quarta-feira, 19 de maio de 2010

A Questão Nuclear do Irã: Cenário e Personagens de um Enredo Petrolífero




































































Com respeito ao ruidoso affair relacionado ao domínio da tecnologia nuclear pelo Irã, algumas questões merecem esclarecimento para o público. Em primeiro lugar é necessário recordar alguns pontos cardeais para que o leitor possa se situar no cenário em que se desenrola a disputa por enquanto diplomática. Isto significa clarificar algumas questões de domínio público relacionadas às partes em litígio, o que significa reconhecer que:

  • O Irã é uma república religiosa islâmica ortodoxa, que há mais de 30 anos tem se mostrado hostil aos EUA e a Israel, desde que o aiatolá Khomeini depôs o aliado Xá Reza Pahlevi no final da década de 70.
  • Em termos energéticos, considerando dados do BP Statistical Review of World Energy, publicado em 2004, o Irã é o terceiro maior produtor mundial de petróleo, com reservas estimadas para durar em média 95 anos.
  • As pretensões de hegemonia mundial dos EUA nos campos da política e da economia são necessariamente balizadas pela questão energética. O país é o maior consumidor mundial de produtos derivados do petróleo, consomindo 3 vezes mais petróleo do que produz. Ao fazê-lo, como seria de esperar, torna-se o líder na emissão de CO2 na atmosfera, sem que demonstre uma disposição de efetivamente associar-se as recomendações do Protocolo de Kyoto.

Está claro que estamos diante de um conflito de interesses que envolve grandes riscos, especialmente se considerarmos que está em curso no Oriente Médio uma guerra localizada no Iraque desde 2003, declarada sob a alegação de que esse país pretendia dominar a tecnologia nuclear para fins militares, além de fabricar armas de destruição em massa. Em que pese Sadam Hussein ser um criminoso político que deveria ser julgado em Haia, o fato é que iniciada a guerra nunca essas armas foram encontradas pelos exércitos de ocupação liderados pelos EUA.
Logo, sem desconsiderar a vociferante retórica do presidente iraniano Ahmadinejad, o que podemos estar assistindo nesse momento é uma bem montada operação para os EUA constituirem uma favorável estabilidade de fornecimento de petróleo no Oriente Médio, visto que a queda de Ahmadinejad significará o controle político e militar de 96% da produção de petróleo na região, que por sua vez representam 64,5% da produção mundial. Some-se a isto o fato de que o regime dos aiatolás representa o único estado capaz de fornecer suporte moral e material às forças militares palestinas que hostilizam permanentemente o estado de Israel.
Mas tal necessidade se torna mais estratégica na medida em que a relação reserva/produção norte-americana ou R/P (quantidade remanescente de recurso não renovável autóctone expressa em anos), considerando dados de 2008, é calculada em 8 anos. No caso do Brasil, sem o Pré-Sal, a R/P é de 14 anos. O domínio político de 96% das reservas petrolíferas do Oriente Médio, portanto, significa a estabilidade de fornecimento de óleo crú por ao menos 500 anos, tempo suficiente para a substituição da atual matriz energética fundamentada em combustível fóssil.
A possibilidade do retorno do Irã à mesa de negociações, mediado pela diplomacia brasileira, desde o início gerou manifestações de incrédula hostilidade, tanto procedentes da Europa quanto da Casa Branca. É sabido que a Europa tem uma longa história de desconfiança com a Turquia, apesar do país ser aliado na OTAN. Quanto a Casa Branca é de se estranhar face as sinalizações recebidas pelo Itamaraty no processo de construção do acordo. A divulgação de um rascunho de documento do Conselho de Segurança da ONU, em que são impostas sanções pesadas ao Irã não pode ter o objetivo de criar terreno propício para que o acordo assinado na semana passado frutifique, mas certamente expressa a influência de políticos linha dura e o desejo da Casa Branca em amenizar as relações pouco auspiciosas com o Congresso .
Ao tempo dos governos Bush senior e Bush junior, analistas justificavam o uso do grande porrete (big stick) nos assuntos energéticos e do Oriente Médio com base na pesada doação que empresas petrolíferas haviam feito para a eleição dos líderes republicanos. Não sabemos o quanto esses interesses econômicos doaram para a campanha eleitoral do presidente Obama, que no momento tem se mantido estranhamente calado sobre os últimos acontecimentos da questão iraniana. Sabe-se, contudo, que petrodólares irrigaram fortemente o fundo milionário que lastreia a fundação do ex-presidente Bill Clinton, a ponto de ele ter de apresentar justificava publica por ocasião em que a sua esposa, a atual secretária de Estado Hillary Clinton, então disputava as prévias do Partido Democrata com o atual presidente estadunidense.
Não menos estranho é o silêncio da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) sobre o acordo Turquia-Irã, considerando que caberia a instituição dar o próximo passo no processo e firmar-se institucionalmente, ao modo como o fez nos meses que antecederam a invasão do Iraque pelas forças de coalizão, quando contradisse o alardeado uso de energia nuclear para fins não pacíficos, que não existia. Não é possível que o atual diretor geral, Yukiya Amano, nada soubesse do acordo, especialmente depois de encontrar-se com o ministro das relações exteriores do Irã no final de abril passado.

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