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sábado, 7 de janeiro de 2012

A Elegância da Medicina

























Fronstipício de De Humanis Corporis Fabrica (1543).
Colorido posteriormente.


A Escola de Medicina da Universidade de Nova Iorque faz questão de estabelecer a primazia do ensino da clínica à beira do leito do paciente em sua página eletrônica. Entretanto, a escola conjuga tradição osleriana com alta tecnologia didática.
Na NYU os alunos de anatomia tem por suporte ao estudo teórico não o tradicional livro de Garder & Gray ou do Sobotta, por exemplo, mas sim um atlas anatômico digital... que utiliza tecnologia 3-D.
Nessas horas, quando tenho a informação de tais progressos, recordo da emoção que tive em Bethesda ao manusear na National Library of Medicine a primeira edição De Humanis Corporis Fabrica, obra seminal escrita por Vesalius* em 1543.

* Na gravura acima, Vesalius é o homem de barba escura que toca a perna direita do cadáver. Para ampliar clique duas vezes sobre a imagem.

domingo, 18 de dezembro de 2011

E Aquilo Deu Nisso?

A Penguin Books, editora de âmbito internacional, está presente no Brasil pelo menos há um ano, com a confirmação de que vende livros a preço justo em consórcio com a brasileira Companhia das Letras. Ao catálogo internacional, que guarda títulos importantes para o conhecimento, a parceria tem agregado obras para o Brasil, dos quais são exemplo, entre outros, o Essencial de Joaquim Nabuco, o Essencial de Padre Antônio Vieira (com inédito A Chave dos Profetas) e os Apontamentos de Viagem (J.A. Leite Moraes).
Dos bate-pernas dos chamados viajantes na Amazônia, Leite Moraes talvez seja um dos menos conhecidos, ainda que a paixão dos bibliófilos pague pequena fortuna para ter a primeira edição do livro, publlicado salvo engano pela Câmara Municipal de São Paulo, em edição de magra tiragem. Logo, reedições como essas da Penguim e, seja dito, antes a da Companhia das Letras são importantes para a perenidade do instantâneo que Leite Moraes deu ao público de sua época e às gerações do futuro (em última forma, publicações almejam sempre a eternidade).
Haroldo Maranhão, patrono desse blog, não selecionou Mello Moraes para compor sua revisão literária, a que deu o título de Pará, Capital: Belém/ Memórias & Pessoas & Coisas & Loisas da Cidade (Prefeitura de Belém, 2000). Não importa, pois esses Apontamentos de Viagem, escrito pelo avô do maior intelectual brasileiro já havido - Mário de Andrade -, é obra de importância para o estudo da civilização na Amazônia entre o fim do século XIX e o início do XX, ainda que não acresça de maior originalidade aos registros realizados por outros que, advindos aos trópicos com o espírito de capitalistas da Segunda Revolução Industrial, interpretavam com bom ânimo o pensamento e o empreendedorismo, enquanto silenciavam sobre a violência escancarada e as omissões das elites na fronteira amazônica do capitalismo.
Não é segredo que permanecemos fronteira de riqueza, cobiças e vícios do capital. E essas reflexões à maneira da que nos foi legada por Mello Moraes, de que "em Belém tudo é grande e tudo indica o desenvolvimento daquele povo", ao tempo em que o Pará e Belém representavam faces do mesmo ente, mas não escapes do inevitável espelhamento entre o discurso Belle Époque de Paris n'América e o que de fato foi construído nas sequências entrantes do futuro, hoje misère obligé (criação do poeta José Paulo Paes) constituem para nós, paraenses, um doloroso legado que, confrontado com a degradação experimentada ao longo de um século, representa a apavorante constatação de que a ópera dessas elites se reduz a um drama desvirtuoso, que ofende por onde se escute ou leia aos mais comezinhos princípios do direito e da moralidade pública.
Para remédio que supere essa farsa /farra grotesca, só nos resta chamar a quem nos bastidores sempre esteve; a quem tudo assistiu bestializado e violentado no mato, na senzala e nas atualizados reservas de miséria da capital e do interland paraense: O povo, ou os bárbaros como preferem alguns, pois só ele permitirá reverter essa empreitada de bucaneiros. Como disse a clarividência poética do grego Kaváfis - Sem bárbaros o que será de nós? / Ah! eles eram uma solução.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Erotismo Científico do Doutor Goeldi

