Detalhe da Torre Eiffel
Vive a literatura de Angola uma espécie de ressurgimento entre nós, por muito que tem se falado dela na crítica especializada, nas editoras e em algumas universidades brasileiras que a tem como linha de pesquisa. Todavia conheci-a ainda adolescente, nos anos 70, por meio dos poemas de Agostinho Neto, ao tempo em que nessa ex-colônia portuguesa se travavam as guerras sangrentas de independência. Hoje, autores como Ondjaki, Pepetela e Agualusa são encontrados com facilidade, nas estantes das livrarias brasileiras.
Gonçalo M. Tavares nasceu nos anos 70 em Luanda (Angola) e publicou seu primeiro livro em 2001, a que deu o título de Livro da Dança. Detentor dos mais importantes prêmios literários em língua portuguesa, tendo sido distinguido com o Portugal Telecom 2007, o Prêmio José Saramago 2005 e o Prêmio Ler/Millenium BCP 2004, é autor de mais de 30 obras de variada forma - romance, teatro, poesia, etc -, cujas qualidades levaram a influenciar projetos em campos alheios à literatura, em arquitetura e vídeo por exemplo.
Os poemas aqui transcritos são do livro Breves Notas, publicação da Editora da Universidade Federal de Santa Catarina e Editora Casa. A obra foi editada em três volumes (Breves Notas sobre Ciência, Breves Notas sobre o Medo e Breves Notas sobre as Ligações), a partir da reunião dos textos com base na individualização da temática abordada.
As notas representam reflexões filosóficas do autor sobre a ciência e o medo, embora as Breves Notas sobre as Ligações se refiram a duas escritoras portuguesas e a outra de nacionalidade espanhola, cujas leituras exigem de nós uma resposta, um movimento paralelo, uma deslocação, conforme se lê na primeva advertência que antecede ao texto propriamente dito.
A seguir transcrevo algumas daquelas anotações que fazem referência à ciência, escritas sob a inspiração das palavras de Nietzsche; no preâmbulo a nos dizer: "Com vista à construção dos conceitos, trabalha-se originariamente, como vimos, a linguagem, e mais tarde a ciência".
O perigo
Claro que o perigo é a origem dos métodos científicos mais eficazes.
Se o Homem fosse imortal ainda não teria invetado a roda [poderias dizer].
A abstração
A abstracção é útil na ciência se deixares, como no conto infantil, migalhas de pão para identificar o caminho de volta. Porém, por vezes, és tu mesmo que distraído, ou por apetite, devoras a própria possibilidade de regresso. E além, perdido, ficas: nas idéias esplêndidas.
[Quanto mais caminhas mais apetite tens, e o teu percurso é em círculos. Se com fome vês a tua frente uma migalha de pão, que fazes?
Eis o cientista perdido na floresta.]
Ferramentas e aprendizagem
- Com estas ferramentas que problemas posso resolver?
[Esta é a pergunta tonta.]
- Com estes problemas que ferramentas preciso?
[Esta pergunta é melhor]
- Com estes problemas que ferramentas tenho de aprender a utilizar?
[Esta pergunta ainda é melhor: pressupõe vontade e um plano de ação.
O esforço e o voo
A ciência parte sempre do princípio de que tem o mapa certo. E, assim, acredita que é só procurar.
Julga que lhe basta o esforço, o suor.
[E, afinal, muitas vezes não deve escavar, mas voar - algo que lhe é fisicamente impossível.]
Uma incompetência
Aprende pois a utilizar metáforas, caro cientista. Não sejas incompetente.
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A trilogia de Breves Notas pode ser adquirida por solicitação na página eletrônica da Editora UFSC
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