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segunda-feira, 14 de novembro de 2016

A Atualidade do Professor Pirenne

    Alicja. Fotografia de Agata Serge 

 Na curvatura do tempo
o homem igual ve-se de reverso
um ponto na indecisão do geometra 
  a  desmedida que flutua no silêncio
na envergadura imprecisa, sem fim 

Estes são tempos de retorno ao sombrio, tem se dito com insistência nesses últimos anos. O avanço dos partidos conservadores, suas bandeiras eleitorais e sua assunção ao poder pelo voto ou pela força, parece devolver o mundo aos princípios dos anos 30 do século passado, a provar o artifício dos recortes cronológicos no contínuo histórico. Como havia nos alertado Hobsbawn, o longo século XX resiste estendendo com suas náuseas e angústias irresolvidas ...
Este pequeno excerto trago do livro "Lembranças do Cativeiro na Alemanha"*, em que o acadêmico belga Henri Pirenne (1862 - 1935) registra suas impressões como prisioneiro político na Primeira Guerra Mundial. Nele foram apontadas questões importantes sobre a interseção perigosa entre a técnica esvaziada de historicidade, a morte da política e a usurpação da cidadania em favor de governos reacionários e não raras vezes desumanos. 
Em tempos de projetos como "Escola Sem Partido", de propagandas oficiais do tipo "Não Fale em Crise, Trabalhe (não seria uma variante de "O Trabalho Liberta"?), das panelas que pediam golpe de estado e hoje silenciam  frente a um governo desastroso e antinacional, mas, principalmente, por ser narrativa escrita ex-ante a grande derrota humana exposta na legitimação do nazifascismo na Europa, que nos levou a II Guerra Mundial com seus milhões de mortos mediante a banalidade do mal, o texto do professor Pirenne, cem anos depois, impõe-se atual para a reflexão. Vamos até ele ... 
 
"De repente, eu descobria que depois de tantas viagens e estadas realizadas além do Reno, depois de tantas conversas com professores e de tantas sessões de congressos, eu nada adivinhara, nem mesmo suspeitara das idéias políticas de homens que, no entanto, eu me gabava de conhecer muito bem. E ao mesmo tempo começava a me dar conta das causas de meu erro. Parecia-me que, na ausência de toda espécie de vida política , o alemão acha-se confinado ao campo de sua especialidade profissional. Nela se concentram todas as forças e toda a sua atenção. Seu ideal não vai além disso. E essa concentração num objetivo, sempre o mesmo, sem dúvida confere ao trabalho o "rendimento"extraordinário que admiramos tanto na indústria quanto na erudição, do qual nada se perde. Mas todos esses homens absorvidos por uma tarefa especial deixam para o governo, que consideram também um especialista, a preocupação de dirigir  e proteger a nação. Habituados há séculos ao absolutismo, não lhes passa pela cabeça a ideia de que o Estado são eles mesmos. Fazem dele um ser em si, uma espécie de entidade mística, uma potência dotada de todos os atributos de força e inteligência. No mesmo azado, todos estão prontos a obedecer-lhe, não como cidadãos, mas como servidores. Vestindo sua túnica de oficiais da reserva, professores, magistrados, comerciantes, empresários não serão mais do que simples militares, simples instrumentos de poder que os mobilizou para seu serviço. Aceitarão deles sem a menor crítica a direção e as palavras de ordem. Pensarão como ele, porque não reconhecem em si o direito e a competência de pensar por si mesmos a não ser em seu gabinete, diante de seu auditório ou em sua fábrica. Eu me espantava muitas vezes com a aspereza e a violência das polêmicas científicas na Alemanha. Não se deveria buscar-lhe a causa na importância única, exclusiva que o alemão atribui a seu trabalho? Tão logo o Estado o arranca dele, esse homem tão arrogante diante de seus colegas ou de seus concorrentes não pensa em outra coisa senão em obedecer passivamente à disciplina. Entrega-se com confiança à força que o impulsiona, e muito naturalmente, para justificar sua obediência aos próprios olhos, glorifica o senhor a quem serve. Repete docilmente as lições que recebe dele, consagra-se à apologia de sua conduta, aceita todas as suas ambições e realiza de antemão todas as suas esperanças."

