terça-feira, 25 de maio de 2010

Suicidio e Trabalho: O Caso Foxconn


Haverá quem se admire, talvez, de que a questão possa ser colocada.
(Emille Durkheim. O Suicído - Estudo Sociológico. Paris, 1897)

O suicídio constitui uma das chamadas zonas de sombra e silêncio da sociedade. A análise, por exemplo da casuística brasileira, evidencia claramente que essa causa de morte violenta está subnotificada. No Brasil, o estado do Rio Grande do Sul apresenta a maior incidência (número de casos novos/unidade temporal) entre as unidades da federação. Na França o problema vem crescendo de forma consistente, apesar de uma curiosa previsão no Código Penal francês que prevê penalidade para o crime de alguém induzir outrém ao suicídio.
Tabu certamente por razões morais e religiosas no mundo ocidental, o suicídio tem sem dúvida relações com o mundo econômico, independente de outras inferências que concorram para a existência do fenômeno.
A Foxconn é uma empresa com sede em Taiwan, que se constitui em uma das maiores fabricantes mundiais de componentes eletrônicos e de computadores. Seus produtos estão fortemente associados a marcas como Apple, Dell, Hewlett-Packard (HP), Sony, Nintendo e Microsoft. A empresa chinesa é portanto um peso pesado de uma gigantesca cadeia produtiva que movimenta bilhões de dólares e alavanca fortunas e reputações que a mídia alça a condição de superstars. Entretanto na fábrica de Shenzhen, na China continental, há sinais constantes de que algo grave está consumindo a força laborativa da empresa. Novos funcionários assinam contratos ilegais de trabalho, sendo pelas cláusulas obrigados a cumprimerem horas extras entre 60 e 100 horas mensais.
Há denúncias de assédio moral, de redução dos já baixos salarios ou do bônus que o melhora por razões relacionadas a conflitos entre gerentes e trabalhadores na linha de produção. Com isso cerca de 12,5% da força de trabalho contratada, ou 50 mil pessoas, abandonam mensalmente a fábrica. Não se sabe se na condição de demissionários ou de demitidos. Mas o pior de tudo é outra estatística, representada pelo índice alarmante de suicídios dos trabalhadores. Em apenas 5 meses do ano de 2010, cerca de 10 pessoas, ou 2 pessoas por mês, empregadas da Foxconn mataram-se.
O estudo dos epidemiologistas Estela Meneghel, César Victora e colaboradores sobre a questão do suicídio no Rio Grande do Sul encerra com uma advertência que bem explica a tragédia chinesa aqui comentada:

Quando o suicídio acontece preponderantemente em um grupo etário, étnico, profissional ou isolado geograficamente, pode-se indagar se esse evento estaria funcionando como barômetro indicador de pressão na sociedade.

Eu escrevo esse texto em um iMac equipado com um microprocessador da Intel, duas marcas de empresas riquíssimas do mercado de informática. Aqui, sobre a mesa, a minha direita está o clássico O Suicídio de Emille Durkhein, o meu iPhone e o meu iPod carregando suas baterias. Uma coincidência que apenas fortalece o que eu pensava quanto a essas empresas estabelecerem um selo de qualidade não só energético (Energy Saver), mas outro de ordem humanamente necessária desde que Karl Marx um dia cunhou seu famoso Proletários do Mundo, Uni-vos: a criação de um selo que garanta ao consumidor que o produto de alta tecnologia adquirido foi fabricado em condições decentes de relações de trabalho, de não desprezo com a vida humana.

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