domingo, 15 de abril de 2012

SUS e Saúde Suplementar São Sistema de Vasos Comunicantes

Nada direi da polêmica estampada nos jornais e divulgada de forma quase viral nas redes sociais, sobre a rejeição do trabalho da pesquisadora Lígia Bahia (UFRJ) pelo Cnpq (Conselho Nacional de Pesquisa /Ministério da Ciência e Tecnologia). Em assuntos dessa natureza estou de acordo que a melhor forma é buscar a conciliação das partes envolvidas, evitando-se sempre que possível a exploração dos fatos por canais que privilegiam a polêmica sem construtividade.
Entretanto, pelo porte da pesquisadora e a importância do tema investigado para o Sistema Único de Saúde (SUS), li o sumário executivo de Dinâmicas e Tendências do Mercado de Saúde Suplementar no Contexto da Regulação: Reestruturação Empresarial e Profissionalização da Gestão. Nessa leitura observei que o trabalho representa espécie de advocacy do usuário dos seguros ou planos de saúde que integram o componente suplementar do sistema de saúde brasileiro.
Entretanto tive dúvidas quanto a seleção amostral que apresentou 30 empresas "inovadoras", com base na oferta de menor valor mensal de comercialização, ranqueadas conforme o porte de clientela. Ainda que o custo menor possa indicar maior acesso da população de menor poder aquisitivo (classes C e D) a esse tipo de produto comercial, cumpre reconhecer que esse quantitativo de consumidores tem expressão amostral de uma população maior que é atendida por outros planos, não selecionados no estudo, mas com grande peso político-econômico nesse mercado hoje bastante aquecido pela estabilidade econômica, a melhoria do emprego e da renda dos brasileiros.
Ainda que desconheça quais os detalhes do que o edital do Cnpq tenha encomendado à pesquisadora, vejo que o trabalho traz dados importantes e de interesse para melhor estruturação do sistema de saúde brasileiro, especialmente no que concerne a bidirecionalidade de relações entre o SUS e o Sistema de Saúde Suplementar. Nesse tópico é ilustrativo o acanhamento de alguns planos de saúde no que respeita a relação número de usuários por hospital contratado.
A análise do comportamento dessa variável de pesquisa apresenta um cenário preocupante. Se considerarmos em termos gerais que 7 a 9% da população pode ser hospitalizada durante um ano, no caso de um plano de saúde, que foi vendido a 1.041.856 usuários, teremos que cerca de 94.000 dessas pessoas poderão procurar no ano os 45 hospitais contratados; e aqui não estamos considerando a variável especialidade, nem possíveis superposições de credenciamento dos hospitais por outros planos, o que mudaria todo o cenário de vagas disponíveis para a internação, sem a garantia de que veríamos situação melhor.
Certo, portanto, que a pesquisa nos traz fortes indicativos de que em termos hospitalares os planos pesquisados estão sub-dimensionados para atender a demanda de seus contratantes. O roteamento dessa demanda reprimida ao SUS agravará o impacto na rede hospitalar pública, que se comportaria como porta de saída para a ineficiência de cobertura dos seguros suplementares de saúde. Nesse sentido, a pesquisa demonstra que é imperativo que os dois componentes do sistema de saúde brasileiro - o SUS e a Saúde Suplementar - ajustem entre si modelo e procedimentos regulatórios que lhes garantam uma dinâmica operacional eficiente, visto estarem regidos pelos princípio geral de um sistema de vasos comunicantes. Contas públicas e usuários de planos ficariam agradecidos.

************
O sumário da pesquisa Dinâmicas e Tendências do Mercado de Saúde Suplementar no Contexto da Regulação: Reestruturação Empresarial e Profissionalização da Gestão pode ser lido na página da Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco. A doutora Lígia Bahia é pesquisadora do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ e vice-presidente da Abrasco.

Nenhum comentário: