quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Fantástico: A Solidão do Maior Cientista do Mundo

Hélio Barnabé Caramurú vive em São Paulo e decerto a Revista Piauí ocultou-lhe a verdadeira identidade no claro pseudônimo. Se personagem ou realidade, não é o que vale. A crônica remete a um certo tipo apavonado, que em aparição domingueira ganha a fama como arauto de verdades científicas que lhe interessam. Mas este não tem a inocência do Caramurú; de outra natureza é a sua feitura.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O Fio Lógico de Eça de Queirós

Não sabíamos. Eu, por causa da espessa crosta de ignorância com que saí do ventre de Coimbra, minha Mãe Espiritual. Ele porque na sua biblioteca possuía trezentos e oito tratados sobre astronomia, e o saber, assim acumulado, forma um monte que nunca se transpõe nem se desbasta. Mas que nos importava que aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós fosse Jacinto, outro Zé? Eles tão imensos, nós tão pequeninos, somos a obra da mesma vontade. E todos, Uranos ou Lorenas de Noronha e Sande, constituímos modos diversos de um ser único, e as nossas diversidades esparsas somam na mesma compacta unidade. Moléculas do mesmo todo, governadas pela mesma lei, rolando para o mesmo fim... Do astro ao homem, do homem à flor do trevo, da flor do trevo ao mar sonoro - tudo é o mesmo corpo, onde circula, como um sangue, o mesmo deus. E nenhum frêmito de vida, por menor, passa numa fibra desse sublime corpo, que se não repercuta em todas, até às mais humildes, até às que parecem inertes e invitais.

Eça de Queirós. A Cidade e as Serras (1901)

domingo, 22 de agosto de 2010

Imagem da Semana























A exótica
Paphiopedilum sp. em floração de início de agosto, na minha sacada. Procede da Tailândia, o que pede para ela garantia de humidade nas regiões de clima seco e, nesses tempos de Dengue, não menor cuidado de quem a cultiva.

domingo, 15 de agosto de 2010

Bom Exemplo de Comunicação em Saúde


















Quando estive em Cingapura no ano passado trouxe como souvenir esse postal de distribuição gratuita. Nele observamos que a mensagem aborda dois problemas bem comuns nas cidades industrializadas: a relação álcool e solidão e o abandono de animais domésticos. Pela demonstração de síntese, o criador dessa peça de propaganda sem dúvida alcançou rara excelência.

sábado, 14 de agosto de 2010

Científico

Se em 1890 eu descobrisse um novo corpo simples em certo
mineral brasileiro,
o chamaria de nastúrcio,
determinaria provisoriamente seu peso atômico
e, tratando o cloreto com potássio,
o obteria, prévia lixiviação, em estado pulverulento.
Repetida a experiência frente a uma comissão de inimigos a serem
designados pela academia,
o nastúrcio adquirirá cidadania,
sua posição irá se definindo:
Entre o ósmio sintético e o molibdênio aberrante,
sob uma chuva de felicitações
- primeiro elemento que reside numa ponte de Rialto entre outros
dois
e, de repente, a tabela periódica não é mais plana, nem por
capricho.
Merece o descobridor a ordem do dragão aterrorizado?
Chova ou troveje! E no futuro teremos
como um grosso rato formado na farinha
e que nela vive sepultado, movimentando-se pouco,
quase sem respirar, longevo, sem ler.

Tradução: Odile Cisneros

O poeta é o químico espanhol, mas naturalizado mexicano, Gerardo Deniz (1934), cuja obra transmuta o vocabulário científico e a erudição linguística e mitológica numa insólita e irônica visão da realidade. A poesia foi publicada em "Sibila - Revista de Poesia e Cultura" (num. 6, 2004. Ateliê Editorial).

A Visagem de Lamarck na Internete

Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamark, fez história na Evolução ao teorizar pré-Darwin que as espécies evoluíram na medida em que especializaram seus orgãos para atender as exigências do meio ambiente. As idéias lamarkeanas teem mais de 200 anos, mas ainda há quem nelas se inspire para apresentar idéias estranhas de como a internete está modificando a evolução humana: The Internet: Is it Changing the Way we Think? (A Internete: Está ela Modificando como Pensamos?). Quem se apaixona pelo conhecimento expõe-se aos males vertiginosos comuns a todas as paixões...