*Pirenne, Victor. Lembranças do Cativeiro na Alemanha: Março de 1916 a Novembro de 1918. Edusp, 2015.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

As Histórias em Quadrinhos Vão ao Museu

HQ representa um instrumento interessante para a difusão do conhecimento. Nos últimos anos tem sido frequente o lançamento de livros na forma de narrativa gráfica, abordando diferentes temáticas, desde temas filosóficos, de história e de ciência a biografias. Este acesso que descobri na rede mundial de computadores, enquanto buscava hoje um outro tipo de fonte bibliográfica, interessa principalmente aos fãs do gênero. Divirtam-se no  The Digital Comic Museum

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Doenças Infecciosas Negligenciadas: México e Texas Compartilham o Legado da Pobreza

As regiões sul dos Estados Unidos e norte do México não só compartilham uma fronteira, também compartilham história, cultura e idioma. Mediante o trânsito constante de pessoas e bens, a região de fronteira EUA - México (na qual a parte texana representa uma grande proporção) pode ser considerada uma única unidade epidemiológica, com suas próprias dificuldades e desafios. Embora o México e Texas tenham se beneficiado do desenvolvimento económico e, com isso, obtido melhorias na expectativa de vida e de saúde pública globalas doenças do grupo de infecções conhecidas como  doenças infecciosas negligenciadas (DIN) ainda continuam altamente endêmicas em ambos os lados da fronteira entre os dois países. 
As DIN são as infecções mais comuns entre os mais pobres, e em especial entre aqueles que vivem com menos de U$ 2 por dia, afetando a cerca de 120 milhões de pessoas nas Américas. Nesse grupo estão incluídos flagelos antigos como a ancilostomíase e outras infecções transmissíveis por helmintos, a doença de Chagas, a amebíase, a esquistossomose,  a malária, a leishmaniose e a dengue. Juntas as DIN produzem uma carga de doença que impacta todo o hemisfério ocidental, observando-se que em certas regiões chega a ultrapassar a HIV / AIDS, enquanto, simultaneamente, contribui para que 100 milhões de pessoas sejam mantidas na base da linha de pobreza da América Latina, em consequência dos efeitos deletérios dessas doenças sobre o desenvolvimento físico e intelectual das crianças , sobre a evolução da gravidez e do puerpério e sobre o trabalho e a produtividade.
A alta prevalência e incidência das principais DIN no México e sul do Texas representam uma oportunidade de cooperação conjunta entre os dois países para enfrentar aquelas de condições mais elevadas de prevalência, especialmente doença de Chagas, leishmaniose, a dengue e as infecções transmitidas por helmintos do solo. As estatísticas de cada uma destas DIN apontam para a urgência de adotar programas de vigilância ativa com base em estudos de soroprevalência e de diagnóstico em ambos os lados da fronteira.
Há uma necessidade igualmente urgente para determinar os principais mecanismos de transmissão, que, para a doença de Chagas, também incluem a transmissão de cães e outros caninos, estudos de estimativas da extensão da infecção congênita e a incidência de infecção adquirida através de transfusão de sangue. Entre as recomendações sugeridas recentemente para o controle da doença de Chagas no Texas, está a necessidade de tornar a compulsória a notificação doença  (como nos estados do Arizona e de Massachusetts), de modo que possam ser realizados estudos sorológicos de populações humana e canina, acompanhar o grau da infecção pelo T. cruzi em roedores e outros reservatórios selvagens zoonóticos e realizar testes de doadores de sangue e em outras populações de risco.
Programas semelhantes de vigilância e dinâmica de transmissão também são necessários para leishmaniose, a dengue e infecções por helmintos. Devido aos riscos da doença de Chagas (incluindo a doença de Chagas congênita) no México e nos EUA, há uma necessidade urgente de educar os cardiologistas, obstetras e outros profissionais de saúde quanto ao conhecimento e avaliação da probabilidade dessa e de outras doenças infecciosas negligenciadas nos agravos à saúde da população.  

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O artigo Texas and Mexico: Sharing a Legacy of Poverty and Neglected Tropical Diseases foi publicado em 27 de março de 2012, no PLOS NEGLECTED TROPICAL DISEASES. Acesse o artigo completo, clicando aqui.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Pesquisa e Inovação no Brasil

