quarta-feira, 27 de junho de 2012

NÃO ao Golpismo Ressuscitado


Óbvio ter sido a deposição do presidente Lugo um golpe das oligarquias civis, desferido a partir do parlamento paraguaio. Outra conclusão não se pode ter ao analisarmos a arma final empregada: um processo inédito de impeachment, que durou 48 horas, nas quais contou o presidente constitucionalmente eleito com apenas 2 horas para defender-se perante um plenário político esgamadoramente de oposição ao seu governo. 
Este coup d'etat parlamentar revela enorme risco para o equilíbrio das democracias latino-americanas, mais ainda quando é analisado na perspectiva do apoio moral que os golpistas receberam e usufruem, configurado nos manifestos de reconhecimento de países hegemômicos do hemisfério norte, todos alinhados na Guerra Fria para o apoio moral, militar e financeiro às ditaduras militares latino-americanas que esmagaram os direitos civis nas décadas de 60-80 do século passado.
Anexo a esta postagem, está a declaração de repúdio ao golpe, assinada pelo Movimento Nacional pelo Direito à Saúde. O presidente Lugo havia iniciado um esforço governamental que instituísse um sistema nacional de saúde que superasse o quadro sanitário imposto por décadas sucessivas de miséria, desassistência,  desigualdades e corrupção institucionalizada, que antecederam sua eleição pelo povo paraguaio. 
A sociedade civil latino-americana deve integrar-se nesse grave momento e repudiar publicamente iniciativas estranhas e nocivas à democracia participativa, sufragada pela vontade popular, com executivo e base parlamentar não corruptas, nem corruptoras. Digamos NÃO ao golpismo de novo ressuscitado no continente americano!

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Para leitura do manifesto do Movimento Nacional pelo Direito à Saúde basta clicar duas vezes sobre a imagem acima.

terça-feira, 26 de junho de 2012

A Ciência em Si



Hoje completa anos um dos mais criativos compositores da música brasileira. A inquietude filosófica do soteropolitano Gilberto Gil levou-o, no nascedouro do século XXI, a gravar um de seus mais belos discos: Quanta. Nele estão registradas suas reflexões sobre ciência, tecnologia e inovação. Essa é a mensagem de Ciência em Si, cuja autoria divide com Arnaldo Antunes.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Conselho aos Jovens Cientistas



E. O. Wilson, um dos cientistas mais renomados do mundo,  é professor e curador honorário em entomologia na Universidade de Harvard. Em 1975, ele publicou Sociobiologia: Uma Nova Síntese, trabalho em que descreveu o comportamento social das formigas aos seres humanos.
Resultado de seu profundo conhecimento da terra das "pequenas criaturas" e da percepção de que  contribuição desses insetos para a ecologia do planeta é ainda subestimada, ele escreveu o que pode ser seu livro mais importante, A Diversidade da Vida. Neste trabalho é descrito como  sistemas naturais intrinsecamente interligados estão ameaçados pela invasão do homem, em uma crise que o autor chama de "sexta extinção" (a quinta dizimou os dinossauros). Com seu mais recente livro, A Criação, ele pretende colocar as diferenças entre ciência e .

     "Ele mais do que ninguém compreende a relação entre genes e cultura - e começou com suas formigas."

The Guardian


Para assistir a conferência com legendas em inglês, basta clicar aqui

sábado, 23 de junho de 2012

As Imagens da Ciência no Cinema

O tema ciência e cinema não é de grande frequência, mesmo em espaços acadêmicos. Outro dia, sapeando pelas cordilheiras da internet encontrei um artigo de José Ribeiro, da Faculdade Aberta do Porto (Portugal), de que transcrevo este instigante trecho:

