domingo, 12 de dezembro de 2010

Cólera: o Velho e o Novo do Mesmo

Então com indômita violência atacou a cólera toda a cidade,
varejou as casas dos ricos e pobres, as espeluncas imundas
como os palácios asseados;
antes que o mês terminasse,
podiam-se já contar sem exagero
seis a sete mil atacados,
isto é, mais de um terço da população.

(Arthur Vianna. As Epidemias no Pará. Diário Oficial, 1906)


O cólera foi descrito pela primeira vez por Robert Koch em 1883, trinta anos depois de termos os primeiros casos da doença no Brasil. A primeira epidemia brasileira surgiu em Belém, na então província do Grão Pará, em que aportara o navio Defensor, procedente de Portugal, como transporte de colonos portugueses para a Amazônia. Na ocasião, havia epidemia de cólera na Espanha e em algumas cidades portuguesas, sem contudo haver registro de sua presença na cidade do Porto, de onde o navio levantara suas âncoras em direção ao Brasil.
Segundo o clássico de Arthur Vianna (Op. cit.), as condições higiênicas de bordo eram péssimas, propício à transmissão de doenças infecciosas entre os passageiros. Contudo, apesar do governo imperial e do Pará estarem alertas sobre a epidemia de cólera na Europa, a saúde dos portos paraenses errou ao acreditar nas palavras tranquilizadoras do médico de bordo, e apiedada com a condição dos colonos, liberou o navio da quarentena e autorizou o desembarque. O erro foi gravíssimo, pois os registros de bordo evidenciavam que 36 passageiros haviam falecido de um quadro diarreico agudo e incontrolável, compatível com a clínica coleriforme.
A primeira epidemia brasileira de cólera foi, em consequência do estado da arte da ciência médica e das condições sanitárias existentes na época, uma verdadeura tragédia nacional. Rapidamente a doença se disseminou pelo país, acometendo a população das capitais e das cidades polo de atividade econômica; tanto a brancos, quanto aos escravos e índios, na cidade e no campo. Conta Lycurgo Santos Filho (História Geral da Medicina Brasileira. USP, 1991) que em Santo Amaro, na Bahia, a mortalidade foi tamanha que a administração pública autorizou a incineração dos mortos pela impossibilidade de dar-lhes enterro convencional.
O governo imperial reuniu então os médicos e os acadêmicos de medicina do país e os despachou para as cidades do Norte e do Nordeste para auxiliar nos trabalhos. Vários deles pereceram da doença junto com outras autoridades, dentre as quais o próprio presidente da Província do Grão-Pará, Angelo Custódio Correa, que se deslocara em socorro de Cametá, então a segunda maior cidade paraense, uma terra que a epidemia tornara inabitável - de onde todos procuram fugir! - como registrou a imprensa na época.
A cólera depois de sua entrada triunfal entre nós no século XIX sempre esteve presente como surto ou epidemia. Segundo alguns historiadores, na Guerra do Paraguai afligiu impiedosamente os soldados em luta, conforme os horrores descritos na Retirada da Laguna, de Taunay. Nos anos 90, a partir de uma epidemia no Perú, a doença voltou a entrar no Brasil. Por essa época, entre 1991 e 1994, foram registrados mais de 100 mil casos e pouco mais de 1000 óbitos.
O mais recente aparecimento da cólera no continente foi no Haiti, país caribenho devastado por guerra civil, corrupção, pobreza e catástrofes naturais. Nesse caso, porém, há uma característica importante a ser destacada com respeito a doença, que é o fato de ser provocada por um novo tipo de vibrião cólera que pela primeira comparece nas Américas. A introdução da variante do Sul da Ásia pode ter graves consequências para além da população haitiana, caso não se estabeleça efetivo controle sanitário. O tipo introduzido de vibrião cólera possui maior resistência aos antibióticos além de maior capacidade de provocar formas graves da doença, elevando a curva de mortalidade a ela relacionada. Segundo um grupo de pesquisadores, em artigo publicado este mês no The New England Journal of Medicine, é provável que no ecossistema caribenho aconteçam trocas de material genético entre o vibrião relacionado à cólera clássica, já antes presente na região, e o novo, com o risco de aumentar ainda mais a virulência do microorganismo. A despeito dessas complexidades genéticas, está claro que a oferta de saneamento adequado, a implantação de medidas de educação em saúde e a oferta de água potável à população do Haiti, assim como a restauração da democracia nesse país, são fatores essenciais para controlar e prevenir a propagação da doença.

sábado, 11 de dezembro de 2010

As Muitas Saudades da Carmela





















A matogrossense Carmela Rebuá de Mattos gravou seu primeiro disco aos 82 anos, acompanhada da filha Alda de Mattos, ao piano. Desse encontro de gerações surgiu o independente Enquanto Houver Saudades, que eu considero entre os melhores do ano. No CD, dezesseis clássicos populares são relembrados por Carmela em interpretaçoes muito delicadas, entre as quais destaco as composições dos paraenses Waldemar Henrique (Noite de São João [1935], Minha Terra [1932], Uirapurú [1934] Tamba-Tajá [1934]), e Jayme Ovalle (Azulão). À venda na Livraria Cultura.


