quinta-feira, 10 de junho de 2010

O Négócio da Cana Continua no Século XVIII


O presidente da Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul (Orplana), Ismael Perina, cobrou dos pré-candidatos à Presidência da República maior empenho contra o que, segundo ele, são arbitrariedades que o setor sucroenergético enfrenta e relacionadas, por exemplo, às fiscalizações trabalhistas nas famigeradas usinas. Perina discursou durante a cerimônia de entrega da primeira edição do Prêmio TOP ETANOL, na segunda-feira (07/06), em São Paulo.
“Os empregadores precisam de maior segurança jurídica, uma definição mais objetiva e transparente do significado de condições análogas à de escravo, em especial as chamadas condições degradantes de trabalho. Hoje predomina a subjetividade e o arbítrio nas fiscalizações. Dois fiscais fiscalizando a mesma propriedade podem ter interpretações totalmente diferentes sobre um mesmo item fiscalizado,” pontuou Perina.
O dirigente da Orplana cobrou também uma ação dura do Estado contra as invasões de propriedades rurais produtivas. Para ele, há um contra-senso de uma legislação forte e punitiva para invasões urbanas, mas sem o mesmo vigor nas áreas rurais. A terceira questão reclamada pelo empresário foi "uma solução definitiva para o absurdo conflito que se criou entre agricultura e meio ambiente", sublinhando que são os agricultores os grandes responsáveis pela harmonização entre produção e conservação ambiental. Contudo, para ele é um absurdo a atual legislação retroagir no tempo e obrigar à recomposição da vegetação nativa em 20% da área da propriedade agrícola na maioria dos estados.
As questões colocadas pelo representante do agro-negócio da cana nos remetem a uma pauta do século XVIII. Para um setor que pretende internacionalizar o etanol, disputando um lugar ao sol no acirrado mercado das comodities energéticas, o discurso é próprio do anacronismo que exemplifica a perenidade do coronelismo na grande propriedade rural brasileira, açucareira ou não. Ora, um setor que anda incomodado com a fiscalização de práticas de trabalho escravo não pode ser candidato ao mercado internacional de produtos sustentáveis.
Desconhecer os problemas agrários do Brasil, a defasagem nos indíces de produtividade usados para aferir o que são "propriedades rurais produtivas", insistir na desqualificação dos movimentos de luta pela terra, não vai ajudar o setor a se modernizar e atingir os seus objetivos de longo prazo. Por exemplo, outro dia eu lia um conjunto de gráficos produzidos por uma consultoria inglesa, relacionados a meio ambiente, fragilidades políticas e potencial econômico. O Brasil tinha vantagem internacional em praticamente todos os quesitos, exceto nas tensões relacionadas ao campo. Isto quer dizer que o investidor internacional pensará duas vezes em comprar álcool de alguém que trata conflitos sociais como estivesse no século XVIII e com isso arrisca a continuidade do fornecimento como recorda-nos a história das plantations no Caribe.
Para uma indústria que tem a ambição de produzir o substituto sustentável aos derivados do petróleo, a crítica a medidas de preservação ambiental também soa destoante. A proposta de uma matriz de combustíveis limpa para o Brasil e para mundo é defendida pelo movimento ambientalista e, se adotada, provavelmente, teria no etanol uma das alternativas mais viáveis ampliando em muito o mercado desse produto. Por outro lado, o setor demonstra não querer assumir os compromissos necessários para garantir a sustentabilidade ambiental da produção de cana, ao negar a recomposição da vegetação de parte das suas propriedades.
Essa escancarada contradição com certeza não passará em branco e o etanol, que tem sofrido muito com a idéia de que sua produção concorre com recursos para a produção de alimentos, poderá sofrer novo revés ao criticar medidas compensatórias como a recomposição parcial da mata nativa que está prevista no Código Florestal de 1965.
Há mais de 50 anos se aguarda que essa legislação federal seja cumprida. Agora, vencidas todas as prorrogações acordadas em sucessivos governos, o setor ruralista se empenha com audácia na alteração do Código. Para termos uma idéia da disputa em curso no Congresso Nacional, o processo de revisão do Código Florestal está na Câmara e o relator é o deputado comunista Aldo Rabelo que, sob a pretensão de garantir salvaguardas aos pequenos produtores, que segundo diz não teriam condições de arcar com a constituição das reservas, propõe flexibilizar as regras. do Código. Coincidentemente com o apoio e elogios de sua outrora tradicional inimiga, a bancada ruralista. Consumado o resultado de um inusitado conluio, praticado na contra-mão dos interesses maiores da sociedade brasileira, sem dúvida estará legitimado mais um atraso, outro passo atrás das rupturas históricas com que o Brasil tem buscado avançar na redução do desmatamento, da qual é exemplo a posição adotada na Conferência de Copenhaguem, quando anunciamos metas relevantes e voluntárias para a aprovação da Lei de Mudança do Clima.

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