As Imagens da Ciência

O filme científico para o grande público não pode apenas celebrar o mito, tem de "saber interrogar-se sobre os pressupostos ideológicos e filosóficos que servem de base à sua actividade ... e as relações implícitas que estabelece com o restante corpo social"(FAYARD); promover a integração da multiplicidade das ciências na explicação dos problemas; acentuar os valores éticos e humanos que controlem o curso e as consequências dos processos de antecipação e construção do futuro empreendidos pela ciência; apresentar os limites da ciências "o novo espírito científico consiste em fazer progredir a explicação, não em eliminar a incerteza e a contradição"(MORIN), exercendo um olhar crítico e epistemológico.
O filme científico de divulgação pode contribuir para o desenvolvimento de uma cultura científica e esta para a redução de conflitos de interesse que venham a manifestar- se entre o individual e o social, o individual e o político. Estes, podem diluir-se com o desenvolvimento de uma cultura científica, uma vez que a compreensão da ciência e da tecnologia é útil para todos os que vivem numa sociedade. Os indivíduos informados estão mais apetrechados para tomar decisões em matérias como o consumo, a segurança pessoal, a formação profissional, os cuida- dos de saúde, a influência de decisões, e para se tornarem cidadãos activos e eficazes. As instituições, os produtores, a sociedade be- neficiam desta actividade: uma economia de mercado tecnologicamente avançada requer consumidores com um mínimo de bagagem científica, assim como o direito de influenciar decisões, ou o exercício de uma profissão ou de uma competência técnica, social ou profissional.

O artigo está com acesso livre para a leitura

As Reflexões Amistosas de Antonio Negri sobre a Crise Atual

Reflexões amistosas sobre a crise atual. Texto pedagógico

por Antonio Negri

Aula proferida na Universidade de Oxford, Museu Ashmolean,  a 12 de Maio de 2012 

1. Os homens pelos quais sinto certa simpatia bateram-se, na Europa, no século 20, em torno de três objetivos: pelo socialismo, contra o fascismo; por uma Europa unida contra o estado-nação; pela paz, contra a guerra. Os dois primeiros objetivos parecem estar sendo fortemente ensombrecidos na crise atual, e as lutas que se desenvolvem em torno deles têm resultado incerto – e os resultados das lutas travadas, estão esquecidos, ou em crise. Ainda há paz, mas tão ameaçada!

2. O socialismo afirmou-se na Rússia em 1917. A vitória local e a expansão ideológica do socialismo deram origem ao cerco contra a URSS pelas potências ocidentais provocaram, primeiro, os fascismos (na Itália, na Alemanha, na Espanha, etc.) e, depois, a Guerra Fria, para manter a URSS isolada, fora do mundo. Nem  a grande crise de 1929 conseguiu abalar essa política das elites capitalistas e liberais. Mas aceitaram o keynesismo como política de contenção “reformista” das lutas e da expansão política do socialismo.

Já nos finais dos anos 1930s e, outra vez, depois dos 70s, cada vez que o “reformismo” afirmava-se e alcançava objetivos importantes, as elites capitalistas repetiam experimentos reacionários, às vezes escolhendo a repressão, às vezes preferindo a guerra (seja quente seja fria).  Depois da II Guerra Mundial, os governos, obrigados a abandonar os impérios coloniais e a transferir a soberania imperial aos Estados, passam a articular de outro modo as suas políticas internas, sempre em sentido reacionário ou reformista: o objetivo é sempre ganhar a Guerra Fria. O ódio antissocialista impunha-se acima de qualquer outro objetivo. Como a Igreja do Baixo Renascimento contra as revoltas camponesas e anabatistas, assim também agiram os estados capitalistas contra os trabalhadores e o socialismo: cedendo seu poder ao império norte-americano, todos os estados capitalistas ao mesmo tempo.

