A Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde, em 2002, na gestão dos Srs. José Serra e Barjas Negri (PSDB/SP), publicou a portaria 863/2002 - Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite C Viral Crônica -, apenas para o tratamento de pessoas doentes com hepatite C provocada pelo sorotipo viral-1. A portaria ao normalizar produzia o equívoco de fazê-lo sobre um medicamento novo para o qual a própria ciência havia produzido evidências pouco robustas que recomendasse a incorporação ou não da tecnologia.
Os gestores pareciam desconher o princípio de que a falta de evidência não significa ausência de evidência. A cautela recomendaria que face a evidente ausência de estudos científicos confiáveis à época a portaria-protocolo registrasse esta situação e, enquanto isso, financiaria pesquisa no Brasil que desse ao governo a confiança necessária para proceder a incorporação. Está claro que, naquele ano, o processo da judicialização da saúde já se encontrava bastante avançado e o cidadão a que o médico prescrevesse o medicamento poderia buscá-lo por medida judicial em caso de indeferimento administrativo.
Nos anos seguintes as pesquisas clínicas sobre o uso do interferon peguilado na hepatice C começaram a produzir evidências mais confiáveis quanto a valor do medicamento no mundo doloroso e real dos pacientes. Mas, independente desse fato, em 2003, no início do governo do presidente Lula foi criada no âmbito do Ministério da Saúde a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, com a responsabilidade de fazer o fomento a pesquisas de interesse estratégico para o SUS e a gestão da assistência farmacêutica.
Estava criado por essa medida o espaço institucional que em termos institucionais estaria relacionado à questão do interferon pequilado e a de outros medicamentos considerados não rotineiros. Para articular os diferentes atores relacionados a incorporação de produtos de saúde, em 2006, a secretaria passaria a contar com a Comissão de Incorporação de Tecnologias (CITEC), instituída por portaria do gabinete do Ministro, iniciativa francamente elogiada por gestores, academia e indústrias do complexo tecnológico da saúde.
Entre os produtos gerados por esse esforço de governo está sem dúvida a portaria num. 34 de 24 de setembro de 2007, que institui o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C. Nesse documento lê-se textualmente o que representa um avanço substancioso em relação a portaria anterior, produzida com açodamento e extemporaneidade:
Pacientes não-respondedores após tratamento com interferon convencional associado ou não à ribavirina, independente do genótipo, poderão ser tratados com interferon peguilado e ribavirina, devendo completar o esquema até a 48ª (quadragésima oitava) semana, desde que seja documentada a presença de Resposta Virológica Precoce na 12ª semana de tratamento (negativação ou redução de 2 log (100 vezes) do HCV-RNA, detecção por tecnologia biomolecular de ácido ribonucléico (teste qualitativo) em relação ao nível prétratamento.
Dai porque a mim soa estranho a conduta da administração tucana de Curitiba (PR) em negar atendimento ao pedido de um doente acometido de hepatite C, não-respondedor ao interferon convencional, para que recebesse o interferon peguilado, utilizando para isso o governo municipal de uma argumentação eivada de erros conceituais, além - pasme! - do defasado protocolo clínico de 2002. Ontem, a 1a. turma do Supremo Tribunal de Justiça fez a coisa certa: deu ao cidadão Keigi ganho de causa, ainda que o juiz relator não citasse a nova portaria publicada em Diário Oficial da União, há dois anos passados.
Kemmer N e Guy W N. Managing chronic hepatitis C in the difficult-to-treat patient (Set.2007)
Nenhum comentário:
Postar um comentário