sábado, 3 de novembro de 2012

Licença Aberta do Norvir Solicitada ao NIH

O Alquimista Sedziwoj (Óleo sobro tela. Jan Matejko, 1857). Museu de Lodz (Polônia).


Quatro organizações não governamentais norte-americanas solicitaram formalmente ao poderoso National Institute of Health (NIH), orgão responsável pelo financiamento de pesquisa em saúde nos EUA, que garantisse que o Norvir (Abott), um novo anti-retroviral para tratamento da AIDS, a condição de licença aberta. O objetivo seria de baixar o custo e ampliar o acesso do consumidor a esse tipo de medicamento, visto que o preço final de mercado estaria livre dos custos patentários habituais. 
A solicitação tem por fundamento as recomendações legais do Bayh-Dole Act, que teve por objetivos o estímulo à comercialização de inovações financiadas pelo governo e alavancar a indústria biotecnológica na década de 80. Em linhas gerais o Bayh-Dole Act dá ao NIH a prerrogativa de regular por tangência o mercado de medicamentos estratégicos, na sua condição de financiador do densenvolvimento de novas drogas e sempre que a indústria não alcançasse "a aplicação prática" da inovação tecnológica. Até hoje o NIH nunca utilizou essa prerrogativa que lhe foi concedida por lei federal, mesmo que provocado quatro vezes em 32 anos de vigência do Bayh-Dole Act.
Desde que o Norvir foi levado ao mercado pela Abbot o preço do medicamento aumentou em 400%. Há flagrante discordâncias de preços de mercado desse medicamento em diferentes países. Nos EUA, por exemplo, o consumidor paga cerca de 20 reais por comprido, enquanto o mesmo medicamento é vendido no Canadá e Nova Zelândia por 10% do valor da praça norte-americana, ou seja, dois reais. No Brasil, por sua vez, não é diferente a situação com respeito a preço de medicamentos inovadores. Em 2009 o então ministro da saúde, dr. José Gomes Temporão, iniciou um tour de force com a Merck, que terminou no licenciamento compulsório do medicamento anti-retroviral Efavirenz.  O licenciamento compulsório não representa quebra do direito patentário, mas a suspensão temporária dos direitos de exclusividade provocado por flagrante abuso  e para a proteção do interesse público.
O general Eisenhower, coordenador geral dos exércitos aliados na Europa durante II Guerra Mundial e depois candidato republicano eleito a 34o. presidente dos EUA, ao fim de seu segundo mandato presidencial fez em rede nacional de televisão o que até hoje representa uma das mais corajosas advertências, ao denunciar o crescente poder de influência do que ele chamou de complexo industrial-militar, que, não fosse suficientemente regulado, ameaçaria no futuro os princípios da democracia americana e poria em risco a paz mundial. Nem precisamos citar aqui os exemplos conexos à denúncia de Eisenhower, mas podemos observar que, na sociedade norte-americana e no mundo, não é menor o poder transnacional do complexo industrial farmacêutico, a chamada Big Pharma.
As relações entre Estado, governo e indústrias que produzem insumos e tecnologias estratégicas são por natureza complexas e se desenvolvem em meio a riscos onipresentes. No caso dos EUA, onde não existe um sistema público universal que efetive a integralidade do direito à saúde, o domínio do mercado provedor de serviços, de insumos e tecnologias de saúde é conduzido manu militare pela "mão invisível" de um poderoso setor privado que gera bilhões de dólares de lucro no mercado mundial de medicamentos. Torna-se assim quase inócua - e assim o demonstra sua história - a aplicação do Bayh-Dole Act no caso do Adenovir. De qualquer modo, para evitar mais ruídos e principalmente prejuízos, o NIH já anunciou que analisará a petição das ONG apenas depois de 17 de dezembro de 2012, quando o 57o. morador da Casa Branca já tiver sido escolhido pelo povo americano. Há que não perder a esperança.
Referências
1. NIH asked to grant open license on HIV drug (Nature News Blog)
2. O Discurso de despedida de Eisenhower (Sociologia Crítica)
3. Sobre o alquimista Michal Sedziwoj (Wikiverbete)

sábado, 22 de setembro de 2012

Um Cientista Inglês




Em Londres no início do ano, ao sair pela esquerda da Estação de Saint Pancras - aquela onde Harry Porter se perdeu - dei com um grande tapume de construção civil. O outdoor em frente dizia que se tratava da construção do Instituto Francis Crick, homenagem do governo britânico ao notável cientista que, em 1962, pela descoberta da estrutura em dupla hélice do DNA, dividiu o Nobel de Fisiologia e Medicina com James Watson. A nova instituição britânica de pesquisa substitui o antigo UK Centre for Medical Research and Innovation, estando prevista a conclusão integral das obras para 2015. Antes de chegar na parada do ônibus, impressionado com inesperada recepção visual, fiz estas fotos que compartilho aqui. 

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A página do The Francis Crick Institute pode ser acessada com um click.

Mais Uma On Line: A Biblioteca de Charles Darwin


Com a popularização da internet, as tecnologias da informação experimentaram um aprimoramento que sem exagero podemos dizer exponencial. No delta desses avanços, hoje é comum o acesso livre a variadas fontes de informação e em especial aos aceervos digitalizados das bibliotecas on line. O que era inimaginável há 30 anos, hoje é plenamente possível: um leitor acessar à distância tesouros impressos da Biblioteca Nacional ou, na USP, a lendária coleção brasiliana de José Mindlin, que teve por base a coleção de livros de Ruben Borba de Moraes, integrante do Semana Modernista de 22 e considerado um dos maiores investigadores da história dos livros no Brasil.
Nesse cenário em plena expansão sempre surgem novidades na rede mundial de computadores. Ontem à noite, explorando links da revista Science em busca de um trabalho sobre herpes vírus, encontrei a informação de que a biblioteca de Charles Darwin já se encontra praticamente toda digitalizada no sítio da Biodiversity Heritage Library. Nessa página  não só os livros e anotações (marginália) do autor da Teoria da Evolução estão disponíveis, mas também as bibliotecas de Carl Linneau e Ernest Mayr, entre outras relacionadas a Biologia. Na Biblioteca de Darwin estão disponíveis para consulta livre cerca de 22000 mil páginas, integrantes de 439 títulos digitalizados.  
Sabemos que o estudo da natureza brasileira deu importante contribuição a teoria evolucionista. Nesse aspecto a contribuição a destacar é aquela de Alfred Russel Wallace, cuja relevância permitiu-lhe durante algum tempo, uma insubsistida coautoria da Teoria da Evolução. Como viajante naturalista - e do mais brilhantes -, Wallace explorou durante quatro anos a Amazônia brasileira e registrou suas reflexões sobre a natureza da região no antológico Narrativas de Viagens pelo Amazonas e o Rio Negro (1853), trabalho que dedicou a Darwin. 
Está claro que Wallace está bastante presente na versão digital da Biblioteca de Darwin, assim como outros viajantes da Amazônia no século XIX, por exemplo Henry Bates (O Naturalista no Rio Amazonas ) e James Orton (O Andes e o Amazonas). Curiosamente, contudo, o livro das Narrativas está ausente. Além dele senti também a falta da Viagem ao Rio Amazonas, escrito por William H. Edwards (1847). Edwards foi o primeiro pesquisador norte-americano a explorar a natureza amazônica, tendo o seu trabalho impressionado vivamente a Charles Darwin. Talvez sejam ausências circunstanciais, que expressem o estado da arte do processo de digitalização das obras que integram a biblioteca de um dos mais influentes filósofos da dúvida, combatido sem trégua até hoje pelos criacionistas, por gente como George W. Bush, Sarah Palin e Marina Silva.