3. Sabemos que o socialismo soviético não perdeu sua batalha por causa dos golpes do adversário, mas porque, desde o início, não conseguiu suscitar um movimento triunfante na Europa; nem foi capaz de, afinal, produzir qualquer transformação social e política continuada, na medida em que se foi expressando a potência produtiva do próprio socialismo. Não é a primeira vez que um Hércules menino é afogado no berço pela serpente. Depois do 1917, soviéticos e liberais europeus compreenderam que a batalha pelo êxito do socialismo se trava na Europa. Então, nos anos 1920s e 30s, o fascismo e as expressões mais extremadas dos diferentes nacionalismos opuseram-se ao socialismo. Depois da II Guerra Mundial, a burguesia europeia finge içar as bandeiras da paz e da União sobre as quais até agora sempre tripudiaram. O ideal de uma Europa unida traz, como bandeira, a oposição à URSS. O império norte-americano exige que a Europa se unifique, em pauta antissoviética.

Mas quando, depois de 1989, a Europa começa a constituir-se independentemente, desenvolvendo economia potente e modelo social autônomo, impondo sua própria moeda e apresentando-se como concorrente e como alternativa aos EUA no mercado mundial... então os EUA manifestam-se contra a unidade europeia. E abre-se sobre o terreno europeu a luta de classes: entre a classe capitalista recomposto no plano global e as multidões europeias: luta fria, mas decisiva, suficiente para originar a profundíssima crise econômica e social de hoje. 


Esta crise, que surge da fracassada solução encaminhada para a crise que a precedeu, em 2008-2009, constrói-se e atira-se contra a união política da Europa.

Castigada por essa crise, a Europa não encontra nem pode encontrar soluções ou alternativas na ordem neoliberal.


Os EUA – que veem perdida sua hegemonia – pressionam a Europa, para não se verem, os próprios EUA envolvidos em novos antagonismos imperiais.
4. Para além dos estados-nação, a classe capitalista se recompôs no plano mundial, graças à crise. E é nesse plano mundial que, explorando as novas tecnologias, a classe capitalista pôs em funcionamento um novo processo de “acumulação primitiva” sobre a base da transformação pós-industrial do trabalho, que se torna, cada vez mais, “trabalho de conhecimento” [dito também, erradamente, “trabalho cognitivo”].

Portanto, essa acumulação produz-se a partir da privatização e da organização produtiva do General Intellect [intelecto geral]. Entendo por General Intellect [intelecto geral] o conjunto da força de trabalho de/para o conhecimento, que substituiu, na geração de mais-valia, a classe operária industrial; e que é hoje explorada em todo o terreno social.

O próprio capitalismo modifica-se de modo fundamental: agora, são as finanças que recompõem, no plano mundial, o mando do capital. A banca e as finanças dominam hoje, acima de empresários e inovadores, nas indústrias: a renda substitui o benefício. Os processos produtivos são assim transformados. Sobre a produção fordista, na fábrica, sobrepõe-se a organização pós-fordista da exploração de toda a sociedade e a captação, mediante mecanismos financeiros, da mais-valia (socialmente produzida).

Com essa profunda transformação da acumulação capitalista, forma-se também uma nova prática política: a governança neoliberal.

Com essa prática, as elites capitalistas pretendem, por um lado, destruir o Estado de Bem-estar da classe operária industrial, que veem como corpo estranho, como o vestígio de um soviete dentro de sua própria casa de elite capitalista; e, por outro lado, o capital tenta organizar a exploração da sociedade inteira, submetendo ao seu domínio toda a vida das pessoas; o capital, agora, como “biopoder”, quer dominar todo o movimento biopolítico.

Assim, mediante sucessivas crises fiscais, são destruídas as relações de força entre as classes sociais que ainda caracterizavam a sociedade fordista; atacando-se qualquer relativo progresso econômico e as estruturas constitucionais que, dentro de cada Estado-nação, haviam garantido, depois da II Guerra Mundial, a paz social e certo ‘reformaísmo’ político.