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em seu Relatório Mundial de 1998, no início deste novo milênio vivemos um momento único de evolução tecnológica acelerada, nunca visto na história dos cuidados de saúde. Como exemplo dessa tendência, o Conselho Sueco de Avaliação de Tecnologias em Saúde (SBU) enfatiza que, pelo menos, 50% de todos os métodos terapêuticos em uso não estavam disponíveis há dez anos.
No que respeita às ciências biomédicas, tem-se observado tendência dos centros de conhecimento internacionais de ignorar as doenças de maior prevalência na humanidade, fornecendo recursos financeiros para pesquisa e desenvolvimento para produtos que geram maiores ganhos econômicos, claramente descritos pelo chamado 10 / 90 Gap. 
Esse efeito de viés de mercado na alocação de recursos para pesquisa científica nos países centrais termina por levar a uma insuficiência histórica na alocação de recursos para financiamento de estudos relacionadas às doenças negligenciadas, que afetam a maioria dos países pobres e em desenvolvimento, como é o caso daqueles que integram o grupo dos BRICS.
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O artigo Research and Innovation in Brazil, publicado em 2008 pela organização não governamental Global Forum, traz questões importantes sobre a política de pesquisa e inovação tecnológica em saúde no Brasil, correlacionando-a ao desenvolvimento de uma agenda internacional de cooperação no âmbito dos BRICS. Acesse por aqui texto completo.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

(Des) Semelhanças na Produção Científica dos BRICS

O padrão de publicação científica nas quatro economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China está se tornando cada vez mais próximo ao de países desenvolvidos do G7. Para chegar a essa conclusão, pesquisadores de cientometria selecionaram artigos publicados em uma ampla gama de disciplinas, nos anos de 1991, 2000 e 2009, e descobriram que a produção científica dos BRICs mudou gradualmente, para mais se assemelham aos países do G7.
Dos quatro países incluídos no grupo BRICS, foi observado que a China, em particular, havia diversificado sua produção científica, de maneira a obter um maior equilíbrio que se ajustasse ao rápido crescimento econômico que o país experimentava naqueles anos. Seus avanços em Matemática, Física e Engenharia permitem fazer associações com a política de desenvolvimento desse país.
O estudo também demonstrou que
após a Segunda Guerra Mundial, a China, Rússia e países do Leste Europeu deram atenção sustentada para a pesquisa básica, inclusive na ciência nuclear. Uma exceção a essa tendência é o Brasil. Enquanto os Estados Unidos e a Grã-Bretanha continuam líderes nas ciências da vida, o Brasil aumentou seus trabalhos publicados nessa área do conhecimento em 50 a 70 por cento.
Segundo Yang, um dos autores do estudo publicado na revista Scientometrics (14/03), "O Brasil tem sido tradicionalmente forte em biotecnologia e o governo do país tem estimulado o seu desenvolvimento". "Além disso, o Brasil é mais aberto para cooperar com o Ocidente e aprender com suas experiências, o que é diferente da ênfase chinesa em 'inovação auto-dependente".
Não há contudo consenso quanto a robustez dessas considerações. Para o pesquisador belga Ronald Rosseau, estudos sobre o comportamento dos BRICS na produção científica deveriam considerar não apenas a produção nacional de artigos científicos publicados, e sim associar a essa variável outras referentes à qualidade ou à eficácia dessas investigações, descrevendo qual seria o correspondente impacto social do que foi publicado.
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Adaptação do texto publicado no SciDev - Net. Em inglês e completo acesse-o aqui

Robôs na Medicina: O Quanto É Próxima a Fronteira?


Enquanto isso na sala de cirurgia:
- Como vocês podem ver, eu operei com instrumentos que atravessaram os tecidos por via da 4a. dimensão! Observem como esta cápsula curativa, em contato com o fórceps, também ajusta sua forma a quarta dimensionalidade...
(Adventure Comics, n. 303/1960)

Uma das fronteiras descritas pela ficção científica, na literatura e no cinema, são os robôs. É um mito que remete tanto a superação da queda no Gênesis, quanto ao esforço humano em superar-se rumo à imortalidade.
Em que pese estejamos distantes do pesadelo científico, narrado em Blade Runner (Caçador de Andróides), o uso dessas tecnologias em Medicina tem alcançado significativos avanços, especialmente em cirurgia.
Cabe porém salientar que o futuro da medicina robótica ( mais um campo de especialidade médica!) tem ainda um longo caminho à frente, que será pavimentado com base na aceitabilidade dos custos, na eficiência do treinamento de pessoal a ser especializado e na comprovação de que os resultados obtidos com o seu uso sejam, em termos de segurança e eficácia, superiores aos métodos convencionais. 
Na linha desse debate, e como introdutório a um tema que de rotina é explorado apenas como curiosidadade nas páginas de divulgação científica, recomendo o artigo de revisão Robotic Surgery (Cirurgia Robótica), publicado no BJOG An International Journal of Obstetric and Ginecology.