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Para acessar a biblioteca clique aqui.

domingo, 26 de agosto de 2012

Neil Armstrong e o Conhecimento

Ao longo de seus 82 anos de vida, encerrados fisicamente ontem, Neil Armstrong legou a História inúmeros escritos em que registrou seu pensamento sobre a conquista do espaço, seu papel pioneiro nos eventos que o levaram a caminhar na Lua, sua  visão da condição heróica e a centralidade da ciência para o progresso humano. 
Certa vez um bibliotecário de Michigan expediu carta a várias personalidades mundiais, em que lhes solicitava a gentileza de um comentário sobre a importância das bibliotecas, dos livros e da leitura. As respostas seriam usadas para estimular crianças a frequentarem bibliotecas. Neil Armstrong respondeu a essa carta com um comentário de grande valor humanista:

"Through books you will meet poets and novelists whose creations will fire your imagination. You will meet the great thinkers who will share with you their philosophies, their concepts of the world, of humanity and of creation. You will learn about events that have shaped our history, of deeds both noble and ignoble. All of this knowledge is yours for the taking… Your library is a storehouse for mind and spirit. Use it well."
 
"Por meio dos livros vocês encontrarão a criação dos poetas e dos romancistas que incendiarão suas imaginações. Vocês encontrarão grandes pensadores que compartilharão consigo suas filosofias, seus conceitos de mundo, de humanidade e de criação. Vocês aprenderão sobre fatos que moldaram nossa história e também sobre os atos cometidos tanto para fins nobres quanto ignóbeis.  Todo este conhecimento está disponível para que vocês usem... A biblioteca representa um armazém para o espírito e a mente. Façam dela bom uso."

Jorge Luis Borges e o Conhecimento

"...En aquel Imperio, el Arte de La Cartografia logró tal Perfección que el mapa de una sola Provincia ocupaba toda una Ciudad, y el mapa Del Imperio, toda una Provincia. Com el tiempo, esos Mapas Desmesurados no satisficieron y los Colegios de Cartógrafos levantaran un Mapa del Imperio, que tenía el tamaño del Imperio y coincidía puntualmente com él. Menos Adictas ao Estudio de la Cartografía, las Generaciones Siguintes entendieron que ese dilatado Mapa era Inútil y no sin Impiedad lo entregaron a las Inclemencias del Sol y de los Inviernos. Em los Desiertos del Oeste perduran despedazadas Ruínas del Mapa, habitadas por Animales y por Mendigos; en todo el País no hay otra relíquia de las Disciplinas Geográficas.

SUÁREZ, MIRANDA: Viajes de varones prudentes,
Libro Cuarto, Cap. XLV, Lérida, 1658."

Conforme publicado no livro El Hacedor (Obras Completas. Vol 2. Emecé, 2a. ed: 2009).

Borges é mestre em criar labirintos mentais. Nesse pequeno parágrafo ele alude ao erro e à falibilidade científica por desajuste metodológico. É o quanto nos basta ver em algumas obras antigas, que ao analisarem uma questão científica nos apresentam conclusões não raro fantasiosas. Mas a ciência também requer da fantasia alguma forma superior de abstração que anime a hipótese. Formular a proporção com que esses ingredientes contribuem para o conhecimento, não prescinde da advertencia de Paracelso no século XV: A diferença entre o remédio e o veneno é a dose.
  

  

domingo, 19 de agosto de 2012

No Dia Mundial da Fotografia, a Amazônia tem de estar presente claro.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Temporão: "Deveria Ter Ficado Mais Tempo Clinicando"

Deveria ter ficado mais tempo clinicando*

Minha trajetória profissional foi muito sólida do ponto de vista clínico. Sou formado há 35 anos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e me especializei em doenças infectocontagiosas, pegando o caminho da saúde pública. Depois de formado, pratiquei por cinco anos a clínica no ambulatório de uma metalúrgica em Mesquita, na Baixada Fluminense, algo que me dava imenso prazer. Foi muito importante para minha formação como sanitarista escutar o paciente, compreender a dinâmica da doença na comunidade, ainda mais numa área de periferia. Trabalhei também em maternidade. Adorava fazer parto.
Mas assumi outros trabalhos - como professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. E foi ficando impossível conciliar a pesquisa com o atendimento. Minha opção por saúde pública foi fundamental. Cheguei a ministro e não tenho do que reclamar. Mas a verdade é que sinto falta do contato entre médico e paciente. O sanitarista cuida de questões num contexto social e político. Penso na prevenção de doenças ou em como produzir saúde lidando com dilemas estruturais, econômicos, sociais, políticos etc. A dimensão do médico que atende, examina e cuida é totalmente singular. Você está diante do sofrimento real.
A transição do micro para o macro é muito complexa. Quando você trabalha na gestão pública, o produto de seu trabalho pode ter um grande impacto para quem está na ponta. Se consigo colocar mais recursos, implementar uma nova política ou construir um novo hospital, causo mudança na vida das pessoas e no trabalho dos profissionais da saúde. Mas, quando se trata de humanizar o atendimento, estamos falando em reconstruir a relação médico-paciente. Isso permite resgatar a ideia da escuta, do toque numa medicina cada vez mais científica e técnica, em que muitas vezes se perde essa perspectiva. Dependendo da primeira abordagem, a pessoa se sentirá muito melhor ou muito pior.
Nenhum médico, mesmo na área de planejamento, pode largar mão do atendimento. Digamos que, se fosse possível voltar no tempo, inventaria uma maneira de dar conta das duas dimensões. Da política, sim, mas sem abrir mão de clinicar e ouvir os doentes.
Uma boa base de formação em clínica me parece essencial para a formação de qualquer especialista. Sem isso, ele dificilmente conseguirá ver com toda clareza os desafios reais ao planejar um novo sistema ou ao implantar uma nova abordagem de gestão num serviço de saúde. Isso é válido para o médico, o enfermeiro, o dentista, o farmacêutico ou outro profissional que pretenda abraçar os desafios da saúde pública em nosso país. Dentro de cada uma dessas profissões, ampliar a visão sobre sua especialidade e vivenciar a prática profissional na realidade concreta será fundamental para um bom desempenho como gestor, pesquisador ou professor.
Se couber aqui algum tipo de recomendação aos jovens profissionais, diria para ir além da teoria e da prática. Para planejar nossa vida profissional, precisamos, sim, da ciência. Mas essa nem sempre consegue referir-se ao ser humano em sua totalidade. Não é incomum que se recorra às artes e à razão estética para, junto da ética e da política, fazermos nosso trabalho.
Se ousasse prescrever algo, hoje, para os colegas médicos e das demais profissões do campo da saúde, seria atenção às questões da política e do poder na sociedade. Leiam tanta poesia quanto literatura científica. Permitam-se atravessar fronteiras de conhecimento para ponderar outras maneiras de pensar, de fazer e de compreender a vida que compartilhamos para melhor exercer sua clínica, a arte do cuidar, planejar, gerir, pesquisar e ensinar."
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O texto do Dr. José Gomes Temporão foi publicado na Revista Época desta semana.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A Fotografia na Luta Contra a Ditadura Militar no Brasil


O surgimento da fotografia modificou a narrativa jornalística no mundo. Quando lemos jornais do século XIX com suas ilustrações da notícia à bico de pena, e os comparamos às imagens precisas e quase simultâneas dos fatos que a tecnologia fotográfica oferece ao leitor, percebemos o quanto esse nosso mundo, movido à velocidades progressivas, quase subverte o magnífico enunciado Heisenberg de que ao observador é impossível determinar simultaneamente a posição e a velocidade de um objeto.
Mas o fotojornalismo está acima do espetáculo fácil, quando testemunha a história e oferece às gerações futuras narrativas para refletirem sobre o passado. A revista eletrônica Discursos Fotográficos constitui exemplo da potencialidade histórica da fotografia como instrumento de reflexão. Neste número recheado de artigos que provocam as (in) certezas do leitor fotógrafo, ou do leitor admirador dessa arte, destaco a entrevista com o fotógrafo Evandro Teixeira, cujo título usei para dar título à postagem. Para acessá-la, basta clicar e abrir o pdf presente na página da revista.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

UPdate Saúde

O blog Uptade Saúde é uma extensão do projeto Construindo Pontes entre a Evidência Científica e a Gestão em Saúde, sob coordenação  da professora Uliana Pontes no campus avançado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em Macaé. Como campo de atividade para a extensão,  o blog constitui-se em campo de prática para seus alunos. É uma experiência portadora de inovação em termos de difusão do conhecimento científico, e, mais especialmente, no que respeita ao objetivo que o título do projeto revela: ligar a margem do conhecimento científico (know how) à margem da gestão das políticas de saúde (know do). A quem interessar, a página do blog pode ser acessada aqui: Update Saúde.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

NÃO ao Golpismo Ressuscitado


Óbvio ter sido a deposição do presidente Lugo um golpe das oligarquias civis, desferido a partir do parlamento paraguaio. Outra conclusão não se pode ter ao analisarmos a arma final empregada: um processo inédito de impeachment, que durou 48 horas, nas quais contou o presidente constitucionalmente eleito com apenas 2 horas para defender-se perante um plenário político esgamadoramente de oposição ao seu governo. 
Este coup d'etat parlamentar revela enorme risco para o equilíbrio das democracias latino-americanas, mais ainda quando é analisado na perspectiva do apoio moral que os golpistas receberam e usufruem, configurado nos manifestos de reconhecimento de países hegemômicos do hemisfério norte, todos alinhados na Guerra Fria para o apoio moral, militar e financeiro às ditaduras militares latino-americanas que esmagaram os direitos civis nas décadas de 60-80 do século passado.
Anexo a esta postagem, está a declaração de repúdio ao golpe, assinada pelo Movimento Nacional pelo Direito à Saúde. O presidente Lugo havia iniciado um esforço governamental que instituísse um sistema nacional de saúde que superasse o quadro sanitário imposto por décadas sucessivas de miséria, desassistência,  desigualdades e corrupção institucionalizada, que antecederam sua eleição pelo povo paraguaio. 
A sociedade civil latino-americana deve integrar-se nesse grave momento e repudiar publicamente iniciativas estranhas e nocivas à democracia participativa, sufragada pela vontade popular, com executivo e base parlamentar não corruptas, nem corruptoras. Digamos NÃO ao golpismo de novo ressuscitado no continente americano!

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Para leitura do manifesto do Movimento Nacional pelo Direito à Saúde basta clicar duas vezes sobre a imagem acima.

terça-feira, 26 de junho de 2012

A Ciência em Si



Hoje completa anos um dos mais criativos compositores da música brasileira. A inquietude filosófica do soteropolitano Gilberto Gil levou-o, no nascedouro do século XXI, a gravar um de seus mais belos discos: Quanta. Nele estão registradas suas reflexões sobre ciência, tecnologia e inovação. Essa é a mensagem de Ciência em Si, cuja autoria divide com Arnaldo Antunes.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Conselho aos Jovens Cientistas



E. O. Wilson, um dos cientistas mais renomados do mundo,  é professor e curador honorário em entomologia na Universidade de Harvard. Em 1975, ele publicou Sociobiologia: Uma Nova Síntese, trabalho em que descreveu o comportamento social das formigas aos seres humanos.
Resultado de seu profundo conhecimento da terra das "pequenas criaturas" e da percepção de que  contribuição desses insetos para a ecologia do planeta é ainda subestimada, ele escreveu o que pode ser seu livro mais importante, A Diversidade da Vida. Neste trabalho é descrito como  sistemas naturais intrinsecamente interligados estão ameaçados pela invasão do homem, em uma crise que o autor chama de "sexta extinção" (a quinta dizimou os dinossauros). Com seu mais recente livro, A Criação, ele pretende colocar as diferenças entre ciência e .

     "Ele mais do que ninguém compreende a relação entre genes e cultura - e começou com suas formigas."

The Guardian


Para assistir a conferência com legendas em inglês, basta clicar aqui

sábado, 23 de junho de 2012

As Imagens da Ciência no Cinema

O tema ciência e cinema não é de grande frequência, mesmo em espaços acadêmicos. Outro dia, sapeando pelas cordilheiras da internet encontrei um artigo de José Ribeiro, da Faculdade Aberta do Porto (Portugal), de que transcrevo este instigante trecho:

As Imagens da Ciência

O filme científico para o grande público não pode apenas celebrar o mito, tem de "saber interrogar-se sobre os pressupostos ideológicos e filosóficos que servem de base à sua actividade ... e as relações implícitas que estabelece com o restante corpo social"(FAYARD); promover a integração da multiplicidade das ciências na explicação dos problemas; acentuar os valores éticos e humanos que controlem o curso e as consequências dos processos de antecipação e construção do futuro empreendidos pela ciência; apresentar os limites da ciências "o novo espírito científico consiste em fazer progredir a explicação, não em eliminar a incerteza e a contradição"(MORIN), exercendo um olhar crítico e epistemológico.
O filme científico de divulgação pode contribuir para o desenvolvimento de uma cultura científica e esta para a redução de conflitos de interesse que venham a manifestar- se entre o individual e o social, o individual e o político. Estes, podem diluir-se com o desenvolvimento de uma cultura científica, uma vez que a compreensão da ciência e da tecnologia é útil para todos os que vivem numa sociedade. Os indivíduos informados estão mais apetrechados para tomar decisões em matérias como o consumo, a segurança pessoal, a formação profissional, os cuida- dos de saúde, a influência de decisões, e para se tornarem cidadãos activos e eficazes. As instituições, os produtores, a sociedade be- neficiam desta actividade: uma economia de mercado tecnologicamente avançada requer consumidores com um mínimo de bagagem científica, assim como o direito de influenciar decisões, ou o exercício de uma profissão ou de uma competência técnica, social ou profissional.

O artigo está com acesso livre para a leitura

As Reflexões Amistosas de Antonio Negri sobre a Crise Atual

Reflexões amistosas sobre a crise atual. Texto pedagógico

por Antonio Negri

Aula proferida na Universidade de Oxford, Museu Ashmolean,  a 12 de Maio de 2012 

1. Os homens pelos quais sinto certa simpatia bateram-se, na Europa, no século 20, em torno de três objetivos: pelo socialismo, contra o fascismo; por uma Europa unida contra o estado-nação; pela paz, contra a guerra. Os dois primeiros objetivos parecem estar sendo fortemente ensombrecidos na crise atual, e as lutas que se desenvolvem em torno deles têm resultado incerto – e os resultados das lutas travadas, estão esquecidos, ou em crise. Ainda há paz, mas tão ameaçada!

2. O socialismo afirmou-se na Rússia em 1917. A vitória local e a expansão ideológica do socialismo deram origem ao cerco contra a URSS pelas potências ocidentais provocaram, primeiro, os fascismos (na Itália, na Alemanha, na Espanha, etc.) e, depois, a Guerra Fria, para manter a URSS isolada, fora do mundo. Nem  a grande crise de 1929 conseguiu abalar essa política das elites capitalistas e liberais. Mas aceitaram o keynesismo como política de contenção “reformista” das lutas e da expansão política do socialismo.

Já nos finais dos anos 1930s e, outra vez, depois dos 70s, cada vez que o “reformismo” afirmava-se e alcançava objetivos importantes, as elites capitalistas repetiam experimentos reacionários, às vezes escolhendo a repressão, às vezes preferindo a guerra (seja quente seja fria).  Depois da II Guerra Mundial, os governos, obrigados a abandonar os impérios coloniais e a transferir a soberania imperial aos Estados, passam a articular de outro modo as suas políticas internas, sempre em sentido reacionário ou reformista: o objetivo é sempre ganhar a Guerra Fria. O ódio antissocialista impunha-se acima de qualquer outro objetivo. Como a Igreja do Baixo Renascimento contra as revoltas camponesas e anabatistas, assim também agiram os estados capitalistas contra os trabalhadores e o socialismo: cedendo seu poder ao império norte-americano, todos os estados capitalistas ao mesmo tempo.

3. Sabemos que o socialismo soviético não perdeu sua batalha por causa dos golpes do adversário, mas porque, desde o início, não conseguiu suscitar um movimento triunfante na Europa; nem foi capaz de, afinal, produzir qualquer transformação social e política continuada, na medida em que se foi expressando a potência produtiva do próprio socialismo. Não é a primeira vez que um Hércules menino é afogado no berço pela serpente. Depois do 1917, soviéticos e liberais europeus compreenderam que a batalha pelo êxito do socialismo se trava na Europa. Então, nos anos 1920s e 30s, o fascismo e as expressões mais extremadas dos diferentes nacionalismos opuseram-se ao socialismo. Depois da II Guerra Mundial, a burguesia europeia finge içar as bandeiras da paz e da União sobre as quais até agora sempre tripudiaram. O ideal de uma Europa unida traz, como bandeira, a oposição à URSS. O império norte-americano exige que a Europa se unifique, em pauta antissoviética.

Mas quando, depois de 1989, a Europa começa a constituir-se independentemente, desenvolvendo economia potente e modelo social autônomo, impondo sua própria moeda e apresentando-se como concorrente e como alternativa aos EUA no mercado mundial... então os EUA manifestam-se contra a unidade europeia. E abre-se sobre o terreno europeu a luta de classes: entre a classe capitalista recomposto no plano global e as multidões europeias: luta fria, mas decisiva, suficiente para originar a profundíssima crise econômica e social de hoje. 


Esta crise, que surge da fracassada solução encaminhada para a crise que a precedeu, em 2008-2009, constrói-se e atira-se contra a união política da Europa.

Castigada por essa crise, a Europa não encontra nem pode encontrar soluções ou alternativas na ordem neoliberal.


Os EUA – que veem perdida sua hegemonia – pressionam a Europa, para não se verem, os próprios EUA envolvidos em novos antagonismos imperiais.
4. Para além dos estados-nação, a classe capitalista se recompôs no plano mundial, graças à crise. E é nesse plano mundial que, explorando as novas tecnologias, a classe capitalista pôs em funcionamento um novo processo de “acumulação primitiva” sobre a base da transformação pós-industrial do trabalho, que se torna, cada vez mais, “trabalho de conhecimento” [dito também, erradamente, “trabalho cognitivo”].

Portanto, essa acumulação produz-se a partir da privatização e da organização produtiva do General Intellect [intelecto geral]. Entendo por General Intellect [intelecto geral] o conjunto da força de trabalho de/para o conhecimento, que substituiu, na geração de mais-valia, a classe operária industrial; e que é hoje explorada em todo o terreno social.

O próprio capitalismo modifica-se de modo fundamental: agora, são as finanças que recompõem, no plano mundial, o mando do capital. A banca e as finanças dominam hoje, acima de empresários e inovadores, nas indústrias: a renda substitui o benefício. Os processos produtivos são assim transformados. Sobre a produção fordista, na fábrica, sobrepõe-se a organização pós-fordista da exploração de toda a sociedade e a captação, mediante mecanismos financeiros, da mais-valia (socialmente produzida).

Com essa profunda transformação da acumulação capitalista, forma-se também uma nova prática política: a governança neoliberal.

Com essa prática, as elites capitalistas pretendem, por um lado, destruir o Estado de Bem-estar da classe operária industrial, que veem como corpo estranho, como o vestígio de um soviete dentro de sua própria casa de elite capitalista; e, por outro lado, o capital tenta organizar a exploração da sociedade inteira, submetendo ao seu domínio toda a vida das pessoas; o capital, agora, como “biopoder”, quer dominar todo o movimento biopolítico.

Assim, mediante sucessivas crises fiscais, são destruídas as relações de força entre as classes sociais que ainda caracterizavam a sociedade fordista; atacando-se qualquer relativo progresso econômico e as estruturas constitucionais que, dentro de cada Estado-nação, haviam garantido, depois da II Guerra Mundial, a paz social e certo ‘reformaísmo’ político.

Nessas condições de crise, a unidade europeia – cujo ideal e cujas primeiras realizações haviam gerado bem-estar e certo equilíbrio continental – não só está sendo violentamente atacada como, também, está completamente sobredeterminada por uma vontade de poder capitalista reorganizada no plano global, que já não apoia as resistências que ainda se organizam nos antigos estados soberanos.

5. É oportuno reconhecer que não há resistência possível senão no plano global, mundial. E, precisamente nesse ponto, a paz está sobgrave ameaça.

O interesse capitalista tenta impedir o fluxo de iniciativas subversivas para, seja como for, conseguir ampliar seus grandes espaços geográficos continentais. O interesse dos oprimidos, portanto, é organizar resistências e antagonismos também no plano global.

A inesperada derrota dos EUA na América Latina revelou-se importante, mas não decisiva. Na Ásia e no Extremo Oriente, as tensões sociais e políticas parecem por hora contidas – nos vastos atrasos de desenvolvimento e nos desequilíbrios econômicos. A África ainda está nos primeiros movimentos de uma nova grande luta que se iniciará a qualquer momento, não se sabe quando, na qual se disputará a exploração da riqueza das terras da África.

Por sua vez, na grande zona em crise – que vai do Atlântico aos países árabes, atravessando o Mediterrâneo – é, exatamente, onde a paz corre maior perigo. Aí, a especificidade da cultura e do desenvolvimento europeus entrou em crise, muito provavelmente, terminal. A sucessão de esforços e as derrotas militares nas guerras globais; a extensão inútil dos chamamentos à Cruzada que tanto se ouviram nos anos 90s e depois deles, mostraram, simplesmente, a miséria e a impotências das políticas implantadas pela classe política capitalista euro-norte-americana.

Só uma radical transformação das elites, só a generalização e a adesão ao projeto de unidade europeia das multidões permitiria modificar esta situação, e dar talvez às classes trabalhadoras europeias a possibilidade de renovar um projeto socialista potente – na Europa, onde o socialismo nasceu. Até agora, não teve sucesso: o capital tem conseguido sufocar todos os movimentos.

Mas, nesses últimos anos, as novas gerações começaram a mover-se, a lutar contra as novas formas de miséria, de precariedade, de pobreza a que foram submetidas. Indignadas, as novas gerações levantam-se, praticando novas figuras de insubordinação e de luta. Desta vez, o jovem Hércules pode matar a serpente.

6. Relançando o projeto europeu pela esquerda, insistimos no fato de que, para manter a paz, é necessário outra vez criar e assegurar o bem-estar. Nos perguntamos se o capital ainda pode fazer isto. A resposta é necessariamente negativa. Efetivamente, o empreendedor foi substituído,  nos tempos recentes, pelo capitalista financeiro; o benefício foi substituído pela renda; o banco substituiu a fábrica: multiplicam-se as funções e comportamentos parasitários.
As crises sucedem-se, porque já não há qualquer medida de valorização. E porque, como consequência disso, a especulação é a única forma restante de acumulação. Mas se o capitalista é hoje alheio à organização da sociedade, se perdeu a dignidade que lhe permitia organizar o trabalho, antecipar o capital constante e tornar os mercados inteligentes e criativos, sob seu comando... como poderá o capitalista criar e assegurar bem-estar e progresso?

Parece-nos que essa síntese de bem-estar e progresso só pode ser hoje construída pela “nova” força de trabalho, por aquela força de trabalho que, porque é força de conhecimento [‘capitalismo cognitivo’], pode tomar autonomamente em suas mãos a própria produção. É a força de trabalho que opera mediante as linguagens, os conhecimentos, os afetos – que produz, aos distribuir em comum o saber, agregando elementos singulares de comunicação. Assim a nova força de trabalho produz o excedente, a riqueza, que se chamava “mais-valia”.

Mas perguntemo-nos se esse produzir-junto (conhecimentos, códigos, informações, afetos) não será mais bem designado se o chamarmos pelo nome “o comum”? Se se fala do “comum”, não se fala só da riqueza já disponível na natureza (como o ar, a água, os frutos da terra e todos os demais dons da própria natureza); falamos, isso sim, especialmente, das novas formas de produção de riqueza, da atual composição social e política das forças imateriais do trabalho e da potência vida da subjetividade. E é contra essa potência que, hoje, o capital aplica seu instinto vampírico: contra as potências do comum, sem as quais, na nossa época, a riqueza não é possível.

7. O que significaria hoje construir um soviete, quer dizer, levar a luta, a força subversiva, a multidão, o “comum” para dentro (e contra a nova realidade das novas organizações totalitárias do dinheiro e das finanças?

Para responder essa pergunta, é preciso ter presente que o capital não é um Moloch; o capital é uma “relação de força” entre quem comanda e quem resiste, entre quem explora e quem produz. A multidão não é simplesmente explorada: ela propõe no plano social a sua autonomia e a sua resistência. Sobre essa relação, determina-se a crise, quer dizer, o debilitamento e/ou a ruptura da relação capitalista.

A crise atual deve-se à necessidade capitalista de impedir que a pressão sobre a renda rompa as relações de domínio, para manter a ordem, primeiro multiplicando sem limites a quantidade de dinheiro a gastar com o único propósito de manter contentes os proletários do conhecimento, depois (quando a situação piorar e a concorrência já seja insuportável) exigindo a restituição do que tenham conseguido, exigindo “o pagamento da dívida” – sob a ameaça da miséria e da vergonha.

Vê-se assim que a financeirização não é um desvio improdutivo e parasitário de cotas cada vez maiores de mais-valia e poupança coletiva; ela é a própria forma da acumulação, quer dizer, da exploração operada pelo capital no interior dos novos processos de produção de conhecimento e de modalidades sociais do valor. Sobre esse terreno os custos da reprodução da força de trabalho, o trabalho necessário (quer dizer, de sua instrução, de suas formas de vida, da nova organização social) e, também, as lutas operárias, fizeram fracassar a acumulação de capital e, portanto, levaram à ruptura da relação de exploração no plano social.

Isso aconteceu, porque as condições de valorização do trabalho sobre a base do conhecimento e da biopolítica são hoje, como dissemos, “comuns”; enquanto a acumulação é, não só “privada” mas, também baseada em tecnologias e políticas de administração que, ao não conseguir destruir a “potência comum” da produção, a escravizam – fazendo pouco caso de seus direitos e de seu poder. Como sair de uma crise desse tipo?

Só se sai de crises desse tipo mediante uma revolução social. Qualquer New Deal que se proponha terá de construir novos direitos de “propriedade social” dos “bens comuns”. Esse direito evidentemente se contrapõe ao direito da propriedade privada e às suas garantias públicas.

Em outras palavras, se até hoje o acesso a um “bem comum” tomou a forma da “débito privado”, de hoje em diante é legítimo reivindicar o mesmo direito, em forma de “renda social” – do “comum”. A única via para sair da crise é reconhecer esses direitos comuns.

Para reconstruir – mediante o trabalho de toda a sociedade – o progresso e, portanto, a esperança de paz. A revolução na Europa é o passo necessário para afirmar a hegemonia do comum e construir a unidade do país mais diverso, mais belo e mais inteligente que a história humana conheceu.

Tradução do Coletivo de Tradutores Vila Vudu
Antonio Negri é pensador italiano de formação marxista. Dá aulas nas principais universidades européias e é autor de livros como Império e Multidão.  

quarta-feira, 20 de junho de 2012

As Histórias em Quadrinhos Vão ao Museu

HQ representa um instrumento interessante para a difusão do conhecimento. Nos últimos anos tem sido frequente o lançamento de livros na forma de narrativa gráfica, abordando diferentes temáticas, desde temas filosóficos, de história e de ciência a biografias. Este acesso que descobri na rede mundial de computadores, enquanto buscava hoje um outro tipo de fonte bibliográfica, interessa principalmente aos fãs do gênero. Divirtam-se no  The Digital Comic Museum

domingo, 17 de junho de 2012

Literatura, Saúde e Doença na Amazônia

Ora, entre as magias daqueles cenários vivos, 
há um ator agonizante, o homem. 
O livro é, todo ele, este contraste.
(Euclides da Cunha: Prefácio a Inferno Verde/ 
Cenas e Cenários do Amazonas 
[Alberto Rangel. Genova, 1908])

A literatura não científica representa uma fonte de informações sobre a situação de saúde em determinada época. Utilizar autores não necessariamente "científicos" constitui-se em excelente ferramenta didática. Questões de saúde e a doença estão presentes em autores célebres como Balzac, Shakespeare, Camões, entre outros. Na prosa da Amazônia, por exemplo, a leitura atenta dos autores revela alí e acolá as condições sanitárias da região, onde há clara prevalência das doenças infecciosas e da pobreza, e uma esmagadora desassistência motivada pelo vazio tecnológico, a insuficiência de recursos e a falta de uma política de saúde que fosse de inspiração cidadã, não indigente.
É o que reflete o romance O Rio Corre Para o Mar, do hoje quase esquecido - injustamente - Nelio Reis (Editora A Noite. Rio de Janeiro, 1941):
"Há quase um mês era assim, desde o dia da sua ida para os lados do Igapó das Velhas, lugar clélebre e temido. Impaludismo  chegou alí parou!, diziam todos, batendo na boca esconjurando e benzendo-se contra a sezão. Pois ela fora por lá, metera-se pelo mato de perto, porque ao menos alí tinha certeza de não encontrar alguém que se pusesse a olhá-la da cabeça aos pés, como o povo da terra dera para fazer cada vez que a via. Veio a febre depois; febrezinha de nada que passou logo. (...) No dia seguinte a febre voltou. Voltou no outro. Chica Feitiço veio e garantiu logo: maleita, sezão na certa!
- Quinino, nela, meu povo.
Mas seu Lauria da farmácia não quis vender o remédio por uma razão:
- Vocês estão doidos, então? Onde já se viu dar quinino para mulher prenha? Vocês querem matar a criança, ou o que querem?
- Mas a moça não pode ficar assim daquele jeito - objetou D. Estrela com aprovação de todos: 
- Lógico!
- Pode sim - garantiu seu Lauria. Quanto tempo falta pro troço do parto?
- Um mês.
(...)
Seu Lauria então cortou a coisa pela raiz:
- É isso mesmo. Não deem quinino para ela. Deixem vir o trololó primeiro, depois sim.
E não vendeu o remédio."
Encerro essa reflexão com a narrativa do recentemente falecido Armando Mendes, registrada com precisão, em palavras não desmedidas nem caudalosas, no memorialístico A Cidade Transitiva / Rascunho de recordância e recorte de saudade da Belém do meio do século (Imprensa Oficial do Estado. Belém, 1998):
"Anciãos Precoces
Também não é preciso recorrer a rigorosas pesquisas, baseadas em minuciosas séries históricas dos indicadores sociais, para perceber que a esperança de vida, em Belém, nos anos 40 e 50, eram sensivelmente inferior à atual. E assim no Brasil. Como lembra meu irão Oswaldo, os repórteres não se acanhavam em chamar de anciãos pessoas que tinham chegado aos 50 anos: "Ao atravessar a rua, o ancião Não Sei Quem, 52 anos incompletos, foi atropelado e morto..." 
E a mortalidade infantil, a morbidade e a mortalidade em geral eram bem superiores aos índices de hoje, por menos brilhantes que estes sejam. Casal de "remediados", isto é, de classe média, de nossas relações, para relatar só um ilustrativo caso real, havia perdido dois filhos recém-nascidos. Mas as fotos dos "anjinhos", em seus pequenos caixões brancos, eram candidamente expostas na sala de visitas, junto às dos irmãos que vingaram, aliás vivos e sãos até hoje - coisa que sempre me impressionou sobremodo, a ponto de não a ter esquecido jamais.
A hanseníase, alías, a "lepra", ainda era um terror bastante generalizado nos subúrbios e no interior. Mas não só entre pobres. Já falei no caso dos cantores líricos Ulisses e Helena Nobre. A lembrar também o poeta Antonio Tavernard. As doenças infantis, inclusive a poliomielite, grassavam e matavam. E a simples leitura do obituário que os jornais publicavam rotineiramente é suficiente para dizer, por exemplo, como eram numerosos os casos de falecimentos por meningite e tuberculose, sem falar no onipresente impaludismo, malária, maleita ou sezões. 
Os que sofriam do "peito"eram muitos. O clima era considerado hostil à saúde, especialmente aos brônquiso e pulmões. Faziam-se "pneumotórax" com notável frequência. Médicos importantes da época eram tisiologistas ou "pneumologistas", como Epílogo de Campos e Luiz Romano da Mota Araújo. Este último, inclusive, procurou desfazer o preconceito existente contra o clima da Cidade. 
A tese versa, precisamente, sobre O Clima de Belém e o Tratamento da Tuberculose Pulmonar. Para ele, contrariando idéias arraigadas, "A tuberculose é doença da hipoalimentação: as nossas classes pobres alimentam-se mal: a tuberculose campeia, e vai ceifando vidas a granel". Tese comentada pelo seu sobrinho, Roberto Santos, que chama a atenção para a hipótese de que, provavelmente, as famílias econômica e socialmente decadentes, por força da prolongada crise da borracha, estariam a esse tempo sentindo crescentemente o ataque do bacilo de Koch por semelhantes causas, ligadas a carências.
Os mais abonados, ignorando o argumento do Dr. Luiz Araújo, mandavam os seus familiares enfraquecidos para temporadas de repouso, cura ou recuperação, na Serra de Guaramiranga, no Ceará (Jacques Flores escreveu uma crônica relatando uma ida até lá), ou na de Garanhuns, em Pernambuco, ou ainda em Belo Horizonte, ou em Campos do Jordão, ou mesmo na Europa.
Em compensação, não se ouvia falar em cólera ou dengue, e muito menos AIDS, que viria a ser dianosticada muito tempo depois. Mas havia, sim, extensamente, "doenças de massa", em especial nos arredores da Cidade, à época menos extensa e não saneada."

