quinta-feira, 12 de maio de 2016

O IMPEACHMENT E O ELEFANTE


 
Artigo 6. Poema concreto de Rodrigo Ciríaco

Sérgio Porto publicou o conto O Elefante na coletânea 64 D.C, editada pela Tempo Brasileiro, em 1967, com ilustrações da melhor lavra de Jaguar. Revisitei essa narrativa quando me preparava para comparecer aos trabalhos de abertura das conferências sobre direitos humanos, ocorridas entre 24 e 29 de abril passado, em Brasília – DF, que não foram ofuscadas pelo movimento golpista  já organizado para derrubar a presidenta Dilma Rousseff.
Ontem, quando o Senado Federal confirmou o processo de impedimento de uma presidente eleita com 54 milhões de votos, sem que fosse caracterizado ter ela cometido crime de responsabilidade para a aplicação da medida constitucional extrema, os últimos parágrafos d’O Elefante devem ser transcritos como advertência aos golpistas e golpeados:
“ O Brasil chegou a Brasília às 4 horas da madrugada. Pelo telégrafo o agente ferroviário  já tinha feito uma promessa a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro de que mandaria rezar missa cantada na catedral do Distrito Federal, se o trem não atrasasse e o elefante chegasse enquanto estivesse escuro.
Em Brasília o sol nasce cedo e portanto, assim que a estação ficou vazia, ele foi ao vagão do Brasil e concedeu-lhe liberdade provisória. Sua idéia era levar pessoalmente o elefante ao gramado do palácio e deixar lá, fazendo a coisa discretamente para que nenhuma sentinela visse.
Cheio de receios, pois é muito difícil agir discretamente conduzindo um elefante, lá foi mais aquele funcionário público que não queria nada com o Brasil, tentar livrar-se do elefante. Os primeiros raios da aurora deviam estar intrigados de iluminar aquelas duas estranhas silhuetas, contra o horizonte do Planalto Central: aquele homenzinho nervoso da frente, seguido pelo gigante que era o elefante Brasil, pesadão e paciente, faminto e alquebrado, ao qual as forças iam abandonando paulatinamente.
O homenzinho, quando o elefante pisou o gramado do palácio, deixou-o seguir sozinho e retornou depressa, para não ser notado, ficando lá o Brasil a caminhar devagar, examinando a grama, na esperança de encontrar um tufo mais saliente, que sua tromba pudesse arrancar para minorar sua fome.
Mesmo cercado de verde, sua esperança morreu e ele parou em frente a uma janela, vendo pela primeira vez o seu reflexo espelhado no vidro, que um sol recém-nascido fazia refletir na grande vidraça. Não sabemos se o Brasil orgulhou-se de sua estampa. Cremos que não teve tempo para isso.
O Presidente, homem de hábitos rígidos e de disciplina militar, levantava-se cedo. Logo a janela se abriu e ele nela assomou, para respirar o ar fresco da manhã.
Olhou para baixo e viu o Brasil. Ali estavam os dois, frente a frente. Entre ambos não era possível haver um diálogo, é lógico. O espanto do Presidente não era menor que o do Brasil. Era o seu primeiro encontro a sós e talvez escapasse ao estadista o estado do elefante. Estava mais magro do que nunca, abatido por tantas mudanças, cansado e com fome.
Poderia aquele que o contemplava agora, do alto de sua solidão, salvá-lo? Para esta questão as opiniões se dividem de forma muito pouco equitativa. Há uma minoria que acha que sim. Há uma grande maioria que acredita que não.”