Anos atrás, para fins didáticos, alguém que esqueci o nome definiu o câncer como comparável aos eventos revolucionários: O câncer é a revolução das células, foi dito. Apesar de superficial, a comparação não apresenta uma relação em si descabida, se considerarmos que em ambas as situações a ordem regular dos eventos e seus processos estão alterados para que uma situação nova e antagônica - desafiadora - se estabeleça no lugar de outra antiga.
O fato é que o câncer se inicia a partir do momento em que uma célula modifica a fisiologia da divisão celular e principia um crescimento desordenado, levando a um desequilíbrio que alcança o máximo no momento em que os limites de localização tecidual são quebrados e a célula evadida é deslocada para outros lugares do organismo, o que a Biologia Celular denomina de metástase.
Mas, se há anarquia na divisão celular, de onde exatamente surge a ordem para o desregramento que até hoje desafia o controle resolutivo da doença, e, mais ainda, quando a neoplasia maligna não mais pode ser considerada localizada, porque distribuída em outros orgãos do ser vivo?
A resposta não é simples, embora saibamos que o câncer é uma doença genética devido ter origem no dano à integridade do DNA, lesão que pode ser provocada por inúmeros fatores e cofatores, aos quais em alguns casos - para aumentar o tamanho da encrenca - também se associam a predisposição familiar e individual.
Segundo pesquisa conduzida por pesquisadores do UK London Research Institute o evento ordenador dessa revolução é extremamente complexo, origina pluralidades e se faz presente durante toda a dinâmica da doença, o que nos obrigaria reconhecer a validade do termo cânceres ao invés de câncer, visto que essa última flexão apontaria para uma singularidade que a rigor inexiste.
A resposta não é simples, embora saibamos que o câncer é uma doença genética devido ter origem no dano à integridade do DNA, lesão que pode ser provocada por inúmeros fatores e cofatores, aos quais em alguns casos - para aumentar o tamanho da encrenca - também se associam a predisposição familiar e individual.
Segundo pesquisa conduzida por pesquisadores do UK London Research Institute o evento ordenador dessa revolução é extremamente complexo, origina pluralidades e se faz presente durante toda a dinâmica da doença, o que nos obrigaria reconhecer a validade do termo cânceres ao invés de câncer, visto que essa última flexão apontaria para uma singularidade que a rigor inexiste.
O artigo Intratumor Heterogeneity and Branch Evolution Revealed by Multiregion Sequency, publicado em 08 de março na revista The New England Journal of Medicine, foi resumido e explicado de forma brilhante por "Henry" no Science Update Blog daquele instituto de pesquisa. O estudo possui relevância para a avaliação do paradigma terapêutico vigente, porque sua conclusão possui potencial portador de futuro em termos de desenvolvimento de tecnologias inovadoras para o diagnóstico e o tratamento de neoplasisas malignas, de modo que possamos reverter as curvas de mortalidade, em especial nos casos em que o oncologista não confronta a doença localizada.
Segundo os pesquisadores do centro de pesquisa inglês, não existem duas amostras geneticamente idênticas em um mesmo paciente da série analisada, nem mesmo entre as células do tumor original. Por sua vez, as células secundárias (metástases) também foram do ponto de vista genético significativamente diferentes daquelas relacionadas ao local primário da doença.
Essas evidências permitiram aos pesquisadores concluírem que há marcante heterogeneidade genética no tumor, nas metástases e entre ambos, conclusão semelhante a aquela descrita por Xiaochong Wu e colaboradores, que em artigo publicado na Nature demonstraram que as células secundárias ou metastáticas de um tumor de células imaturas, o meduloblastoma, são geneticamente diferentes de suas congêneres encontradas no tumor primário.
Ambas as pesquisas, portanto, trazem de forma contundente questões que confrontam nossos paradigmas quanto ao diagnóstico e aos protocolos clínicos para tratamento efetivo dos cânceres. Por outro, devemos considerar que os resultados descritos em ambos os estudos estão perfeitamente correlacionados com a Teoria da Evolução, estabelecida por Charles Darwin no século XIX.
Se considerarmos esses eventos celulares à luz darwinista, haveremos de reconhecer que estão em acordo com o fundamento de que a evolução é fenômeno indissociável do processo vital, existe não somente entre espécies distintas, mas dentro de uma mesma espécie e, conforme as evidências acima descritas, num mesmo indivíduo, nas suas células, mesmo que sejam cancerígenas. Ou seja, a evolução além de permanente é tão vertical quanto horizontal, no sentido mais extensivo que possamos admitir.
Por essa razão a extrema heterogeineidade genética descrita pelos pesquisadores ingleses, não pode ser entendida senão como fosse estratégia celular de sobrevivência à diversidade do meio, conforme exemplificado no Science Update Blog:
Isto é muito desafiador: tumores malignos são capazes de lidar com substâncias químicas que eles nunca "viram" antes. São uma espécie de superpotência biológica que superam as estratégias adaptativas dos agentes causadores de doenças infecciosas. Basta para isso pensarmos o tempo que bactérias "resistentes a múltiplas drogas" levaram para evoluir. No entanto, células cancerígenas podem fazer isso em questão de meses, ou mesmo semanas, quando confrontadas com um meio ambiente tornado hostil pela quimio ou radioterapia.
Assim, em primeiro plano, aqui temos um monstruoso desafio só comparável àquele que Édipo decifrou nas portas de Tebas, ao encarar a temível Esfinge: se os cânceres são doenças capazes de levar à morte, no fundo, em nível celular e molecular, são os mecanismos adaptativos de proteção à vida que continuam a operar para garantir cegamente esse desfecho mortal. Como interromper essa lógica cruel que confronta o ser pluricelular e o conhecimento, esse representa nosso maior desafio no campo das ciências.
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Referências citadas:
Gerlinger, M. et al (2012). Intratumor Heterogeneity and Branched Evolution Revealed by Multiregion Sequencing. New England Journal of Medicine, 366 (10), 883-892.
Science Update Blog
Essas evidências permitiram aos pesquisadores concluírem que há marcante heterogeneidade genética no tumor, nas metástases e entre ambos, conclusão semelhante a aquela descrita por Xiaochong Wu e colaboradores, que em artigo publicado na Nature demonstraram que as células secundárias ou metastáticas de um tumor de células imaturas, o meduloblastoma, são geneticamente diferentes de suas congêneres encontradas no tumor primário.
Ambas as pesquisas, portanto, trazem de forma contundente questões que confrontam nossos paradigmas quanto ao diagnóstico e aos protocolos clínicos para tratamento efetivo dos cânceres. Por outro, devemos considerar que os resultados descritos em ambos os estudos estão perfeitamente correlacionados com a Teoria da Evolução, estabelecida por Charles Darwin no século XIX.
Se considerarmos esses eventos celulares à luz darwinista, haveremos de reconhecer que estão em acordo com o fundamento de que a evolução é fenômeno indissociável do processo vital, existe não somente entre espécies distintas, mas dentro de uma mesma espécie e, conforme as evidências acima descritas, num mesmo indivíduo, nas suas células, mesmo que sejam cancerígenas. Ou seja, a evolução além de permanente é tão vertical quanto horizontal, no sentido mais extensivo que possamos admitir.
Por essa razão a extrema heterogeineidade genética descrita pelos pesquisadores ingleses, não pode ser entendida senão como fosse estratégia celular de sobrevivência à diversidade do meio, conforme exemplificado no Science Update Blog:
Isto é muito desafiador: tumores malignos são capazes de lidar com substâncias químicas que eles nunca "viram" antes. São uma espécie de superpotência biológica que superam as estratégias adaptativas dos agentes causadores de doenças infecciosas. Basta para isso pensarmos o tempo que bactérias "resistentes a múltiplas drogas" levaram para evoluir. No entanto, células cancerígenas podem fazer isso em questão de meses, ou mesmo semanas, quando confrontadas com um meio ambiente tornado hostil pela quimio ou radioterapia.
Assim, em primeiro plano, aqui temos um monstruoso desafio só comparável àquele que Édipo decifrou nas portas de Tebas, ao encarar a temível Esfinge: se os cânceres são doenças capazes de levar à morte, no fundo, em nível celular e molecular, são os mecanismos adaptativos de proteção à vida que continuam a operar para garantir cegamente esse desfecho mortal. Como interromper essa lógica cruel que confronta o ser pluricelular e o conhecimento, esse representa nosso maior desafio no campo das ciências.
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Referências citadas:
Gerlinger, M. et al (2012). Intratumor Heterogeneity and Branched Evolution Revealed by Multiregion Sequencing. New England Journal of Medicine, 366 (10), 883-892.
Science Update Blog
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