Obs: Ao invés do termo fantasma, usei a palavra visagem, que é usual no Norte do Brasil para descrever espectros, espíritos ou assombrações corporificadas diante a um observador. Vicente Chermont de Miranda ("Glossário Paraense - Coleção de Vocábulos Peculiares à Amazônia e Especialmente à Ilha do Marajó". UFPa, 1968) não a cita. Amando Mendes, no seu hoje pouco referido "Vocabulário Amazônico - Estudos" ( Soc. Impressora Brasileira, 1942), a registra com o significado de fantasma, aparição sobrenatural, de ordinário ocorrida à noite. Por sua vez, Rosa de Assis, em "O Vocabulário Popular em Dalcídio Jurandir" (UFPa, 1992) sublinha o uso figurado do termo no romance "Três Casa e um Rio" (1958): "Ela não passa de uma intrometida. Veio atrás de mim como uma visagem".

Nightingale Dá Notícias de Vesalius

Há uns três anos atrás, como representante do governo brasileiro, fiz uma visita técnica à plataforma norte-americana de registros de ensaios clínicos - ClinicalTrials.gov, com sede na Biblioteca de Medicina do National Institute of Health (NIH), em Bethesda (Maryland). Na ocasião, ao saberem de meu interesse por livros raros e antigos, nossos anfitriões usaram de fidalguia e levaram-me para visitar a sessão de obras raras daquela instituição, uma espécie de Biblioteca da Alexandria para as ciências médicas. Para minha surpresa, numa sala climatizada, e sob às vistas do bibliotecário chefe e de um oficial do Exército dos EUA, vestido em trajes de campanha (o lugar é área de segurança nacional), fui apresentado a um dos mais importantes livros da História da Ciência - De Humani Corporis Fabrica -, publicado em 1543 pelo médico belga Andreas Vesalius, a partir de estudos que fez em cadáveres humanos nos cemitérios.
Naquela época era arriscadíssimo fazer estudos anatômicos que não fossem em animais. A ousadia do anatomista poderia levar à prisão e ao julgamento da conduta no Tribunal do Santo Ofício - a Santa Inquisição -, correndo-se riscos de torturas físicas, desmoralização e até de morte. Vesalius veio a falecer ainda muito jovem, com 50 anos de idade, afogado em naufrágio, quando retornava de uma perigrinação até o Oriente Médio. O que ele foi fazer nos lugares santos ninguém sabe o certo até hoje. Conta a lenda que o pai da moderna Anatomia teria sido condenado a morte pela Santa Inquisição depois que alguém denunciou que dissecara o cadáver de um nobre, quando ainda havia atividade cardíaca presente. O Rei a quem então servia, Felipe II da Espanha, por reconhecer em Vesalius importância inestimável para a ciência da época, decidiu comutar a sentença de pena capital por uma peregrinação religiosa a Terra Santa.
O fato inconteste é que a publicação De Humanis Corporis Fabrica foi seminal, pois quebrou paradigmas e inaugurou um novo momento que permitiu o saber médico dar um enorme salto de qualidade científica. Pois estava eu flanando nessa blogosfera de quase domingo, na leitura de um artigo sobre o centenário de morte da extraordinária enfermeira Florence Nightingale, acontecido ontem, quando cheguei até a excelente página eletrônica da Wellcome Library, onde encontrei digitalizado para livre acesso a primeira edição do livro. Ao folheá-lo eletronicamente vocês perceberão que trata-se de um exemplar que sofreu os efeitos do tempo e do maltrato dos homens, mas foi restaurado com maestria na altura da importância da obra. O exemplar norte-americano que manuseei no NIH, ao contrário, está absolutamente perfeito. Eu poderia cogitar no momento em que o folheei, que estava em estado de conservação tal como fora entregue por um alfarrabista do século XVI a fidalgo que houvesse com discrição encomendado a obra.
Acesse o clássico da ciência clicando aqui, mas não deixe de explorar outras preciosidades do sítio da Wellcome, como, a exemplo, o apelo de Florence Nightingale pelos ex-combatentes empobrecidos da Carga da Brigada Ligeira (Guerra da Criméia), gravado em cilindro de cera em 1890. A Wellcome Library é um patrimônio cultural inestimável que a internete disponibilizou para consulta.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

XV Congresso Brasileiro de História da Medicina

Agência FAPESPA Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro (RJ), realizará o 15º Congresso Brasileiro de História da Medicina entre os dias 6 e 9 de outubro.

Da Agência Fapesp: O evento ocorrerá 59 anos depois de a mesma cidade, então capital federal, sediar o primeiro congresso na área. Em paralelo, será realizado o 2º Congresso de História da Medicina do Estado do Rio de Janeiro.

O congresso brasileiro contará com painéis sobre as histórias de diversas especialidades médicas no Brasil, como oftalmologia, cirurgia oncológica, obstetrícia, pediatria, cirurgia plástica, psiquiatria, endocrinologia e cardiologia.

Haverá sessões sobre instituições de ensino e tratamento médico no país, como a Escola Médica da Bahia, a Escola Médica do Rio de Janeiro, o Sanatório de Barbacena e a Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina.

As inscrições de trabalhos científicos podem ser feitas até o dia 30 de agosto.

Maiores informações sobre o evento na URL: www.jz.com.br/congressos/anm/sbhm.htm.

domingo, 8 de agosto de 2010

Meu Pai

Apesar de estarmos em condição humilde na década de 60, a vida de meu pai conhecera antes um período longo de bon vivant entre a infância e a maioridade, quando de súbito revezes familiares iluminaram para ele a crueza do mundo real. Se antes a boa fortuna dera ao meu pai as melhores oportunidades que um jovem podia ter naquela época, foram todas infrutíferas por razões muito superiores a ele, a que respondia com a imaturidade da idade, logo transformada em mágoa e revolta inconsequentes, aprisionando-o num círculo vicioso.

A queda no completo desemparo de proteção financeira, foi-lhe redentora e o libertou em definitivo para a vida que construiu com honestidade material e moral até os 61 anos, quando veio a falecer de súbito sem que me desse a chance de adentrar o espaço de seus longos silêncios, sempre invariáveis entre o fim da tarde e o início da noite, depois que retornava do trabalho. Quando questionado por mim, respondia com aquele olhar melancólico que já trazia de menino, e dizia com um quase sorriso, o cigarro na boca, que não era nada. Essa reserva com suas dores, hoje, tenho certeza, ele extendia até mesmo a minha mãe, como se estabelecesse a partir de si círculos concêntricos que compartimentalizavam os relacionamentos, como para atenuar choques e os proteger entre si de comunicação.

- Teu pai anda rezando, coisa rara. Ele não me disse nada, mas é sinal que ele está com algum problema! Na minha infância por diversas vezes ouvi de minha mãe esse comentario, sem que, depois, se tivesse notícia ou compreensão do quê buscava nos livros de kardecismo que ambos professavam.

Em termos de leitura o vi ler além de livros do Espiritismo – e só Alan Kardec – apenas os jornais diários e revistas de variedades, que amigos lhe emprestravam, e as coleções de Medicina e Saúde, que integralizou quando melhoramos de poder aquisitivo, junto com As Grandes Óperas. Entretanto, à medida em que eu crescia e conversávamos, evidências de que suas leituras não se limitaram a esses títulos ficavam mais claras. Se eu trazia para casa o trabalho escolar de resenhar e comentar algum capítulo de Os Lusíadas, ele com tranquilidade ouvia e comentava o que eu tinha escrito; se fosse necessário uma opinião sobre o Quijote, a Ilíada ou que raios seria aquela anotação sobre um tal Khalavelá que o professor Isidoro falara, também ele opinava. Eram ecos da formação do mundo que o abandonara, ou melhor, que ele em definitivo decidira um dia abandonar.

Meu pai, a saudade vai e vem como ondas, ora mais fortes, ora mais calmas, mas sempre bem-fazejas. Mar e saudade rimam? Ah, faz muito tempo!

