sábado, 15 de junho de 2013

Hanseníase: A Negligência Está Marcada no Genoma


Utilizam-se no tratamento da Hanseníase os mesmos medicamentos, os métodos de diagnóstico e o mesmo modelo experimental, há décadas. No jargão técnico dessa doença é impossível encontrar termos como vacinas, biosimilares, métodos para diagnóstico precoce e modelos experimentais geneticamente modificados.  Por essa razão o Mal de Hansen é classificado como doença negligenciada pelos governos e pelos riquíssimos fundos privados que financiam pesquisas científicas nos países hegemônicos do hemisfério norte, apesar do agente causador da doença, o Mycobacterium leprae, ter sido identificado em 1873 e, desde então, elucidado seu mecanismo silencioso e alongado de infecção. 
A lógica cruel é de que o investimento numa linha de pesquisa e desenvolvimento tecnológico nessa área dificilmente atenderia a agenda de saúde dos países ricos, com maior carga centrada nas doenças crônicas não infecciosas, ficando a potencial inovação quase que relegada a fatia do mercado farmacêutico dos países pobres e em desenvolvimento, com características de menor rentabilidade segundo as pouco transparentes fórmulas que calculam a remuneração do valor agregado das tecnologias novas de saúde. Para os acionistas e as bolsas de valores internacionais que pregoam as ações das companhias farmacêuticas, é de menor relevância que nos últimos 20 anos cerca de 14 milhões de seres humanos tenham sido tratados de uma doença que, sem dúvida, impacta o desenvolvimento econômico de seus países e está nitidamente vinculada com o ciclo geracional de pobreza.
Pesquisas recentes, porém, têm revelado uma evidência que redimensiona a tibieza com que a ciência tem atendido a Humanidade em luta milenar contra a Hanseníase. A partir do mapeamento do genoma de M. leprae, coletado de múmias européias da Idade Média, pesquisadores decidiram buscar resposta para uma pergunta que responderia qual o nível de dificuldade para o advento de novas terapêuticas para a doença: Em sendo o Mal de Hansen uma doença da Antiguidade, com exemplos citados entre os povos do Velho e Novo Testamento, teriam acontecido mutações nesse microrganismo ao longo dos milênios? 
A resposta foi iluminadora. O genoma do M. leprae dos dias de hoje é exatamente igual ao do espécime que infectou as múmias medievais. Ele está imutável, há milênios, à espera de que algum Hansen da pós-modernidade o desafie novamente. Mas a exploração da genética dessa bactéria revelou dois outros fatos esclarecedores, o de que a doença foi transportada ao continente americano pelo colonizador europeu e, segundo, que houve de fato uma grande mutação, entretanto no genoma humano, que teria conferido a algumas populações a competência de resistir à infecção, explicando assim o porquê  da Hanseniáse haver "sumido" da Europa Ocidental na Época das Cruzadas.
Detalhes da investigação sobre o genoma do Mycobacterium leprae podem ser encontrados na Science desta semana.


Vaidade Teu Nome Pode Ser Ciência

Um dos grandes momentos da ciência brasileira no século XX foi a definição da causa biológica da Febre das Tricheiras (Tifo Epidêmico), que dizimou milhares de soldados durante a Primeira Guerra Mundial.  A descoberta do agente etiológico - bactérias do gênero rikettsia -  pelo clínico e pesquisador Rocha Lima chegou a bem posicioná-lo na disputa pelo Prêmio Nobel de Medicina. Entretanto sua candidatura malogrou em alcançar a grande honraria, envolvido que foi na crescente e diversificada polarização entre França e Alemanha pela hegemonia científica mundial. 
Acontece que Rocha Lima era um declarado germanófilo, por formação vinculado a grupos de cientistas tedescos e, ao seguir tão inconsteste nessa direção ideológica, terminou traído pelo destino nos tumultuários anos 30, com a chegada ao poder na Alemanha do partido nacional-socialista alemão. Ao contrário de um Von Braum, que, terminada a II Guerra, virou a casaca nazista e entrou para a história da ciência como o "pai da era espacial" dos EUA, Rocha Lima desceu aos infernos num país subdesenvolvido que ansiava por se livrar do ranço da ditadura Vargas, em seguida ao final da Segunda Guerra Mundial com a derrota militar, econômica, política e moral da Alemanha. 
Nesse pós-guerra imediato de tantas incertezas, com a imagem consorciada a um Estado estrangeiro que desenvolvera programa tecnológico para a matança de povos não considerados gente por taxonomia pseudocientífica, e que, nessa infame missão de desumanização, também rasgara todos os códigos de ética, inclusive o da pesquisa científica, Rocha Lima viu-se progressivamente mergulhado no ostracismo por seus contemporâneos, assistindo sua obra ser praticamente obscurecida, não fosse algumas raras e temporalmente esparsas homenagens pela sua contribuição à ciência global. 
A medalha que recebera com tanto orgulho das mãos de Adolf Hitler - tratava-se da mais alta honraria da ciência alemã concedida a um estrangeiro, e por um regime político xenófobo quase ao modo de prêmio de consolação pela perda do Nobel - custar-lhe-ia bem caro para a biografia. Quem sabe nessa ocasião nem fosse simpatizante do nacional-socialismo, talvez fosse alguém que ao participar desse ato de extrema gravidade - Mein Kampf fora publicado e se tornara canônico na política alemã! -, ao modo tão imprevidente quanto o foram seus pares nas instituições de ensino e pesquisa germânicas, imolava-se numa fogueira atiçada pela vaidade científica ferida. 
Recentemente este capítulo da história da ciência brasileira foi objeto de tese de doutorado do historiador André Felipe Cândido da Silva, com o título Um Brasileiro no Reich de Guilherme II: Henrique da Rocha Lima, as relações Brasil-Alemanha e o Instituto Oswaldo Cruz, 1901-1910