sábado, 28 de fevereiro de 2009

Amazônia: Há Muito Para se Lamentar

"Além dessas formas naturais que reveste a fitologia amazônica, é necessário mencionar ainda as formas artificiais, resultantes da influência do homem. Embora relativamente insignificantes as zonas modificadas, em comparação com a área total, não são, entretanto, para desprezar, e mesmo muito para lamentar, pela maneira desconscienciosa com que se manifesta, contribuindo, pela exploração exaustiva e desordenada, para o desaparecimento de espécies preciosas. É nas matas que esta influência se faz, quase exclusivamente, sentir, pois que nos campos se manifesta apenas pela introdução de espécies exóticas. Tanto a mata de várzea como a de terra firme são igualmente atingidas. Quanto àquela, é de fácil verificação nas terras marginais do baixo Amazonas; quanto a estas, um pouco em toda parte onde se praticam derrubadas para fins agrícolas ou de indústria extrativa (roças, campos artificiais, extração de madeiras, lenha, fabrico de carvão vegetal, etc.).
Abandonada por qualquer motivo o local da derrubada, forma-se imediatamente a capoeira, com sua vegetação especial, heliófila, e que lentamente pode regenerar a mata. Quando, consequente à derrubada, foi procedida a queima, principalmente se esta é repetida, dá-se a extinção da mata, e o local é invadido por espécies estranhas, formando novas associações, e então é quase impossível a regeneração. Verifica-se o reaparecimento de formas que o amadurecimento do solo havia afastado, e que encontram novamente ambiente favorável pela intervenção do homem. A distribuição faunística, naturalmente, ressente-se com estas modificações do meio. Várias espécies migram, tangidas pela desambientação; outras as substituem pela superveniência de condições favoráveis ao seu desenvolvimento, mas, em geral o balanço é contrário à riqueza, que a própria proximidade do homem compromete."
Estes dois parágrafos integram a obra Mamíferos da Amazônia*, escrita pelo dublê de desembargador e desenhista científico Eládio Cruz Lima, infelizmente falecido de modo abrupto aos 43 anos, sem conseguir completá-la. Da leitura podemos concluir que já havia um discurso científico que chamava a atenção para a grave questão do desenvolvimento amazônico, prolongada até hoje, ainda que gravíssima após decorridos 65 anos da publicação da obra. Como é corrente o governo federal e os governos estaduais da Amazônia Legal não deram uma resposta satisfatória para o desafio de desenvolver a maior região brasileira em extensão territorial e riquezas naturais, sem incorrer nos riscos tão bem descritos por Eládio Cruz Lima.

* volume 1, Introdução Geral e Primatas/ com quarenta e duas pranchas coloridas feitas pelo autor. Belém do Pará-Rio de Janeiro: 1944

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Quando o Carnaval Chegar

Eu próprio, ainda que sem qualquer inspiração ou jeito para folião, estarei fora da blogosfera. Mas existe afinidade entre a ciência e o carnaval? Aqui e aqui podemos ler essa resposta.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O Discurso Sanitário Pré-68



Na década de 60, a Editora Civilização Brasileira, sob a direção de Álvaro Vieira Pinto e de Ênio da Silveira, editou a coleção Cadernos do Povo Brasileiro. Este que aqui resgatamos para os leitores do Vôo de Galinha - De que morre o nosso povo? - foi escrito por Aguinaldo N. Marques, tendo como autor da capa o genial artista gráfico Eugênio Hirsch. A tiragem ia a mancheia em centenas de milhares como revela a contracapa desse décimo sexto volume da coleção.
Transcreve-se aqui a exemplo de conteúdo suas primeiras páginas, que a despeito do golpe militar de 64 até hoje é válido, especialmente quando hoje a Organização Mundial da Saúde discute os determinantes sociais da saúde como fator crucial para a compreensão da equidade e das iniquidades em saúde:
É comum ouvirmos declarações como estas; "vamos acabar com as verminoses'; "vamos acabar com a fome"; "vamos acabar com a paralisia infantil", como se esses estados mórbidos existissem sozinhos, sem relação com o resto dos problemas humanos da mais variada natureza, sobretudo econômicos e sociais, ou como se fosse possível, resolvendo aqueles, resolver todos os demais.
Quando, por exemplo, se promove uma festa de caridade para ajudar um orfanato, um hospital, uma maternidade, vários erros estão sendo cometidos: 1o.) não é com medidas simplórias - e este é o principal engano - e isoladas que problemas de tamanha gravidade vão ser resolvidos; 2o.) entorpecimento dos interessados, dando-lhes a impressão de que por estes meios os seus problemas serão resolvidos; 3o.) não há a menor intenção, de parte dos promotores e participantes de tais ofertas, em resolver aqueles problemas; 4o.) faz-se larga exibição de intenções hipócritas, facilmente identificáveis; 5o.) humilha-se os pobres , mediante o expediente de lhes dar como esmola aquilo que, afinal de contas, é de seu direito.
Quanto ao autor, médico e professor universitário, manteve a militância política e a produção literária, ainda que infelizmente não se tenha dele qualquer notícia mais atual. Além dessa plaquete, Aguinaldo N. Marques foi autor de outras obras conforme resgatam as listagens dos sebos: Fundamentos do Nacionalismo (1960), Infancia no Brasil em Transformação (1973), Pediatria Social (1986), Origens e Trajetórias do Socialismo (1995).

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Eppur si Muove: Pela Alma de Galileo Galilei, Oremos

Depois de 400 anos de exílio determinado pela inquisição da Igreja Católica Apostólica Romana, foi oficiada hoje no Vaticano missa pela alma de Galileu Galilei. O ofício da eucaristia ficou sob a responsabilidade do arcebispo Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura e para o ato misericordioso foram convidados inúmeros cientistas de renome mundial. A missa celebrada soma-se ao conjunto de cerimônias do Ano da Astronomia, comemorado em 2009.
Segundo o arcebispo Ravasi existe maturidade na Igreja de São Pedro para reavaliar o papel e a obra do célebre astrônomo italiano:
Galileu foi o primeiro homem que olhou com um telescópio para o céu. Abriu para a humanidade um mundo até então pouco conhecido, ampliando os confins de nosso conhecimento e obrigando a reler o livro da natureza com outros olhos. A Igreja deseja honrar a figura de Galileu, genial e filho da Igreja.
Galileu Galilei junto com Giordano Bruno foi levado até a Santa Inquisição para abjurar do pecado de difundir idéias contrárias aos princípios canônicos vigentes. Giordano recusou-se a baixar a cabeça para os verdugos do conhecimento científico e foi condenado a morte, queimado vivo. Galileu concordou e sobreviveu, não sem antes, segundo contam, repetir para si sua convicção de que a Terra gira em torno do Sol: Eppur si muove. Condenado a prisão perpétua domiciliar morreu de causas naturais, cercado da família e dos discípulos que manteve. Contudo, até o papado de João Paulo II foi considerado um herege e, principalmente, uma figura histórica incômoda exatamente por tensionar a relação entre ciência e religião, a vista de que sua teoria na medida em que as forças materiais da humanidade foram se desenvolvendo só fez século após século ser confirmada.
Nesse processo de revisão do processo de Galileu Galilei teve destaque um dos maiores cientistas brasileiros da época, o biofísico Carlos Chagas Filho, que presidia a Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano. Foi ele o responsável por liderar durante 18 anos o chamado antiprocesso que permitiu a João Paulo II, na cerimônia de reabilitação de Galileu Galilei, afirmar com aquela ética que sempre o caracterizou: O caso Galileu era o símbolo da pretendida recusa pela Igreja do progresso científico, ou bem o símbolo do obscurantismo "dogmático", oposto à livre pesquisa da verdade.