domingo, 1 de abril de 2012

Câncer, o Permanente Desafio

Anos atrás, para fins didáticos, alguém que esqueci o nome definiu o câncer como comparável aos eventos revolucionários: O câncer é a revolução das células, foi dito. Apesar de superficial, a comparação não apresenta uma relação em si descabida, se considerarmos que em ambas as situações a ordem regular dos eventos e seus processos estão alterados para que uma situação nova e antagônica - desafiadora - se estabeleça no lugar de outra antiga. 
O fato é que o câncer se inicia a partir do momento em que uma célula modifica a fisiologia da divisão celular e principia um crescimento desordenado, levando a um desequilíbrio que alcança o máximo no momento em que os limites de localização tecidual são quebrados e a célula evadida é deslocada para outros lugares do organismo, o que a Biologia Celular denomina de metástase.
Mas, se há anarquia na divisão celular, de onde exatamente surge a ordem para o desregramento que até hoje desafia o controle resolutivo da doença,  e, mais ainda, quando a neoplasia maligna não mais pode ser considerada localizada, porque distribuída em outros orgãos do ser vivo?
A resposta não é simples, embora saibamos que o câncer é uma doença genética devido ter origem no dano à integridade do DNA, lesão que pode ser provocada por inúmeros fatores e cofatores, aos quais em alguns casos - para aumentar o tamanho da encrenca - também se associam a predisposição familiar e individual.
Segundo pesquisa conduzida por pesquisadores do UK London Research Institute o evento ordenador dessa revolução é extremamente complexo, origina pluralidades e se faz presente durante toda a dinâmica da doença, o que nos obrigaria reconhecer a validade do termo cânceres ao invés de câncer, visto que essa última flexão apontaria para uma singularidade que a rigor inexiste.
O artigo Intratumor Heterogeneity and Branch Evolution Revealed by Multiregion Sequency, publicado em 08 de março na revista The New England Journal of Medicine, foi resumido e explicado de forma brilhante por "Henry" no Science Update Blog daquele instituto de pesquisa. O estudo possui relevância para a avaliação do paradigma terapêutico vigente, porque sua conclusão possui potencial portador de futuro em termos de desenvolvimento de tecnologias inovadoras para o diagnóstico e o tratamento de neoplasisas malignas, de modo que possamos reverter as curvas de mortalidade, em especial nos casos em que o oncologista não confronta a doença localizada.
Segundo os pesquisadores do centro de pesquisa inglês, não existem duas amostras geneticamente idênticas em um mesmo paciente da série analisada, nem mesmo entre as células do tumor original. Por sua vez, as células secundárias (metástases) também foram do ponto de vista genético significativamente diferentes daquelas relacionadas ao local primário da doença. 
Essas evidências permitiram aos pesquisadores concluírem que há marcante heterogeneidade genética no tumor, nas metástases e entre ambos, conclusão semelhante a aquela descrita por Xiaochong Wu e colaboradores, que em artigo publicado na Nature demonstraram que as células secundárias ou metastáticas de um tumor de células imaturas, o meduloblastoma, são geneticamente diferentes de suas congêneres encontradas no tumor primário. 
Ambas as pesquisas, portanto, trazem de forma contundente questões que confrontam nossos paradigmas quanto ao diagnóstico e aos protocolos clínicos para tratamento efetivo dos cânceres. Por outro, devemos considerar que os resultados descritos em ambos os estudos estão perfeitamente correlacionados com a Teoria da Evolução, estabelecida por Charles Darwin no século XIX. 
Se considerarmos esses eventos celulares à luz darwinista, haveremos de reconhecer que estão em acordo com o fundamento de que a evolução é fenômeno indissociável do processo vital,  existe não somente entre espécies distintas, mas dentro de uma mesma espécie e, conforme as evidências acima descritas, num mesmo indivíduo, nas suas células, mesmo que sejam cancerígenas. Ou seja, a evolução além de permanente é tão vertical quanto horizontal, no sentido mais extensivo que possamos admitir.
Por essa razão a extrema heterogeineidade genética descrita pelos pesquisadores ingleses, não pode ser entendida senão como fosse estratégia  celular de sobrevivência à diversidade do meio, conforme exemplificado no Science Update Blog:
Isto é muito desafiador: tumores malignos são capazes de lidar com substâncias químicas que eles nunca "viram" antes. São uma espécie de superpotência biológica que superam as estratégias adaptativas dos agentes causadores de doenças infecciosas. Basta para isso pensarmos o tempo que bactérias "resistentes a múltiplas drogas" levaram para evoluir. No entanto, células cancerígenas podem fazer isso em questão de meses, ou mesmo semanas, quando confrontadas com um meio ambiente tornado hostil pela quimio ou radioterapia. 
Assim, em primeiro plano,  aqui temos um monstruoso desafio só comparável àquele que Édipo decifrou nas portas de Tebas, ao encarar a temível Esfinge: se os cânceres são doenças capazes de levar à morte, no fundo, em nível celular e molecular, são os mecanismos adaptativos de proteção à vida que continuam a operar para garantir cegamente esse desfecho mortal. Como interromper essa lógica cruel que confronta o ser pluricelular e o conhecimento, esse representa nosso maior desafio no campo das ciências.