Nessas condições de crise, a unidade europeia – cujo ideal e cujas primeiras realizações haviam gerado bem-estar e certo equilíbrio continental – não só está sendo violentamente atacada como, também, está completamente sobredeterminada por uma vontade de poder capitalista reorganizada no plano global, que já não apoia as resistências que ainda se organizam nos antigos estados soberanos.

5. É oportuno reconhecer que não há resistência possível senão no plano global, mundial. E, precisamente nesse ponto, a paz está sobgrave ameaça.

O interesse capitalista tenta impedir o fluxo de iniciativas subversivas para, seja como for, conseguir ampliar seus grandes espaços geográficos continentais. O interesse dos oprimidos, portanto, é organizar resistências e antagonismos também no plano global.

A inesperada derrota dos EUA na América Latina revelou-se importante, mas não decisiva. Na Ásia e no Extremo Oriente, as tensões sociais e políticas parecem por hora contidas – nos vastos atrasos de desenvolvimento e nos desequilíbrios econômicos. A África ainda está nos primeiros movimentos de uma nova grande luta que se iniciará a qualquer momento, não se sabe quando, na qual se disputará a exploração da riqueza das terras da África.

Por sua vez, na grande zona em crise – que vai do Atlântico aos países árabes, atravessando o Mediterrâneo – é, exatamente, onde a paz corre maior perigo. Aí, a especificidade da cultura e do desenvolvimento europeus entrou em crise, muito provavelmente, terminal. A sucessão de esforços e as derrotas militares nas guerras globais; a extensão inútil dos chamamentos à Cruzada que tanto se ouviram nos anos 90s e depois deles, mostraram, simplesmente, a miséria e a impotências das políticas implantadas pela classe política capitalista euro-norte-americana.

Só uma radical transformação das elites, só a generalização e a adesão ao projeto de unidade europeia das multidões permitiria modificar esta situação, e dar talvez às classes trabalhadoras europeias a possibilidade de renovar um projeto socialista potente – na Europa, onde o socialismo nasceu. Até agora, não teve sucesso: o capital tem conseguido sufocar todos os movimentos.

Mas, nesses últimos anos, as novas gerações começaram a mover-se, a lutar contra as novas formas de miséria, de precariedade, de pobreza a que foram submetidas. Indignadas, as novas gerações levantam-se, praticando novas figuras de insubordinação e de luta. Desta vez, o jovem Hércules pode matar a serpente.

6. Relançando o projeto europeu pela esquerda, insistimos no fato de que, para manter a paz, é necessário outra vez criar e assegurar o bem-estar. Nos perguntamos se o capital ainda pode fazer isto. A resposta é necessariamente negativa. Efetivamente, o empreendedor foi substituído,  nos tempos recentes, pelo capitalista financeiro; o benefício foi substituído pela renda; o banco substituiu a fábrica: multiplicam-se as funções e comportamentos parasitários.
As crises sucedem-se, porque já não há qualquer medida de valorização. E porque, como consequência disso, a especulação é a única forma restante de acumulação. Mas se o capitalista é hoje alheio à organização da sociedade, se perdeu a dignidade que lhe permitia organizar o trabalho, antecipar o capital constante e tornar os mercados inteligentes e criativos, sob seu comando... como poderá o capitalista criar e assegurar bem-estar e progresso?

Parece-nos que essa síntese de bem-estar e progresso só pode ser hoje construída pela “nova” força de trabalho, por aquela força de trabalho que, porque é força de conhecimento [‘capitalismo cognitivo’], pode tomar autonomamente em suas mãos a própria produção. É a força de trabalho que opera mediante as linguagens, os conhecimentos, os afetos – que produz, aos distribuir em comum o saber, agregando elementos singulares de comunicação. Assim a nova força de trabalho produz o excedente, a riqueza, que se chamava “mais-valia”.