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Fiocruz Amplia Biossegurança

Fiocruz publica nova edição, revista e ampliada, de Biossegurança: uma Abordagem Multidisciplinar. A primeira edição do livro pioneiro data de 1996 e, desde então, se tornou referência nacional sobre o tema para as àreas de saúde pública, biologia e medicina experimental. Para o pesquisador Pedro Teixeira, que organizou a nova ediçãoe em parceria com Silvio Valle, os ensaios que compõem a coletânea transitam pelo tema da biossegurança, entendida como proteção ao trabalhador de saúde na pesquisa e na assistência, cobrindo também as áreas de esterelização química, proteção radiológica e organização de laboratórios de saúde pública. O livro pode ser adquirido na livraria da Associação Brasileira de Saúde Coletiva - ABRASCO.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O Brasil do Futuro em 3 Artigos da Science

























Ciência Brasileira: Dando Fluência a Nascente (Antonio Regalado. Science 3 December 2010: Vol. 330 no. 6009 pp. 1306-1312 ).

Nos últimos oito anos, o maior país da América Latina começou a se mover. Sua economia está crescendo rapidamente e tornou-se um jogador nos assuntos mundiais, demonstrando uma auto-confiança sem precedentes. Os bons tempos estão levantando a ciência também. Entre 1997 e 2007 o número de artigos brasileiros em revistas indexadas e peer-reviewed mais que dobrou, alcançando 19 mil por ano. Segundo a Thomson Reuters, o Brasil já ocupa o 13 o. lugar mundial em publicações científicas, tendo ultrapassado a Holanda, Israel e Suíça. As universidades brasileiras dobraram o número de doutores formados este ano e milhares de novos postos de trabalho acadêmico abriram em 134 novos campi federais. É o sorriso da fortuna para uma nação que, durante a década de 1990, foi marcada por terríveis problemas econômicos. Mas o Brasil não é formidável, sua produção científica ainda é uma trilha de ambições. O país produz poucos trabalhos de alto impacto e apenas uma pequena parcela de patentes. Seu sistema de educação pública primária e secundária tem problemas de organização, deixando a nação de 195 milhões de habitantes com escassez crônica de trabalhadores técnicos.

Talentosos, mas sub-financiados: Os Futuros Cientistas do Brasil. (Antonio Regalado. Science 3 December 2010: Vol. 330 no. 6009 pp. 1306-1312).

Reinaldo Sousa dos Santos, de 25 anos, é um Ph.D. Candidato à professor no departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é um morador do Parque União, favela populosa onde os moradores vivem sob o jugo de narcotraficantes. José Eduardo dos Santos deve sua trajetória da favela para a bancada de laboratório ao seu mentor, Leopoldo de Meis (72 anos), professor de bioquímica da UFRJ. Em 1985, de Meis começou a oferecer um curso prático de ciências para adolescentes de baixa renda, que denominou Jovens Talentos. Dos Santos foi matriculado quando tinha 14 anos, já orfão, um ano depois que seu pai morreu. O Brasil deve reescrever milhares de histórias como a de José Eduardo dos Santos, se pretende superar suas profundas divisões sociais e atingir o sonho nacional de se tornar um jogador importante na investigação científica mundial. Muitos dizem que a tarefa deve começar com melhoria de escolas públicas, onde professores mal pagos oferecem aulas na base da decoreba.

As Recompensas dos Barris do Pré-Sal (Antonio Regalado, (Antonio Regalado. Science 3 December 2010: Vol. 330 no. 6009 pp. 1306-1312 )

Três anos atrás uma broca atingiu reservas de petróleo depositadas a grande profundidade, na costa do Brasil. A Petrobrás, a empresa petrolífera brasileira, desde então delimitou campos submarinos estimados para produzir cerca de 80 bilhões de barris de petróleo e gás natural, ou cerca de três vezes o tamanho do reservatório em Prudhoe Bay, no Alasca. O Pré-Sal trouxe aos brasileiros promessas de novas riquezas e a expectativa de que o Brasil vai subir ao topo em ciência e tecnologia, pois o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que denomina a exploração dessas reservas como "a segunda Independência do Brasil", definiu que as receitas derivadas da economia do petróleo do Pré-Sal serão aplicadas preferencialmente em projetos de educação e saúde pública. Contudo, no processo, a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias serão os primeiros a se beneficiar.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Uma Onda da Pesada

O navio de cruzeiro Clélia II estava na Passage Drake na Antártica, quando foi atingido por onda de 30 pés de altura (9 metros). O impacto danificou um dos motores, desligou o sistema de comunicação e quebrou vidros de janelas, deixando o navio a deriva. Nenhum dos 160 passageiros foi ferido e com a ajuda de um barco da National Geographic, que estava próximo, foram rebocados em segurança para a Argentina. No YouTube impressiona a agitação do mar na região.

