Enquanto isso na sala de cirurgia:
- Como vocês podem ver, eu operei com instrumentos que atravessaram os tecidos por via da 4a. dimensão! Observem como esta cápsula curativa, em contato com o fórceps, também ajusta sua forma a quarta dimensionalidade...
(Adventure Comics, n. 303/1960)

Uma das fronteiras descritas pela ficção científica, na literatura e no cinema, são os robôs. É um mito que remete tanto a superação da queda no Gênesis, quanto ao esforço humano em superar-se rumo à imortalidade.
Em que pese estejamos distantes do pesadelo científico, narrado em Blade Runner (Caçador de Andróides), o uso dessas tecnologias em Medicina tem alcançado significativos avanços, especialmente em cirurgia.
Cabe porém salientar que o futuro da medicina robótica ( mais um campo de especialidade médica!) tem ainda um longo caminho à frente, que será pavimentado com base na aceitabilidade dos custos, na eficiência do treinamento de pessoal a ser especializado e na comprovação de que os resultados obtidos com o seu uso sejam, em termos de segurança e eficácia, superiores aos métodos convencionais. 
Na linha desse debate, e como introdutório a um tema que de rotina é explorado apenas como curiosidadade nas páginas de divulgação científica, recomendo o artigo de revisão Robotic Surgery (Cirurgia Robótica), publicado no BJOG An International Journal of Obstetric and Ginecology.

domingo, 8 de abril de 2012

Reflexões sobre Ciência: As Breves Notas de Gonçalo M. Tavares

Eiffel Tower
Detalhe da Torre Eiffel

Vive a literatura de Angola uma espécie de ressurgimento entre nós, por muito que tem se falado dela na crítica especializada, nas editoras e em algumas universidades brasileiras que a tem como linha de pesquisa. Todavia conheci-a ainda adolescente, nos anos 70, por meio dos poemas de Agostinho Neto, ao tempo em que nessa ex-colônia portuguesa se travavam as guerras sangrentas de independência. Hoje, autores como Ondjaki, Pepetela e  Agualusa são encontrados com facilidade, nas estantes das livrarias brasileiras.
Gonçalo M. Tavares nasceu nos anos 70 em Luanda (Angola) e publicou seu primeiro livro em 2001, a que deu o título de Livro da Dança. Detentor dos mais importantes prêmios literários em língua portuguesa, tendo sido distinguido com o Portugal Telecom 2007, o Prêmio José Saramago 2005 e o Prêmio Ler/Millenium BCP 2004, é autor de mais de 30 obras de variada forma - romance, teatro, poesia, etc -, cujas qualidades levaram a influenciar projetos em campos alheios à literatura, em arquitetura e vídeo por exemplo.
Os poemas aqui transcritos são do livro Breves Notas, publicação da Editora da Universidade Federal de Santa Catarina e Editora Casa. A obra foi editada em três volumes (Breves Notas sobre Ciência, Breves Notas sobre o Medo e Breves Notas sobre as Ligações), a partir da reunião dos textos com base na individualização da temática abordada.  
As notas representam reflexões filosóficas do autor sobre a ciência e o medo, embora as Breves Notas sobre as Ligações se refiram a duas escritoras portuguesas e a outra de nacionalidade espanhola, cujas leituras exigem de nós uma resposta, um movimento paralelo, uma deslocação, conforme se lê na primeva advertência que antecede ao texto propriamente dito.
A seguir transcrevo algumas daquelas anotações que fazem referência à ciência, escritas sob a inspiração das palavras de Nietzsche; no preâmbulo a nos dizer: "Com vista à construção dos conceitos, trabalha-se originariamente, como vimos, a linguagem, e mais tarde a ciência".
 
O perigo

Claro que o perigo é a origem dos métodos científicos mais eficazes.
Se o Homem fosse imortal ainda não teria invetado a roda [poderias dizer].

A abstração

A abstracção é útil na ciência se deixares, como no conto infantil, migalhas de pão para identificar o caminho de volta. Porém, por vezes, és tu mesmo que distraído, ou por apetite, devoras a própria possibilidade de regresso. E além, perdido, ficas: nas idéias esplêndidas.
[Quanto mais caminhas mais apetite tens, e o teu percurso é em círculos. Se com fome vês a tua frente uma migalha de pão, que fazes?
Eis o cientista perdido na floresta.]

Ferramentas e aprendizagem

- Com estas ferramentas que problemas posso resolver?
[Esta é a pergunta tonta.]
-  Com estes problemas que ferramentas preciso?
[Esta pergunta é melhor]
- Com estes problemas que ferramentas tenho de aprender a utilizar?
[Esta pergunta ainda é melhor: pressupõe vontade e um plano de ação.

O esforço e o voo

A ciência parte sempre do princípio de que tem o mapa certo. E, assim, acredita que é só procurar.
Julga que lhe basta o esforço, o suor.
[E, afinal, muitas vezes não deve escavar, mas voar - algo que lhe é fisicamente impossível.]

Uma incompetência

Aprende pois a utilizar metáforas, caro cientista. Não sejas incompetente.

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A trilogia de Breves Notas pode ser adquirida por solicitação na página eletrônica da Editora UFSC

sábado, 7 de abril de 2012

Envelhecer É Preciso, Adoecer Não É Preciso

Hoje, 7 de abril, é o Dia Mundial da Saúde. A data coincide com o estabelecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), dois anos seguidos ao término da II Guerra Mundial. 
Neste ano a mobilização no Dia Mundial da Saúde, com o lema A Boa Saúde Faz Ganhar Anos de Vida, será conduzida para sensibilizar os governos para a construção de políticas públicas que garantam o  envelhecimento saudável de suas populações. 
O Brasil, que já iniciou sua transição demográfica em direção ao envelhecimento da população, e a qual soma-se a queda de fecundidade, tem dado atenção ao assunto. Conforme destacou Helvécio Magalhães Júnior, titular da Secretaria de Atenção à Saúde (Ministério da Saúde), a população brasileira está vivendo mais, porém é preciso viver melhor.

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Acesse os links relacionados com os temas  Dia Mundial da Saúde e Envelhecimento (1, 2) e O Brasil e a Transição Demográfica (3).