Mas perguntemo-nos se esse produzir-junto (conhecimentos, códigos, informações, afetos) não será mais bem designado se o chamarmos pelo nome “o comum”? Se se fala do “comum”, não se fala só da riqueza já disponível na natureza (como o ar, a água, os frutos da terra e todos os demais dons da própria natureza); falamos, isso sim, especialmente, das novas formas de produção de riqueza, da atual composição social e política das forças imateriais do trabalho e da potência vida da subjetividade. E é contra essa potência que, hoje, o capital aplica seu instinto vampírico: contra as potências do comum, sem as quais, na nossa época, a riqueza não é possível.

7. O que significaria hoje construir um soviete, quer dizer, levar a luta, a força subversiva, a multidão, o “comum” para dentro (e contra a nova realidade das novas organizações totalitárias do dinheiro e das finanças?

Para responder essa pergunta, é preciso ter presente que o capital não é um Moloch; o capital é uma “relação de força” entre quem comanda e quem resiste, entre quem explora e quem produz. A multidão não é simplesmente explorada: ela propõe no plano social a sua autonomia e a sua resistência. Sobre essa relação, determina-se a crise, quer dizer, o debilitamento e/ou a ruptura da relação capitalista.

A crise atual deve-se à necessidade capitalista de impedir que a pressão sobre a renda rompa as relações de domínio, para manter a ordem, primeiro multiplicando sem limites a quantidade de dinheiro a gastar com o único propósito de manter contentes os proletários do conhecimento, depois (quando a situação piorar e a concorrência já seja insuportável) exigindo a restituição do que tenham conseguido, exigindo “o pagamento da dívida” – sob a ameaça da miséria e da vergonha.

Vê-se assim que a financeirização não é um desvio improdutivo e parasitário de cotas cada vez maiores de mais-valia e poupança coletiva; ela é a própria forma da acumulação, quer dizer, da exploração operada pelo capital no interior dos novos processos de produção de conhecimento e de modalidades sociais do valor. Sobre esse terreno os custos da reprodução da força de trabalho, o trabalho necessário (quer dizer, de sua instrução, de suas formas de vida, da nova organização social) e, também, as lutas operárias, fizeram fracassar a acumulação de capital e, portanto, levaram à ruptura da relação de exploração no plano social.

Isso aconteceu, porque as condições de valorização do trabalho sobre a base do conhecimento e da biopolítica são hoje, como dissemos, “comuns”; enquanto a acumulação é, não só “privada” mas, também baseada em tecnologias e políticas de administração que, ao não conseguir destruir a “potência comum” da produção, a escravizam – fazendo pouco caso de seus direitos e de seu poder. Como sair de uma crise desse tipo?

Só se sai de crises desse tipo mediante uma revolução social. Qualquer New Deal que se proponha terá de construir novos direitos de “propriedade social” dos “bens comuns”. Esse direito evidentemente se contrapõe ao direito da propriedade privada e às suas garantias públicas.

Em outras palavras, se até hoje o acesso a um “bem comum” tomou a forma da “débito privado”, de hoje em diante é legítimo reivindicar o mesmo direito, em forma de “renda social” – do “comum”. A única via para sair da crise é reconhecer esses direitos comuns.

Para reconstruir – mediante o trabalho de toda a sociedade – o progresso e, portanto, a esperança de paz. A revolução na Europa é o passo necessário para afirmar a hegemonia do comum e construir a unidade do país mais diverso, mais belo e mais inteligente que a história humana conheceu.