WikiLeaks: Perguntas Sem Respostas



















O assunto WikiLeaks está em ebulição nas redes sociais. Contudo não me impressiona o fato de documentos governamentais reservados serem levados a curiosidade pública, visto que a história está repleta de casos sérios e jocosos; dos segredos atômicos às indiscrições na alcova do príncipe Charles com a então amante Camila Park Bowles. Nem tão pouco tenho dúvidas de que as tais denúncias de abuso sexual contra Julian Assange (39 anos), dono daquele repositório de documentos, tenham toda a pinta de ordinária armação para desmoralizá-lo, visto que o acusado responderá em tribunal por fornicar sem camisinha e com duas mulheres diferentes na mesma semana. Ora, combinemos! Por isso nem Dante o poria no inferno junto aos lascivos, embora decerto não escapasse da categoria dos linguarudos.
Na verdade de tudo o que li sobre esses documentos, nenhum me pareceu ter impacto estratégico importante. O dano provocado aos governos ali citados está mais para constrangimento, embora o fato por si demonstre que os sistemas de segurança informacional dos EUA foram para o brejo sabe lá como. Nesse sentido, porém, cabe observar que nenhuma informação sobre segredo tecnológico, militar ou não, das guerras travadas no Oriente Médio fazem parte do pacotão wikilikeano. Talvez por que essas redes informacionais sejam protegidíssimas, além do alcance da bisbilhotagem de Mr. Assenge.
Pois aqui chegamos a uma derivada que tem escapado à curiosidade daqueles que estão mesmerizados na garimpagem de inconfidências documentais ou inebriados com a possibilidade de assistirem a realização da lenda de um homem só desafiar o império, descuidando de que certas perguntas nesse imbróglio internacional merecem respostas tanto transparentes quanto convincentes.
Daí que é inescapável indagarmos: Que atributos o dono do WikiLeaks possui, que lhe dão total intimidade com fontes de informações secretas de governos estrangeiros? Seria ele próprio um espia renegado? Quem financia a farra? Porque de graça os documentos não lhe são dados, e as suas fontes devem lhe cobrar bem caro pelos riscos que estão correndo. Depois, qual a razão do governo norte-americano não pedir a Inglaterra a extradição de Assenge? Seria porque o dono do WeakLeaks teria um tal arquivo secreto (poison pill), que a boataria digital diz ser de conteúdo impactante?
De fato faltam peças fundamentais nesse jogo de limites e profundidade mal definidas, e sem essas respostas de fundo ético não posso considerar o WikiLeaks uma ferramenta de democratização da informação.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Ela não É "os Caras": É Zara!

Às 23:40 hr: Pois não é que essa lindinha dai de baixo empatou em número de acessos com os caras, aqui no Voo? Poderosa !!!

O Banho de Sol

















Zara tem quatro anos. É filha de outra cadela schnauzer que possuo. Dona de um pedigree principesco, essa preto e prata jura que é gente. Talvez por isso esteja com hipertensão, que trata com 1/2 comprimidinho de benazepril. Entre caminhadas semanais, seu maior prazer é o banho de sol diário.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Queiram ou Não, Lula É o Cara

















O Latinobarômetro realizou pesquisa com 19 mil pessoas, em 18 países latino-americanos, para avaliar a democracia no continente e definir quem seriam os líderes mais bem avaliados por suas trajetórias políticas.
Daniel Ortega (Nicarágua), Hugo Chávez (Venezuela) e Fidel Castro (Cuba) tiraram nota vermelha, enquanto Lula e Obama confirmaram suas lideranças, ambas melhores avaliadas e a frente das obtidas pelo rei Juan Carlos e o primeiro-ministro espanhol Zapatero, por igual incluídos na enquete como contra-pontos.
A ONG avaliou também o regime democrático no continente. Uruguai, Chile e Costa Rica foram os países em que os entrevistados tiveram as melhores impressões. Nesse quesito, o Brasil ficou em quinto lugar, empatado com a Venezuela, decerto - não o diz a pesquisa - pelo contraste entre riqueza nacional e desigualdade social, tão absurdamente agudas nos dois países.
Por fim, cabe destacar, apenas 30% do total de latino-americanos entrevistados reconheceram que proteção social, solidariedade com os pobres, oportunidades de trabalho e proteção contra o crime estavam garantidas em seus países. Pois então é isso.

A Flor do Mês: Galeandra sp.

Tal qual a encontrei hoje, perfil de delicadeza, em minha sacada.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Agrotóxicos no Brasil: O que não Querem os Empresários

Ontem Agenor Álvares, ex-ministro da saúde e diretor da Anvisa, foi convocado pela senadora Kátia Abreu a explicar-se em comissão. Segundo a senadora e representante do DEM, ao informar a sociedade sobre as preocupações e as providências dadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária sobre o gravíssimo assunto do uso de agrotóxicos, o diretor teria provocado prejuízos em empresas. Conforme informado, Agenor Álvares terá de expor suas idéias e debater com pelo menos cinco profissionais escolhidos pela senadora, que assim tentará desmoralizar o diretor e a instituição governamental. Aqui a matéria que mexeu com os nervos da senadora Kátia Abreu: Silvio Caccia Bava: A reavaliação que os empresários não querem - Le Monde Diplomatique Brasil