sábado, 7 de agosto de 2010

Queixas de Um Médico Cristão Novo no Recife

























Esta é a primeira edição do manuscrito do médico português Simão Pinheiro Morão, entitulado "Queixas Repetidas em Ecos dos Arrecifes de Pernambuco Contra os Abusos Médicos que Nas suas Capitanias se Observam em Dano da Vida de seus Habitadores" (1677). Foi publicado em 1965 pelo orgão governamental português Junta de Investigações do Ultramar em homenagem ao quarto centenário de fundação da cidade do Rio de Janeiro.
O doutor Simão Morão teve uma vida atribulada por ser cristão novo, sentenciado a terríveis humilhações e sofrimentos por praticar secretamente o judaísmo com sua família. Além de prisões, foi sentenciado a assistir o auto de fé do próprio pai, que nessa altura tinha 83 anos, e a usar para sempre uma roupa ridícula, o sambenito, que a Santa Inquisição impunha aos sentenciados, que assim os identificava como criminosos onde quer que fossem.
O impacto da violência sofrida pelo médico por certo corresponderia àquela sofrida por Cândido, no mesmo lugar e pelo mesmo algoz, conforme seria narrado por Voltaire anos depois em ficção homônima (1759). No livro, a certa altura Cândido lamenta-se do destino e da violência cega, depois de ser brutalizado num auto de fé que sucede ao terremoto de Lisboa (1755):
Se este é o melhor dos mundos possíveis, como não serão os outros! Se eu apenas fosse açoitado, como entre os búlgaros, ainda passava! Mas tu, meu querido Pangloss, o maior dos filósofos, ver-te enforcar sem saber por quê!
Fugindo de tais perseguições, que lhe impediam exercer a profissão em Portugal, Mourão migrou para Pernambuco, no Brasil. Em Recife reiniciou a prática clínica, apesar de ainda o torturar o uso do sambenito, pois essa roupa era para ele uma pena perpétua. Assim, quando recuperara a condição de médico, por outra persistia nele a identificação humilhante de judaizante apenado, que o perseguia nas ruas e na casa dos seus pacientes, ou aonde mais fosse.
Não suportando mais as humilhações por parte dos colonos, o médico português peticionou então ao Rei, para que o aliviasse da infame indumentária. A mercê real chegou-lhe depois de algum tempo, e animado com o perdão e o respeito readquirido, escreveu este manuscrito e um dos três primeiros livros médicos do Brasil Colônia, que é o "Tratado Único das Bexigas e do Sarampo" (1683), que, por via das dúvidas, assinou com o anagrama Romão Mosia Reinhipo. Ambos os trabalhos são clássicos da História da Medicina do Brasil e trazem no seu conteúdo não só o estado da arte da médica daquela época, mas uma visão crítica sobre os modos como a profissão era praticada.

Medicamentos Seguros e a Pressa como Inimiga

Tem sido com frequencia divulgado na mídia leiga notícias com respeito a inovações tecnológicas da indústria farmacêutica que, após serem lançados no mercado, demonstram trazer riscos para saúde humana. Os mais recentes foram o casos dos medicamentos Avandia (rosiglitazona), usado no tratamento do Diabetes Mellitus, e do antipsicótico Seroquel (quetiapina).
A gravidade dos fatos demonstram que impõe-se uma discussão mais profunda do porquê estamos introduzindo no mercado produtos de saúde que, ao fim, arriscam a segurança dos usuários, expõem empresas a processos milionários nos tribunais, enquanto o setor se fragiliza com o desabamento de ações nas bolsas de valores. A pressa quase sempre não atende à perfeição.
O artigo publicado na Nature aponta quais seriam os caminhos para desenvolver e produzir moléculas de medicamentos mais seguras: fortalecimento do papel regulatório do Estado, que em conjunto com as universidades, centros de pesquisa e indústria farmacêutica, deve desenvolver um modelo de aprovação de medicamentos que responda pela segurança dos medicamentos, sem que ao fazê-lo crie obstáculos ao desenvolvimento de inovações tecnológicas e a produção da indústria farmacêutica.

Mr. Callithrix É Resgatado



















O macaquinho da foto é considerado o menor do mundo e se chama Callithrix pigmaea. Seu habitat é a região Amazônica. Essa vida tão delicada vive na copa das árvores e está ameaçado de extinção, decerto pelo desmatamento que modifica seu nicho ecológico de forma drástica. O exemplar fotografado foi encontrado recentemente escondido entre as roupas de um viajante peruano. Não há informações se ali estava por circunstância ocasional ou se era espécie de mascote do homem. Os índios, por exemplo, utilizam o C. pigmaea nos ombros e nos cabelos, para que ele de conta dos piolhos que ali queiram se instalar. Tem 13 cm de tamanho e depois de ser tratado no centro de recuperação para onde foi enviado, terá aspecto menos debilitado.