Tradução do Coletivo de Tradutores Vila Vudu
Antonio Negri é pensador italiano de formação marxista. Dá aulas nas principais universidades européias e é autor de livros como Império e Multidão.  

quarta-feira, 20 de junho de 2012

As Histórias em Quadrinhos Vão ao Museu

HQ representa um instrumento interessante para a difusão do conhecimento. Nos últimos anos tem sido frequente o lançamento de livros na forma de narrativa gráfica, abordando diferentes temáticas, desde temas filosóficos, de história e de ciência a biografias. Este acesso que descobri na rede mundial de computadores, enquanto buscava hoje um outro tipo de fonte bibliográfica, interessa principalmente aos fãs do gênero. Divirtam-se no  The Digital Comic Museum

domingo, 17 de junho de 2012

Literatura, Saúde e Doença na Amazônia

Ora, entre as magias daqueles cenários vivos, 
há um ator agonizante, o homem. 
O livro é, todo ele, este contraste.
(Euclides da Cunha: Prefácio a Inferno Verde/ 
Cenas e Cenários do Amazonas 
[Alberto Rangel. Genova, 1908])

A literatura não científica representa uma fonte de informações sobre a situação de saúde em determinada época. Utilizar autores não necessariamente "científicos" constitui-se em excelente ferramenta didática. Questões de saúde e a doença estão presentes em autores célebres como Balzac, Shakespeare, Camões, entre outros. Na prosa da Amazônia, por exemplo, a leitura atenta dos autores revela alí e acolá as condições sanitárias da região, onde há clara prevalência das doenças infecciosas e da pobreza, e uma esmagadora desassistência motivada pelo vazio tecnológico, a insuficiência de recursos e a falta de uma política de saúde que fosse de inspiração cidadã, não indigente.
É o que reflete o romance O Rio Corre Para o Mar, do hoje quase esquecido - injustamente - Nelio Reis (Editora A Noite. Rio de Janeiro, 1941):
"Há quase um mês era assim, desde o dia da sua ida para os lados do Igapó das Velhas, lugar clélebre e temido. Impaludismo  chegou alí parou!, diziam todos, batendo na boca esconjurando e benzendo-se contra a sezão. Pois ela fora por lá, metera-se pelo mato de perto, porque ao menos alí tinha certeza de não encontrar alguém que se pusesse a olhá-la da cabeça aos pés, como o povo da terra dera para fazer cada vez que a via. Veio a febre depois; febrezinha de nada que passou logo. (...) No dia seguinte a febre voltou. Voltou no outro. Chica Feitiço veio e garantiu logo: maleita, sezão na certa!
- Quinino, nela, meu povo.
Mas seu Lauria da farmácia não quis vender o remédio por uma razão:
- Vocês estão doidos, então? Onde já se viu dar quinino para mulher prenha? Vocês querem matar a criança, ou o que querem?
- Mas a moça não pode ficar assim daquele jeito - objetou D. Estrela com aprovação de todos: 
- Lógico!
- Pode sim - garantiu seu Lauria. Quanto tempo falta pro troço do parto?
- Um mês.
(...)
Seu Lauria então cortou a coisa pela raiz:
- É isso mesmo. Não deem quinino para ela. Deixem vir o trololó primeiro, depois sim.
E não vendeu o remédio."
Encerro essa reflexão com a narrativa do recentemente falecido Armando Mendes, registrada com precisão, em palavras não desmedidas nem caudalosas, no memorialístico A Cidade Transitiva / Rascunho de recordância e recorte de saudade da Belém do meio do século (Imprensa Oficial do Estado. Belém, 1998):
"Anciãos Precoces
Também não é preciso recorrer a rigorosas pesquisas, baseadas em minuciosas séries históricas dos indicadores sociais, para perceber que a esperança de vida, em Belém, nos anos 40 e 50, eram sensivelmente inferior à atual. E assim no Brasil. Como lembra meu irão Oswaldo, os repórteres não se acanhavam em chamar de anciãos pessoas que tinham chegado aos 50 anos: "Ao atravessar a rua, o ancião Não Sei Quem, 52 anos incompletos, foi atropelado e morto..." 
E a mortalidade infantil, a morbidade e a mortalidade em geral eram bem superiores aos índices de hoje, por menos brilhantes que estes sejam. Casal de "remediados", isto é, de classe média, de nossas relações, para relatar só um ilustrativo caso real, havia perdido dois filhos recém-nascidos. Mas as fotos dos "anjinhos", em seus pequenos caixões brancos, eram candidamente expostas na sala de visitas, junto às dos irmãos que vingaram, aliás vivos e sãos até hoje - coisa que sempre me impressionou sobremodo, a ponto de não a ter esquecido jamais.
A hanseníase, alías, a "lepra", ainda era um terror bastante generalizado nos subúrbios e no interior. Mas não só entre pobres. Já falei no caso dos cantores líricos Ulisses e Helena Nobre. A lembrar também o poeta Antonio Tavernard. As doenças infantis, inclusive a poliomielite, grassavam e matavam. E a simples leitura do obituário que os jornais publicavam rotineiramente é suficiente para dizer, por exemplo, como eram numerosos os casos de falecimentos por meningite e tuberculose, sem falar no onipresente impaludismo, malária, maleita ou sezões. 
Os que sofriam do "peito"eram muitos. O clima era considerado hostil à saúde, especialmente aos brônquiso e pulmões. Faziam-se "pneumotórax" com notável frequência. Médicos importantes da época eram tisiologistas ou "pneumologistas", como Epílogo de Campos e Luiz Romano da Mota Araújo. Este último, inclusive, procurou desfazer o preconceito existente contra o clima da Cidade. 
A tese versa, precisamente, sobre O Clima de Belém e o Tratamento da Tuberculose Pulmonar. Para ele, contrariando idéias arraigadas, "A tuberculose é doença da hipoalimentação: as nossas classes pobres alimentam-se mal: a tuberculose campeia, e vai ceifando vidas a granel". Tese comentada pelo seu sobrinho, Roberto Santos, que chama a atenção para a hipótese de que, provavelmente, as famílias econômica e socialmente decadentes, por força da prolongada crise da borracha, estariam a esse tempo sentindo crescentemente o ataque do bacilo de Koch por semelhantes causas, ligadas a carências.
Os mais abonados, ignorando o argumento do Dr. Luiz Araújo, mandavam os seus familiares enfraquecidos para temporadas de repouso, cura ou recuperação, na Serra de Guaramiranga, no Ceará (Jacques Flores escreveu uma crônica relatando uma ida até lá), ou na de Garanhuns, em Pernambuco, ou ainda em Belo Horizonte, ou em Campos do Jordão, ou mesmo na Europa.
Em compensação, não se ouvia falar em cólera ou dengue, e muito menos AIDS, que viria a ser dianosticada muito tempo depois. Mas havia, sim, extensamente, "doenças de massa", em especial nos arredores da Cidade, à época menos extensa e não saneada."