O naturalista suíço Emilio Goeldi prestou relevantes contribuições ao desenvolvimento científico brasileiro e, especialmente, em Belém, no hoje denominado Museu Emílio Goeldi - orgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Além da notável produção científica, Goeldi contribuiu também de forma decisiva com o Barão do Rio Branco para a coleta de evidências que permitisse a solução do contencioso diplomático do Brasil com a França, arbitrado pela Suíça, que em 1900 nos deu soberania sobre 260.000 km2, no que hoje é o Amapá.
Em termos de produção bibliográfica, a obra do cientista é extensa e diversificada em temas. Nesses tempos em que a Dengue agudiza as preocupações sanitárias, aqui aproveito para comentar de forma breve Os Mosquitos do Pará. Nessa obra, Goeldi usa de um estilo leve, quase coloquial, que hoje faria acadêmicos torcerem o nariz. Embora use o termo mosquito no título da obra, em várias passagens o cientista emprega, por exemplo, a palavra carapanã de origem indígena, ao gosto popular para descrever mosquitos na Região Norte.
Todavia, uma inusual narrativa do acasalamento dos carapanãs do gênero Culex, pela originalidade narrativa do pesquisador, aumentou-me a delícia de ler esse clássico da Entomologia:

Uma infernal música de inúmeros carapanãs fere o nosso ouvido, ao mesmo tempo que um ou outro a todo momento vem esbarrar contra o nosso rosto, com revoltante cinismo e palpável provocação. Fazendo luz percebemos ao redor de um foco luminoso, dançar e fazer frenéticas cabriolas a ímpia multidão: são duas nuvens, cada qual composta de indivíduos de um sexo somente, que esvoaçando e descrevendo caprichosas evoluções, executam, mediante o som produzido pelas vibrações das asas e halteras, uma orquestra ou choro recitativo, regida pela batuta de Eros.

(...) Cantam porque assim se fazem sentir e reconhecer a alguma distância os dois sexos. Nada mais destituído de cerimonias do que a reunião sexual: uma fêmea qualquer desliga-se subitamente das suas companheiras e aproxima-se da nuvem de machos em dança. Imediatamente é segurada por um macho e, ligados, o par afasta-se da indiscreta multidão para um canto. Não é raro esquecer-se este da mais elementar prudência: tontos esbarram contra tudo e são capazes de rolar pelo chão.

Também observei casos, onde uma fêmear caia segurada por dois machos ao mesmo tempo, dando-se o espetáculo de um formidável rolo, - indício do frenesi sexual que reina em tais bacanais. (...) Parece que a cópula sexual tem o efeito de acordar e estimular o instinto sanguinário das fêmeas.

A leitura de Os Mosquitos do Pará oferece ao leitor mais que o conhecimento da época sobre o assunto. Descontados as técnicas ultrapassadas de combate daquele tempo, e hoje superadas, no que respeita ao combate a mosquitos de importância epidemiológica, lemos que decorridos 110 anos ainda é válido o comentário de Goeldi sobre o método para diminuição ou extinção dos criadouros de mosquitos:

Óbvio é, que semelhante tática dará pleno resultado somente quando seguida à risca universalmente, sem exceção, quando a convicção das vantagens comuns for infiltrada por igual em todas as camadas sociais e constituir-se agente para o auxílio espontaneo na obra coletiva. Neste sentido benéfico efeito antevejo no bom exemplo de pessoas inteligentes, que particularmente pelas suas casas adotem a guerra racional contra os mosquitos, na propaganda dos médicos na sua clínica particular, pois eles exercem uma legítima influência e last but not least na animação que deriva da ação e iniciativa oficial quer na esfera administrativa municipal, quer na estadual.

Emilio Augusto Goeldi. Memórias do Museu Goeldi IV: Os Mosquitos do Pará. Belém , Estabelecimento Gráfico Wiegandt - Pará, 1900.

sábado, 14 de agosto de 2010

Nightingale Dá Notícias de Vesalius

Há uns três anos atrás, como representante do governo brasileiro, fiz uma visita técnica à plataforma norte-americana de registros de ensaios clínicos - ClinicalTrials.gov, com sede na Biblioteca de Medicina do National Institute of Health (NIH), em Bethesda (Maryland). Na ocasião, ao saberem de meu interesse por livros raros e antigos, nossos anfitriões usaram de fidalguia e levaram-me para visitar a sessão de obras raras daquela instituição, uma espécie de Biblioteca da Alexandria para as ciências médicas. Para minha surpresa, numa sala climatizada, e sob às vistas do bibliotecário chefe e de um oficial do Exército dos EUA, vestido em trajes de campanha (o lugar é área de segurança nacional), fui apresentado a um dos mais importantes livros da História da Ciência - De Humani Corporis Fabrica -, publicado em 1543 pelo médico belga Andreas Vesalius, a partir de estudos que fez em cadáveres humanos nos cemitérios.
Naquela época era arriscadíssimo fazer estudos anatômicos que não fossem em animais. A ousadia do anatomista poderia levar à prisão e ao julgamento da conduta no Tribunal do Santo Ofício - a Santa Inquisição -, correndo-se riscos de torturas físicas, desmoralização e até de morte. Vesalius veio a falecer ainda muito jovem, com 50 anos de idade, afogado em naufrágio, quando retornava de uma perigrinação até o Oriente Médio. O que ele foi fazer nos lugares santos ninguém sabe o certo até hoje. Conta a lenda que o pai da moderna Anatomia teria sido condenado a morte pela Santa Inquisição depois que alguém denunciou que dissecara o cadáver de um nobre, quando ainda havia atividade cardíaca presente. O Rei a quem então servia, Felipe II da Espanha, por reconhecer em Vesalius importância inestimável para a ciência da época, decidiu comutar a sentença de pena capital por uma peregrinação religiosa a Terra Santa.
O fato inconteste é que a publicação De Humanis Corporis Fabrica foi seminal, pois quebrou paradigmas e inaugurou um novo momento que permitiu o saber médico dar um enorme salto de qualidade científica. Pois estava eu flanando nessa blogosfera de quase domingo, na leitura de um artigo sobre o centenário de morte da extraordinária enfermeira Florence Nightingale, acontecido ontem, quando cheguei até a excelente página eletrônica da Wellcome Library, onde encontrei digitalizado para livre acesso a primeira edição do livro. Ao folheá-lo eletronicamente vocês perceberão que trata-se de um exemplar que sofreu os efeitos do tempo e do maltrato dos homens, mas foi restaurado com maestria na altura da importância da obra. O exemplar norte-americano que manuseei no NIH, ao contrário, está absolutamente perfeito. Eu poderia cogitar no momento em que o folheei, que estava em estado de conservação tal como fora entregue por um alfarrabista do século XVI a fidalgo que houvesse com discrição encomendado a obra.
Acesse o clássico da ciência clicando aqui, mas não deixe de explorar outras preciosidades do sítio da Wellcome, como, a exemplo, o apelo de Florence Nightingale pelos ex-combatentes empobrecidos da Carga da Brigada Ligeira (Guerra da Criméia), gravado em cilindro de cera em 1890. A Wellcome Library é um patrimônio cultural inestimável que a internete disponibilizou para consulta.

sábado, 7 de agosto de 2010

Queixas de Um Médico Cristão Novo no Recife

























Esta é a primeira edição do manuscrito do médico português Simão Pinheiro Morão, entitulado "Queixas Repetidas em Ecos dos Arrecifes de Pernambuco Contra os Abusos Médicos que Nas suas Capitanias se Observam em Dano da Vida de seus Habitadores" (1677). Foi publicado em 1965 pelo orgão governamental português Junta de Investigações do Ultramar em homenagem ao quarto centenário de fundação da cidade do Rio de Janeiro.
O doutor Simão Morão teve uma vida atribulada por ser cristão novo, sentenciado a terríveis humilhações e sofrimentos por praticar secretamente o judaísmo com sua família. Além de prisões, foi sentenciado a assistir o auto de fé do próprio pai, que nessa altura tinha 83 anos, e a usar para sempre uma roupa ridícula, o sambenito, que a Santa Inquisição impunha aos sentenciados, que assim os identificava como criminosos onde quer que fossem.
O impacto da violência sofrida pelo médico por certo corresponderia àquela sofrida por Cândido, no mesmo lugar e pelo mesmo algoz, conforme seria narrado por Voltaire anos depois em ficção homônima (1759). No livro, a certa altura Cândido lamenta-se do destino e da violência cega, depois de ser brutalizado num auto de fé que sucede ao terremoto de Lisboa (1755):
Se este é o melhor dos mundos possíveis, como não serão os outros! Se eu apenas fosse açoitado, como entre os búlgaros, ainda passava! Mas tu, meu querido Pangloss, o maior dos filósofos, ver-te enforcar sem saber por quê!
Fugindo de tais perseguições, que lhe impediam exercer a profissão em Portugal, Mourão migrou para Pernambuco, no Brasil. Em Recife reiniciou a prática clínica, apesar de ainda o torturar o uso do sambenito, pois essa roupa era para ele uma pena perpétua. Assim, quando recuperara a condição de médico, por outra persistia nele a identificação humilhante de judaizante apenado, que o perseguia nas ruas e na casa dos seus pacientes, ou aonde mais fosse.
Não suportando mais as humilhações por parte dos colonos, o médico português peticionou então ao Rei, para que o aliviasse da infame indumentária. A mercê real chegou-lhe depois de algum tempo, e animado com o perdão e o respeito readquirido, escreveu este manuscrito e um dos três primeiros livros médicos do Brasil Colônia, que é o "Tratado Único das Bexigas e do Sarampo" (1683), que, por via das dúvidas, assinou com o anagrama Romão Mosia Reinhipo. Ambos os trabalhos são clássicos da História da Medicina do Brasil e trazem no seu conteúdo não só o estado da arte da médica daquela época, mas uma visão crítica sobre os modos como a profissão era praticada.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Eládio Cruz Lima

Recebi mensagem sobre Amazonia: Há muito para se lamentar, em que recordei a obra de Eládio Cruz Lima, duplamente rara quer pelo tema enfocado, quer pela raridade de encontrá-la.
Foi com surpresa que, ao ler o comentário, identifiquei como signatária a designer gráfica e ilustradora Graça Cruz Lima. Transcrevo com destaque suas palavras:
Foi com emoção que vi que Eládio Cruz Lima ainda é lembrado... e pensar que estão acabando com a Amazônia e que os macacos ilustrados no primeiro volume de Mamíferos da Amazônia já devem estar em franca extinção!
As pranchas com as aquarelas foram doadas por nós ao Museu Goeldi e lá você pode ver os morcegos (o que seria o 2° volume) e alguns outros mamíferos (3° volume) que não foram publicados devido ao seu falecimento.

Fica então o registro e um pedido à direção do Museu Goeldi para, com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, publiquem na íntegra a obra de Eládio Cruz Lima, reconhecendo-lhe no século XXI o valor intrínseco e o igual reparo ao longo exílio a que está submetida, por incompleta desde que dos prelos saiu há mais de 60 anos.


Foto: Itajaí de Albuquerque. Composição com a folha de rosto e a prancha xxvii de Op. cit.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Amazônia: Há Muito Para se Lamentar

"Além dessas formas naturais que reveste a fitologia amazônica, é necessário mencionar ainda as formas artificiais, resultantes da influência do homem. Embora relativamente insignificantes as zonas modificadas, em comparação com a área total, não são, entretanto, para desprezar, e mesmo muito para lamentar, pela maneira desconscienciosa com que se manifesta, contribuindo, pela exploração exaustiva e desordenada, para o desaparecimento de espécies preciosas. É nas matas que esta influência se faz, quase exclusivamente, sentir, pois que nos campos se manifesta apenas pela introdução de espécies exóticas. Tanto a mata de várzea como a de terra firme são igualmente atingidas. Quanto àquela, é de fácil verificação nas terras marginais do baixo Amazonas; quanto a estas, um pouco em toda parte onde se praticam derrubadas para fins agrícolas ou de indústria extrativa (roças, campos artificiais, extração de madeiras, lenha, fabrico de carvão vegetal, etc.).
Abandonada por qualquer motivo o local da derrubada, forma-se imediatamente a capoeira, com sua vegetação especial, heliófila, e que lentamente pode regenerar a mata. Quando, consequente à derrubada, foi procedida a queima, principalmente se esta é repetida, dá-se a extinção da mata, e o local é invadido por espécies estranhas, formando novas associações, e então é quase impossível a regeneração. Verifica-se o reaparecimento de formas que o amadurecimento do solo havia afastado, e que encontram novamente ambiente favorável pela intervenção do homem. A distribuição faunística, naturalmente, ressente-se com estas modificações do meio. Várias espécies migram, tangidas pela desambientação; outras as substituem pela superveniência de condições favoráveis ao seu desenvolvimento, mas, em geral o balanço é contrário à riqueza, que a própria proximidade do homem compromete."
Estes dois parágrafos integram a obra Mamíferos da Amazônia*, escrita pelo dublê de desembargador e desenhista científico Eládio Cruz Lima, infelizmente falecido de modo abrupto aos 43 anos, sem conseguir completá-la. Da leitura podemos concluir que já havia um discurso científico que chamava a atenção para a grave questão do desenvolvimento amazônico, prolongada até hoje, ainda que gravíssima após decorridos 65 anos da publicação da obra. Como é corrente o governo federal e os governos estaduais da Amazônia Legal não deram uma resposta satisfatória para o desafio de desenvolver a maior região brasileira em extensão territorial e riquezas naturais, sem incorrer nos riscos tão bem descritos por Eládio Cruz Lima.

* volume 1, Introdução Geral e Primatas/ com quarenta e duas pranchas coloridas feitas pelo autor. Belém do Pará-Rio de Janeiro: 1944