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Referências citadas: 

Gerlinger, M. et al (2012). Intratumor Heterogeneity and Branched Evolution Revealed by Multiregion Sequencing. New England Journal of Medicine, 366 (10), 883-892.

Science Update Blog


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Literatura e Loucura na Confraria dos Bibliófilos

Eu lhes confesso nesse caso minha ignorância: dessa senhora nunca tinha ouvido falar antes. Nem mesmo em conversas com amigos mineiros, ou com o paraense e mineiro-honorário Rômulo Paes, meu amigo desde muitos anos. Daí que ao receber a publicação de fim de ano da Confraria dos Bibliófilos, que coincide com a comemoração dos dez anos da associação, fui surpreendido pela prosa de Maura Lopes Cançado e, depois, na medida em que a lia, pelas consultas que fiz, sensibilizado pela vida sofrida que teve enquanto esteve entre nós, profunda e tragicamente marcada pelo transtorno mental, a exclusão e a violência por regra associadas.
Dona de uma produção literária enxutíssima - publicou Hospício é Deus (1965, José Álvaro Editor) e o Sofredor do Ver (1968, José Álvaro Editor) -, admirada por escritores de nosso cânone literário - de Ferreira Gullar a Clarice Lispector - ao mesmo tempo que se me revelou como obra confessional, conclui que Sofredor de Ver desvela ao leitor do século XXI uma autora encoberta de forma injustificável pelo mainstream cultural do país, que no entanto soube apreciar e difundir a inquietante arte de Antonio Bispo do Rosário, de merecida fama.
A obra de Maura Lopes Cançado, afora a luxuosa edição de 501 exemplares dos sócios da Confraria, está esgotada. Edições anteriores são vistas, contudo, com alguma sorte nos sebos brasileiros, que sabedores da raridade e da importância chegam a cobrar até R$300 reais por volume, quando autografado. Por outro lado, na academia, não menor é a raridade de estudos sobre a prosadora mineira. Nesse campo, destaco a tese de doutorado Narrativas e Sobreposições: Notas sobre Maura Lopes Cançado (Unicamp, 2010), tese de Maria Luísa Scaramella, que elude questões importantes sobre a vida e a obra daquela autora.
Em tempos que o Ministério da Saúde repensa a política pública de atenção psiquiátrica no Brasil, a leitura de Sofredor do Ver nos obriga a de novo refletir sobre questões importantes, apontadas com agudeza nesse livro, mas de antes já registradas no Diário do Hospício e Cemitério dos Vivos (Lima Barreto. Cosac Naify, 2010), Diário de um Louco (Gogol) e filmes como os documentários Titicuts Follies (Wiseman. EUA, 1967) e Dizem que Sou Louco (Chnaiderman. Brasil, 1994) e o hit da década Bicho de Sete Cabeças (Bodanzki. Brasil, 2001).
Com respeito a exclusão e a violência registradas nos escritos de Maura Lopes Cançado, entre tantas sofridas, destaco esta reflexão que para mim é entre todas a superior e mais vil, pois testemunha o desfecho do poder psiquiátrico no despojamento da identidade do indivíduo como ser e pessoa :
Terminarei pela vida como essas malas de viajantes que visitam vários países e em cada hotelpor onde passam lhes pregam uma etiqueta: Paris, Roma, Berlim, Oklahoma. E eu: PP, paranóia, esquizofrenia, epilepsia, psicose maníaco-depressiva, etc. Minha personalidade será sufocada por etiquetas científicas.Pois assim transcorreram tumultuários os seus dias, com recebimento de rótulos até o fim. Quando vítima de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica faleceu aos 61 anos, interna em sanatório no Rio de Janeiro, já haviam lhe acrescido a aquele etc do parágrafo anterior o grave título de louca homicida. Vivia nesse tempo no mais absoluto anonimato e nem mais escrevia.

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O livro Sofredor de Ver, publicação da Confraria dos Bibliófilos, foi ilustrado por Manu Maltez. Algumas das ilustrações encartadas no livro podem ser vista no blog do premiado artista gráfico.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O Imperativo Diagnosticista e o Desafio da Solução

Iniciei a leitura de "Em Defesa das Causas Perdidas" ( Boitempo Editorial, 2011), de Slavoj Zizek, por conta de um artigo sobre Heiddeger que integra o volume. Tenho interesse na influência do pensamento heiddegeriano nas questões tecnológicas, e além do mais vi-me atraído pela elegância dos primeiros parágrafos em que o autor inicia a sua tarefa, a partir da citação de alguns contos de Chesterton.
Todavia a impressão que Zizek em mim causou não foi das melhores, exatamente porque pretende fazer uma crítica cultural do Ocidente e apontar responsabilidades em Deus, no mundo e até em raimundos como Platão, Brecht, Sartre, Foucault e outros ilustres que forem passando, incautos, defronte ao seu ágora pós-moderno. E, o pior - passent tous - sem demorar-se numa necessária análise de evidência.
Fique claro, sem dúvida, que o charm brilha de pronto em algumas ribaltas que o apreciam, e o engrandecem por obra de animadores que apresentam-se tolerantes quanto ao que lhes é servido em tábula rasa. Como soem fosforecer os best-sellers e, em termos de cinema, os filmes blockbusters sazonais.
Pois vem daí grande parte da minha reatividade ao texto, pois não é do meu estilo sentar o pau em tudo e em todos e ficar por isso mesmo, atracado no conforto do salva-vidas do conceito de intelectualidade - alías outro alvo da iconoclastia do psicólogo Zizek - enquanto outros, que eu virei a criticar depois, danam-se em busca de soluções.
Porém tenho de reconhecer algo de proveitoso no capítulo que li; quando Zizek exercita o diagnóstico sobre uma questão aguda da política internacional da atualidade, com base no embate entre direita e esquerda nos espaços (trans) nacionais de poder. Diz ele, e com razão, sem aprofundar na complexidade do objeto que analisa, mas atento ao pontapé inicial para um debate que além de pertinente é justo:
Assim, quando os esquerdistas deploram o fato de que hoje só a direita tem paixão, só ela consegue propor um novo imaginário mobilizador, e que a esquerda só se dedica à administração, o que não veem é a necessidade estrutural do que percebem como mera fraqueza tática da esquerda. Não admira que o projeto europeu, amplamente debatido hoje, não consiga despertar paixões: em última análise, é um projeto de administração, não de compromisso ideológico. A única paixão é a reação da direita contra a união da Europa; nenhuma das tentativas da esquerda de infundir paixão política na noção de uma Europa unida (como a iniciativa de Habermas e Derrida no verão de 2003), conseguiu ganhar impulso.
Não por menos se diz que o futuro na política no mundo, os loci sem dúvida são construídos excêntricos aos países da Europa e da Ásia. Tais experiências comparecem como formulação e praxis no hemisfério sul do continente americano. Há que administrá-las para que deem frutos em direitos, promovam a inclusão e o desenvolvimento econômico e social.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Saúde: Na Corda Bamba de Sombrinha

Lançado Na Corda Bamba de Sombrinha: Saúde no Fio da História, organizado por Carlos Fidelis Pontes e Ialê Faleiros. O livro é fruto de um projeto homônimo relacionado à gestão do conhecimento em saúde e propõe-se descrever "a trajetória percorrida pela sociedade brasileira na busca por melhores condições de saúde, desde o Brasil colônia até os dias atuais". Mas o mais importante em termos de difusão da obra: está disponível para leitura na página da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, sem qualquer custo.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Fiocruz Amplia Biossegurança

Fiocruz publica nova edição, revista e ampliada, de Biossegurança: uma Abordagem Multidisciplinar. A primeira edição do livro pioneiro data de 1996 e, desde então, se tornou referência nacional sobre o tema para as àreas de saúde pública, biologia e medicina experimental. Para o pesquisador Pedro Teixeira, que organizou a nova ediçãoe em parceria com Silvio Valle, os ensaios que compõem a coletânea transitam pelo tema da biossegurança, entendida como proteção ao trabalhador de saúde na pesquisa e na assistência, cobrindo também as áreas de esterelização química, proteção radiológica e organização de laboratórios de saúde pública. O livro pode ser adquirido na livraria da Associação Brasileira de Saúde Coletiva - ABRASCO.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Quem Tiver Ouvidos Que Ouça

A propósito da postagem que escrevi mais adiante, a newsletter Brasília Confidencial traz informação importante para a comunidade católica nessas eleições tanto quanto atípicas. Para ler a matéria basta clicar duas vezes sobre a imagem, que ela se expandirá. Aliás quero aqui registrar que a publicação eletrônica aqui anexada após as eleições bem mereceria premiação pelo alto nível de jornalismo que vem praticando. Aqueles que se interessarem por recebê-la podem solicitar no endereço bsbconfidencial@gmail.com.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Uma Escolha a Ser Feita

De vez em quando alguém diz que hoje se le menos, que os jovens não leem mais, que entramos, como afirmou um crítico americano, na idade do "Decline of Literacy". Eu não sei, certamente hoje as pessoas veem muita televisão, e existem indivíduos de risco que não veem nada além de televisão, assim como existem indivíduos de risco que gostam de injetar substâncias mortais na veia: mas também é verdade que nunca se imprimiu tanto quanto em nossa época, e que jamais como em nossos dias floresceram livrarias que parecem discotecas, cheias de jovens que, mesmo quando não compram, folheiam, examinam, informam-se.
O problema é antes, inclusive para os livros, o da abundância, da dificuldade de escolha, do risco de já não conseguir discriminar: é natural, a difusão da memória vegetal tem todos os defeitos da democracia, um regime no qual, para permitir que todos falem, é preciso deixar falarem também os insensatos, e até os cafajestes. Há o problema de como educar-se para escolher (...).

Extraído do livro de Umberto Eco - A Memória Vegetal e Outros Escritos sobre Bibliofilia (Record, 2010. 271 pg).

sábado, 7 de agosto de 2010

Queixas de Um Médico Cristão Novo no Recife

























Esta é a primeira edição do manuscrito do médico português Simão Pinheiro Morão, entitulado "Queixas Repetidas em Ecos dos Arrecifes de Pernambuco Contra os Abusos Médicos que Nas suas Capitanias se Observam em Dano da Vida de seus Habitadores" (1677). Foi publicado em 1965 pelo orgão governamental português Junta de Investigações do Ultramar em homenagem ao quarto centenário de fundação da cidade do Rio de Janeiro.
O doutor Simão Morão teve uma vida atribulada por ser cristão novo, sentenciado a terríveis humilhações e sofrimentos por praticar secretamente o judaísmo com sua família. Além de prisões, foi sentenciado a assistir o auto de fé do próprio pai, que nessa altura tinha 83 anos, e a usar para sempre uma roupa ridícula, o sambenito, que a Santa Inquisição impunha aos sentenciados, que assim os identificava como criminosos onde quer que fossem.
O impacto da violência sofrida pelo médico por certo corresponderia àquela sofrida por Cândido, no mesmo lugar e pelo mesmo algoz, conforme seria narrado por Voltaire anos depois em ficção homônima (1759). No livro, a certa altura Cândido lamenta-se do destino e da violência cega, depois de ser brutalizado num auto de fé que sucede ao terremoto de Lisboa (1755):
Se este é o melhor dos mundos possíveis, como não serão os outros! Se eu apenas fosse açoitado, como entre os búlgaros, ainda passava! Mas tu, meu querido Pangloss, o maior dos filósofos, ver-te enforcar sem saber por quê!
Fugindo de tais perseguições, que lhe impediam exercer a profissão em Portugal, Mourão migrou para Pernambuco, no Brasil. Em Recife reiniciou a prática clínica, apesar de ainda o torturar o uso do sambenito, pois essa roupa era para ele uma pena perpétua. Assim, quando recuperara a condição de médico, por outra persistia nele a identificação humilhante de judaizante apenado, que o perseguia nas ruas e na casa dos seus pacientes, ou aonde mais fosse.
Não suportando mais as humilhações por parte dos colonos, o médico português peticionou então ao Rei, para que o aliviasse da infame indumentária. A mercê real chegou-lhe depois de algum tempo, e animado com o perdão e o respeito readquirido, escreveu este manuscrito e um dos três primeiros livros médicos do Brasil Colônia, que é o "Tratado Único das Bexigas e do Sarampo" (1683), que, por via das dúvidas, assinou com o anagrama Romão Mosia Reinhipo. Ambos os trabalhos são clássicos da História da Medicina do Brasil e trazem no seu conteúdo não só o estado da arte da médica daquela época, mas uma visão crítica sobre os modos como a profissão era praticada.

sábado, 10 de julho de 2010

LOGICOMIX
























Foi lançada recentemente pela Editora WMF Martins Fontes a novela gráfica Logicomix - Uma Jornada Épica em Busca da Verdade, escrita por Doxiadis e Papadimitriou, com arte de Papadatos e Di Bonna. É um tema inusitado para uma forma literária que em geral explora o terror, o suspense, o erótico e a aventura. Aqui trata-se de narrar a biografia do filósofo e matemático Bertrand Russell, mas fazendo-o ao modo de um romance da ciência e da matemática no século XX. Os coadjuvantes na história são gente como Ludwig Wittgenstein, Gauss, Leibniz, Hilbert, entre outros. Vale conferir porque esses quadrinhos estiveram na lista das obras mais vendidas do New York Times e receberam recomendação entusiástica do inglês The Guardian. Nas livrarias ao preço de R$52,00 - R$65,00.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Os Desafios de João Falcão

Recebo ainda com o calor dos prelos o livro de memórias do Dr. João Falcão, homem de letras jornalísticas e de ação política, que é parte da história da Bahia. Sobre Valeu a Pena (Desafios de Minha Vida), editado pela Fundação Astrojildo Pereira e Ponto e Vírgula Publicações, duplico aqui o que escrevi certa feita sobre a obra do Autor, que por sua vez, no exercício de inestimável generosidade, inscreveu-a na contracapa de suas memórias a exemplo de comentário:

João Falcão merece referência entre nossos melhores escritores, seja porque possui o estilo cativante, com apreço pelo vernáculo, seja porque nos conta sua história de par com a história política e social da Bahia e do Brasil, sujeitando a biografia incomum à memória de seu tempo.
Nesse sentido, em literatura, a impressão que tenho é a de que João Falcão faz boa companhia a Pedro Nava e Stephan Zweig, nomes que li e tenho em boa conta no exercício da memorialística.

Aos que se interessarem pela História do Brasil, e em especial sobre a História do Partido Comunista Brasileiro (PCB), tem-se aqui um exemplo formidável para estudos, valorizadíssimo por sabemos que as informações sobre o assunto foram e estão encobertas pelo silêncio do cinismo repressor, o que agrava o necessário efêmero a que estavam obrigadas as comunicações no âmbito de um partido político, que funcionou e sobreviveu a maior parte de sua existência na clandestinidade de duas longas ditaduras.

sábado, 7 de novembro de 2009

Bioética em Nanotecnologia, a Inclusão Necessária

O livro Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente em São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal (Xamã Editora, 2007) é um estudo qualitativo que tem por objetivo construir um quadro compreensivo sobre as pesquisas nanotecnológicas no Brasil, o que em parte é obtido com entrevistas de representantes da academia, de ONG, de sindicatos, da indústria e dos governos federal e estadual. Entre as recomendações necessárias ao desenvolvimento da nanotecnologia brasileira, os autores apontaram a principalidade da Bioética, a ser garantida com a inclusão dos saberes das Ciências Humanas sobre o assunto. Os autores não excederam na ênfase, a vista do impacto, potencial e real, que essa tecnologia possui para a vida humana e, em especial, para o meio ambiente.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Moonfire

























A editora alemã Taschen publicou edição monumental para comemorar o quadragésimo aniversário da chegada do homem à Lua. O texto é assinado por Norman Mailer, um dos mais afamados escritores norte-americanos, que tem como ilustrações as melhores fotografias disponíveis sobre o feito, coletadas nos arquivos da NASA e entre colecionadores particulares. Mas o luxo sai caro, é regra. Para ter um dos 1969 exemplares publicados, o leitor terá de deixar no mínimo a conta bancária mais leve em US$ 1 mil dólares. Contudo, por generosidade do editor é possível dar uma folheada eletrônica com a garantia de equilíbrio da balança doméstica de pagamentos. Apreciem sem moderação.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Stents - Qual a Melhor Evidência Científica?

A Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA) lança o oitavo número do Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde - BRATS. O tema é Stents Farmacológicos e Stents Metálicos no Tratamento da Doença Arterial Coronariano. Acesse aqui.

domingo, 10 de maio de 2009

O Mapa Mundi da Gripe Suína

A prestigiosa revista The New England Journal of Medicine criou o H1N1 Influenza Center com o objetivo de reunir informações sobre a atual pandemia de gripe suína. Entre os recursos visuais disponíveis, um dos mais interessantes é o mapa que descreve a situação mundial e permite ao leitor assistir a progressão dos casos nos continentes, na unidade de tempo. Aqui.