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quinta-feira, 7 de junho de 2012

Médicos nas Guerras

placamedicos by Itajai de Albuquerque
placamedicos, a photo by Itajai de Albuquerque on Flickr.

Em certa medida a mortalidade entre equipes de saúde, escaladas para atuar em um conflito armado nacional, ainda é um assunto mal explorado. A maioria dos artigos sobre o tema discute a influência das guerras no desenvolvimento da Medicina, ou correlaciona o impacto deste na mortalidade das tropas nos campos de batalha, ou na assistência às populações do território onde se desenrola enfrentamento bélico.  
Nesse sentido, a exemplo, observa-se que a mortalidade entre soldados da Guerra Civil Norte-Americana foi em torno de 40%, enquanto calcula-se que na Guerra do Iraque fique  em torno de 10%.
Mas, assim como os soldados e os fotógrafos de guerra, os médicos arregimentados ou contratados para atuarem nos campos de batalha se arriscam, sofrem ferimentos e perdem a vida. Para saber quantos, de que modo e em que extensão essas casualidades de guerra afetam as equipes de saúde nas batalhas, há necessidade de pesquisa que investigue bancos de dados dos diferentes conflitos armados, dispersos nos orgãos militares de diferentes países. Taí uma boa missão para os Médicos Sem Fronteiras.