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quinta-feira, 7 de junho de 2012

Médicos nas Guerras

placamedicos by Itajai de Albuquerque
placamedicos, a photo by Itajai de Albuquerque on Flickr.

Em certa medida a mortalidade entre equipes de saúde, escaladas para atuar em um conflito armado nacional, ainda é um assunto mal explorado. A maioria dos artigos sobre o tema discute a influência das guerras no desenvolvimento da Medicina, ou correlaciona o impacto deste na mortalidade das tropas nos campos de batalha, ou na assistência às populações do território onde se desenrola enfrentamento bélico.  
Nesse sentido, a exemplo, observa-se que a mortalidade entre soldados da Guerra Civil Norte-Americana foi em torno de 40%, enquanto calcula-se que na Guerra do Iraque fique  em torno de 10%.
Mas, assim como os soldados e os fotógrafos de guerra, os médicos arregimentados ou contratados para atuarem nos campos de batalha se arriscam, sofrem ferimentos e perdem a vida. Para saber quantos, de que modo e em que extensão essas casualidades de guerra afetam as equipes de saúde nas batalhas, há necessidade de pesquisa que investigue bancos de dados dos diferentes conflitos armados, dispersos nos orgãos militares de diferentes países. Taí uma boa missão para os Médicos Sem Fronteiras.


domingo, 27 de maio de 2012

Quo Vadis?

Where to Go? by Itajai de Albuquerque
Where to Go?, a photo by Itajai de Albuquerque on Flickr.

Centro de Londres, 2012

Nanomedicina: Medicamentos Emergentes do Século XXI

"A aplicação da nanotecnologia no processo de desenvolvimento de medicamentos permite que os pesquisadores projetem e desenvolvam produtos farmacêuticos na escala nanométrica. Em virtude do seu tamanho e propriedades de superfície únicos, as nanopartículas são também capazes de direccionamento ativo para as células doentes, a fim de entregar drogas em uma concentração mais elevada. Essa propriedade de direcionar a molécula da substância para um alvo permite a redução de efeitos secundários, prevenindo ou reduzindo a interação com as células normais. A administração de drogas através de nanopartículas permite a manipulação da absorção, distribuição, metabolismo e eliminação (ADME) de drogas e aumenta o efeito terapêutico global".

O artigo completo Nanomedicine: Emerging Therapeutics for the 21st Century pode ser acessado na íntegra, clicando aqui.

Sabedoria Rabínica


Rabi Eleazar, filho de Azarias, disse: Podemos passar sem a ciência, mas não sem a inteligência; e quando sem a inteligência, de jeito algum passaremos sem a ciência. Porque até se pode ficar sem pão, mas não sem a Torah; e quando sem a Torah, de modo algum sem pão.

(Máximas Rabínicas. Livro III, 21)

Moral da história: Ciência, inteligência, Torah e alimento são imprescindíveis ao homem.

Adaptado do francês pelo blogger, a partir de citação de Joseph Toledano em Une Histoire de Familles. Editions Ramtol. Jerusalem, sd.

sábado, 19 de maio de 2012

Mortalidade Materna Em Queda no Brasil


Em termos comparativos, no decêncio 1990-2010, o relatório Tendências da Mortalidade Materna: 1990 a 2010 informa que a mortalidade materna no Brasil involuiu de 120 para 56, representando uma queda de  51%.  Em que pese o descenso virtuoso na curva de mortes maternas, que expressa o efeito de um agregado causal de iniquidades operando sobre o mais belo momento das espécies, ainda resta ao Brasil muito trabalho para alcançar a meta de reduzi-la em 75% até 2015, de modo a cumprir a meta de reduzir em 3/4 a mortalidade materna entre 1990-2015, conforme previsto nos Objetivos do Milênio que foram pactuados entre os estados membros da Organização Mundial da Saúde.

Nanotecnologia Sem Tecno-Romantismos

Divisor
 Divisor



Nada é estável no mundo: o alvoroço é a nossa única música.
poeta John Keats, em carta ao irmão (1818)

O termo nanomedicina gramaticalmente é uma composição por aglutinação. O signficado do termo não remete, entretanto, à definição de uma subespecialidade médica, mas sim à aplicação da nanotecnologia no desenvolvimento de soluções aplicáveis às questões da medicina. É, portanto, um campo do conhecimento de extensa transversalidade criadora, que progressivamente sai da zona cinzenta da fronteira tecnológica e se consolida como inovadora para o mercado, aos moldes shumpeterianos.
Neste primeiro semestre de 2012, foi publicado no Journal of Drug Delivery - uma publicação científica de acesso aberto - o interessante artigo Nanotechnology and Medicine: From Inception to Market Domination, assinado por um grupo de pesquisadores dos EUA e Itália. Trata-se de um artigo fundamental, ao modo de roadmapping, que consolida questões importantes relacionadas a pesquisa, ao desenvolvimento e a inovação nanotecnológica e o mercado de produtos de saúde. 
Nesse sentido, os autores se propõem a descrever decisões financeiras e estratégicas de nanomedicina em fase de arranque para chegar ao mercado com sucesso, de modo a construir e manter uma vantagem competitiva defensável frente a outras tecnologias. Esse processo envolve a avaliação detalhada dos potenciais econômicos dos produtos finais, em que se incluem pesquisas para identificar segmentos de mercado, tamanho, estrutura e concorrentes, assim como a definição do momento de entrada possível no mercado e a fração de comércio que as empresas podem realisticamente alcançar em diferentes horizontes temporais. 



O fato concreto é que a nanotecnologia está na agenda de interesses estratégicos dos governos nacionais e recursos de investimentos, não raro binacionais, têm sido regularmente publicizados na imprensa leiga, tanto no que respeita ao aporte financeiro à linhas de pesquisa e desenvolvimento, ou a estruturação de centros de pesquisa nanotecnológica. Calcula-se que o investimento global em nanotecnologia, incluindo os setores público e privado, supere a cifra espetacular de 13 - 14 bilhões de dólares ano. EUA, União Européia, Alemanha, Japão, Coréia do Sul e a República Popular da China são os que mais expandem seus financiamentos para levar produtos nanotecnológicos ao mercado. 

 Number of nanotechnology patents published by the US Patent and Trademark Office (USPTO), European Patent Office (EPO) and Japan Patent Office (JPO) according to publication date


No caso do Japão, país onde empreendedorismo, inovação e crédito representam um princípio de estado, há nítidos movimentos no sentido de constituir uma rede internacional de pesquisa e desenvolvimento em nanotecnologia com pontos de apoio no Oriente Médio. Por sua vez, governo chinês tem demonstrado grande interesse em Nanotecnologia pelo potencial transformador da indústria das áreas médica, farmacêutica e de meio ambienteSó em termos de recursos para pesquisa e desenvolvimento de nanoalimentos, calcula-se que os chineses deverão ter investido até 2010 cerca de 20,4 bilhões dólares/ano, numa taxa avassaladora de crescimento que vai a cerca de mais de 30% ano.
E o Brasil onde fica nesse agito todo? 
O reconhecimento da nanotecnologia como área estratégica do conhecimento e portadora de futuro, no horizonte econômico de médio e longo prazo, existe desde o governo Lula, e tem sido mantido na agenda governamental da presidente Dilma Roussef. Decorridos quase uma década foram organizados dez Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) com foco em Nanotecnologia. Entretanto, o calcanhar de Aquiles da iniciativa governamental resulta de pelo menos dois tendões enfraquecidos, que também funcionam em outras áreas como freio à aceleração do investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação: o desânimo do empresariado brasileiro para o empreendedorismo científico e a baixa produção de patentes, ambos tendências históricas de retração para o Brasil tornar-se jogador global em dois  cenários de permanente instabilidade criadora: a ciência e o mercado.
No governo Lula, o Brasil buscou soluções econômicas com matizes neokeynesianos, tirando do estado de pobreza, por meio de programas de transferência de renda e a criação de 18 milhões de novos postos de trabalho, um contigente de brasileiros equivalente a população da Argentina. É tempo do governo Dilma agregar ao programa de desenvolvimento do país estratégias shumpeterianas que impulsionem ao mercado a ciência e a tecnologia que vêm se acumulando na academia, ainda que a conjugação de Keynes e Shumpeter, no atual cenário internacional da economia, seja um desafio para poucos.

sábado, 5 de maio de 2012

O que Vemos Independe do que Acreditamos?

No que respeita a relação entre observador e objeto, aprendi outro dia uma pergunta que nos questiona se o que vemos independe do que acreditamos. O questionamento porta uma inquietação fascinante, pois dimensiona que o registro fotográfico não deriva da situação topográfica do observador, ou do ângulo em que enquadrou o objeto para registro. Está para além disso, porque situa o ato fotografíco no contexto de um duplo ato político e ideológico: no registro de quem o faz  e na reação de quem o olha. Em literatura, tem correspondência com a metáfora de Júlio Cortázar, quando certa vez disse que ler é sobretudo por o dedo no gatilho. No dizer de Cortázar ler é tomar posição para a ação, que principia na relação estabelecida entre o autor e o leitor. 
A fotografia em definitivo incorporou-se ao cotidiano na medida em que foi absorvida como inovação incremental dos aparelhos para telefonia móvel. Aparelhos celulares e uma variedade de substratos físicos e voláteis, como as páginas eletrônicas na rede mundial de computadores, usadas para registro das imagens registradas estão disponíveis para os usuários. Nesse contexto, nunca o instantâneo (still) foi tão soberano quanto nesses quase dois séculos de uma tecnologia a serviço de uma arte que, por natureza e finalidade, responde à inquietude e à velocidade da modernidade e do capitalismo.  Bem exemplifica esses dois imperativos históricos à fotografia, o campo de teste que representou a Guerra do Afeganistão para a Canon 5D MII e a ligeira G10 da mesma marca, apesar do equipamento fotográfico com melhor desempenho de resistência tenha sido a do iPhone, por ser selado e resistir ao empoeiramento próprio da região.
Em sendo o fotográfico ideológico para quem o registra e para quem o observa, a memória representa seu espaço de resistência e de translação entre gerações. Cada indivíduo em potencial representa um potencial de transporte da imagem, ao modo como Ray Bradbury  descreveu com relação aos livros numa sociedade totalitária, no clássico da ficção científica Fahrenheit 451. Indaguei-me então quais seriam as imagens fotográficas representativas de testemunho de violência, observadas entre a minha infância tardia e a idade adulta, mas sempre contemporâneas, que eu seria capaz de extrair de memória de imediato, sem reflexão, ao modo parecido com aquele teste associativo de palavras.  Como expressão do poder da fotografia e confirmante da relação ideológica perene entre fotógrafo e observador, foram essas as que emergiram da memória:

Guerra do Vietnã, conforme a vi nas páginas da revista Cruzeiro, ainda menino



A destruição à bomba dos Budas Bamiyan (Afeganistão) pela milícia Talebã. O conjunto dessas estátuas foi considerado Patrimônio da Humanidade. O ato destrutivo desses milicianos revela a insubsistência secular da palavra frente a intolerância e a violência do sectarismo religioso.


O Pará como expressão nacional violências no campo: Serra Pelada e o Massacre de 21 trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás seguem gritanto por justiça social, no registro de Sebastião Salgado.


 



sábado, 28 de abril de 2012

Um Legado É um Legado: O Governo LULA e a Mortalidade Infantil

Em dez anos o número de óbitos de crianças menores de um ano, para cada mil nascidas vivas, caiu de 29,7% para 15,6%. Isso representa um decréscimo de 47,6% na taxa brasileira de mortalidade infantil. A maior queda verificada ocorreu no Nordeste - de 44,7 para 18,5 óbitos -, apesar de ainda ser a região com o maiores índices. O Sul manteve os melhores indicadores em 2000 (18,9‰) e 2010 (12,6‰).


A expressiva redução é explicada pelo IBGE pela concorrência de diversos elementos relacionados a políticas públicas adotadas no Brasil, nos últimos 10 anos: em especial ao aumento do salário mínimo e a ampliação dos programas de transferência de renda, direcionados principalmente à parcela mais pobre da população.

Nesse caso a redução da mortalidade infantil expressa que o Brasil no período se tornou um país menos desigual. 
O dados divulgados foram obtidos no Censo 2010, realizado com a participação de aproximadamente 190 mil recenseadores, que visitaram os mais de 5.565 municípios brasileiros entre 1º de agosto a 31 de outubro de 2010.

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Texto construído a partir de informações publicadas pelo portal do Governo Federal, IBGE, UOL e outras páginas da internet.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Economia É Causa para Aumento da Malária

Escreveram que o aumento mundial dos casos de malária estaria relacionado ao aquecimento global. Eu particularmente descri dessa afirmação reducionista para o fato. Hoje vi confirmada minhas suspeitas com a publicação de artigo no Malaria Journal, assinado por uma equipe de pesquisadores norte-americanos. 
O estudo é uma revisão sistemática da literatura científica mundial, de artigos publicados em inglês, francês e espanhol sobre as causas da recrudescência da malária. Os revisores identificaram cerca de 75 episódios em 80 anos de revisão da literatura, em diferentes partes do planeta. 
A conclusão foi de uma clareza absoluta e serve de evidência para o fortalecimento da gestão do combate à malária: 
  • 91% dos episódios de ressurgência registrados na literatura mundial foram relacionados ao enfraquecimento dos programas de prevenção e controle da malária, principalmente por  restrições de financiamento. 
  • 50% desses episódios foram atribuídos ao aumento do potencial para a transmissão da malária.
  • 30% foram relacionados ao mosquito transmissor ou a resistência do Plasmodium a medicamentos.
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O artigo Malaria Resurgence: A systematic review and assessment of its cause (Ressurgência da Malária: Uma Revisão Sistemática e Avaliação de suas Causas) tem acesso livre no Malaria Journal desta semana.

O Desperdício e a Miséria da Fome.

Na década de 80, Dom Helder Câmara (1909 - 1999) gravou no belíssimo disco de Milton Nascimento - A Missa dos Quilombos -, um libelo contra a miséria e a fome, pedindo intercessão de Maria de Nazaré pelos homens. Registrava para a história o Arcebisto Emérito de Olinda, que só não venceu o Nobel da Paz por conta de uma operação internacional montada pela ditadura militar que governava o Brasil:
Basta de alguns tendo que vomitar para comer mais e 50 milhões morrendo de fome num só ano.
Passados mais de trinta anos da gravação do disco, o cenário da fome no mundo mudou para pior. Hoje, contudo se sabe que o abismo que separa os saciados dos famélicos tem origem multicausal.  Reconheçamos algumas delas:
1. DESPERDÍCIO, relacionado a precariedade tecnológica para conservação de alimentos e a falta de educação popular quanto ao aproveitamento dos alimentos: 
  • 42% da perda de alimentos acontece tem origem domiciliar, segundo a FAO. 
  • 180 milhões de toneladas de comida por ano são desperdiçados a cada ano, só nos EUA e União Européia. 
  • Na União Européia o desperdício anual de alimentos chega a 179 kgs/pessoa.
  • Calcula-se que no mundo, até 2020, o desperdício de comida aumentará em 40%, a menos que medidas preventivas e corretivas sejam de imediato implementadas pelos governos.
2. FALTA DE CONSENSO INTERNACIONAL, que reconheça a fome e a insegurança alimentar não como produto da escassez de produção de alimentos em relação ao aumento da população mundial, em especial aquela residente nos países mais pobres e em desenvolvimento:
  • A produção mundial de grãos aumentou de 824 milhões de toneladas em 1960 para cerca de 2,2 bilhões de toneladas em 2010.
  • 27 milhões de toneladas tem sido adicionados à produção mundial de alimentos a cada ano. Se a produção agro-global continuar nesta tendência, o aumento na produção de grãos em 2050, comparada com os números de hoje, será suficiente para alimentar a população do mundo.
  • Apesar das perdas - 14% da produção total pós-colheita; 15% na distribuição e no lixo doméstico -, três quintos da oferta total necessária até 2050 poderiam ser alcançados se acaso os países centrais ou hegemônicos parassem de desperdiçar comida.
  • É mínimo o desperdício de alimentos nos países em desenvolvimento, e qualquer desperdício de alimentos nesses países é devido principalmente a ajustes fiscais e a insuficiência técnica e tecnológica ao longo de toda a cadeia nacional de produção de alimentos. 
  • Hoje a FAO calcula que 963 milhões de pessoas passam fome no mundo, o que corresponderia a 72 % da população da China.
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* Dados procedentes da Resolução do Parlamento Europeu, de 19 de janeiro de 2012, sobre como evitar desperdício de alimentos: Estratégias para aumentar a eficiência da cadeia de produção de alimentos na União Européia ( European Parliament resolution of 19 January 2012 on how to avoid food wastage: strategies for a more efficient food chain in the EU).

**  O sermão de Dom Helder:




segunda-feira, 23 de abril de 2012

Doenças Infecciosas Negligenciadas: México e Texas Compartilham o Legado da Pobreza

As regiões sul dos Estados Unidos e norte do México não só compartilham uma fronteira, também compartilham história, cultura e idioma. Mediante o trânsito constante de pessoas e bens, a região de fronteira EUA - México (na qual a parte texana representa uma grande proporção) pode ser considerada uma única unidade epidemiológica, com suas próprias dificuldades e desafios. Embora o México e Texas tenham se beneficiado do desenvolvimento económico e, com isso, obtido melhorias na expectativa de vida e de saúde pública globalas doenças do grupo de infecções conhecidas como  doenças infecciosas negligenciadas (DIN) ainda continuam altamente endêmicas em ambos os lados da fronteira entre os dois países. 
As DIN são as infecções mais comuns entre os mais pobres, e em especial entre aqueles que vivem com menos de U$ 2 por dia, afetando a cerca de 120 milhões de pessoas nas Américas. Nesse grupo estão incluídos flagelos antigos como a ancilostomíase e outras infecções transmissíveis por helmintos, a doença de Chagas, a amebíase, a esquistossomose,  a malária, a leishmaniose e a dengue. Juntas as DIN produzem uma carga de doença que impacta todo o hemisfério ocidental, observando-se que em certas regiões chega a ultrapassar a HIV / AIDS, enquanto, simultaneamente, contribui para que 100 milhões de pessoas sejam mantidas na base da linha de pobreza da América Latina, em consequência dos efeitos deletérios dessas doenças sobre o desenvolvimento físico e intelectual das crianças , sobre a evolução da gravidez e do puerpério e sobre o trabalho e a produtividade.
A alta prevalência e incidência das principais DIN no México e sul do Texas representam uma oportunidade de cooperação conjunta entre os dois países para enfrentar aquelas de condições mais elevadas de prevalência, especialmente doença de Chagas, leishmaniose, a dengue e as infecções transmitidas por helmintos do solo. As estatísticas de cada uma destas DIN apontam para a urgência de adotar programas de vigilância ativa com base em estudos de soroprevalência e de diagnóstico em ambos os lados da fronteira.
Há uma necessidade igualmente urgente para determinar os principais mecanismos de transmissão, que, para a doença de Chagas, também incluem a transmissão de cães e outros caninos, estudos de estimativas da extensão da infecção congênita e a incidência de infecção adquirida através de transfusão de sangue. Entre as recomendações sugeridas recentemente para o controle da doença de Chagas no Texas, está a necessidade de tornar a compulsória a notificação doença  (como nos estados do Arizona e de Massachusetts), de modo que possam ser realizados estudos sorológicos de populações humana e canina, acompanhar o grau da infecção pelo T. cruzi em roedores e outros reservatórios selvagens zoonóticos e realizar testes de doadores de sangue e em outras populações de risco.
Programas semelhantes de vigilância e dinâmica de transmissão também são necessários para leishmaniose, a dengue e infecções por helmintos. Devido aos riscos da doença de Chagas (incluindo a doença de Chagas congênita) no México e nos EUA, há uma necessidade urgente de educar os cardiologistas, obstetras e outros profissionais de saúde quanto ao conhecimento e avaliação da probabilidade dessa e de outras doenças infecciosas negligenciadas nos agravos à saúde da população.  

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O artigo Texas and Mexico: Sharing a Legacy of Poverty and Neglected Tropical Diseases foi publicado em 27 de março de 2012, no PLOS NEGLECTED TROPICAL DISEASES. Acesse o artigo completo, clicando aqui.