domingo, 21 de novembro de 2010

Mulheres Cientistas e o Preconceito Masculino

O público leigo habituou-se à idéia de que o ambiente acadêmico é um espaço protegido contra os bafejos dos preconceitos que vicejam na sociedade, como fosse antídoto abençoado que perenizasse o debate de idéias, ágora dimensionada para o respeito ao contradito e à tolerância às diferenças, ainda que sob o implacável respeito à verdade científica. Infelizmente esse imaginário ético não correponde a realidade, como demonstra artigo publicado hoje no inglês The Observer por Richard Holmes.
Analisando os arquivos da Royal Society of London, o autor observa que o papel feminino em assuntos científicos foi bem maior do que o apresentado na vitrine histórica dos 350 anos de existência da instituição. O artigo de Holmes traz inúmeros exemplos das limitações impostas a cientistas mulheres, a começar pelo acesso oficial a instituição que não lhes foi permitido senão em 1945, ou seja, 285 anos após sua fundação - exceção feita a admissão honorária da Rainha Victória, que não era obviamente pesquisadora; apenas a mais poderosa rainha que o Império onde o Sol jamais se punha conhecera desde Elisabeth I. A bem da verdade, a carapuça machista não serve apenas a Royal Society, e cabe com perfeição e graça nos estatutos de outras congêneres européias, como por exemplo a Académy des Sciences de France que rejeitou o pedido de associação de madame Marie Curie em 1911, mesmo ano em que a notável cientista recebia o seu segundo Prêmio Nobel!
O espaço científico era assim vedado a participação feminina em condições igualdade com os homens. Segundo Holmes havia a certeza de que as mulheres apenas poderiam fazer ciência senão na condição de membros diletantes, com a cautela de sempre afastá-las dos estudos botânicos pela inconveniência das palavras latinas que descreviam a anatomia reprodutiva das plantas: hermaphroditus (bissexualis), sexualis, assexualis e spadix, entre outros exemplos inoportunos à moralidade vitoriana.
De outro modo, o estranhamento entre homens e mulheres na ciência também comparecia até quando tratatava-se de aconselhar. Em 1788, o astrônomo real saudava com sinceridade Caroline Herschel, que aos 38 anos de idade fora a primeira mulher "na história do mundo" a descrever dois novos cometas, advertindo-lhe contudo que tivesse cuidado de não "pegar carona na cauda de um deles", antes mesmo que seus pares reconhecessem o valor de sua descoberta.
Machismos à parte, a ida aos arquivos demonstram que a ciência moderna tem dívidas imensas com a parte feminina que lhe deu impulsos imensuráveis não só nas técnicas e tecnologias, mas também na ética em pesquisa, pois foi uma assistente de Cavendish quem pela primeira vez peticionou pelo direito dos animais - e de todos os seres vivos - como sujeitos de pesquisa. Estávamos então no século XVIII e nem sonhávamos com o pesadelo que seria realizado duzentos anos para frente, na escala industrial dos campos da morte de Auschwitz-Birkenau, quando Anna Barbauld requereu ao seu chefe que atentasse para o sofrimento dos animais de laboratório, lavrando os seguintes versos que entitulou como The Mouse's Petition to Dr Priestley, Found in the Trap where he had been Confined all Night (Petição do Camundongo que Permanece Aprisionado na Armadilha onde Esteve Confinado a Noite Inteira ao Dr. Priestley,):

For here forlorn and sad I sit,
(Abandonado e triste, aguardo)
Within the wiry Grate, (Dentro desta grelha aramada,)
And tremble at the approaching Morn (E estremeço com o amanhecer)
Which brings impending fate… (Que anuncia a sorte iminente)

The cheerful light, the Vital Air, ( A luz alegre, o ar vital,)
Are blessings widely given; (São bençãos amplamente dadas;)
Let Nature's commoners enjoy (Para usufruto dos plebeus da natureza)
The common gifts of Heaven. (Como dádivas comuns do Paraíso.)

The well-taught philosophic mind (Ora et labora a mente filosófica)
To all Compassion gives; (Para todos a compaixão dá;)
Casts round the world an Equal eye, (Molda a volta do mundo uma visão de igualdade)
And feels for all that lives. (E sente por todos aqueles que vivem).

O belo artigo - The Royal Society's Lost Women Scientists (As Cientistas Mulheres Que a Royal Society Esnobou) de Richard Holmes está disponível para leitura na página eletrônica do jornal The Guardian.


Nenhum comentário: