Outro dia, quando lia poesia grega clássica, cheguei ao fragmento de um poema de Semónides (VII A.C)*. Nele o poeta faz uma reflexão sobre a vida e a fragilidade humana, como expressa o seguinte trecho:
Assim, nada existe sem misérias, mas incontáveis
desgraças e sofrimentos inesperados existem
para os mortais.
Está claro que para aquele poeta grego o inesperado é a fonte de todo o sofrimento dos homens. Esse modo de interpretação do mundo revela desamparo a mercê do sobrenatural, e reflete com clareza os limites do conhecimento de uma época em que a ciência mal dava os primeiros passos num mundo ainda habitado pela supremacia explicativa de deuses e demônios, como diria Carl Sagan**.
Por estarmos separados mais de dois mil anos de Semónides, é inadmissível considerar que tragédias naturais ao modo das que aconteceram ultimamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, continuem a enlutar famílias e a empobrecer o patrimônio dos cidadãos e da coletividade. O inesperado nestes casos não subsiste ao olhar crítico, e a corporificação material do fortuito, o dito acidente, terrível palavra que embota pela idéia de acaso a percepção do concreto, apenas expressa que alguém, instituição, governo ou o Estado deixou de fazer ou fez algo que desencadeou um processo que no desfecho final prejudicou alguém ou uma coletividade.
Não são outros os nossos demônios...
Daí que muito do que aconteceu ultimamente naqueles dois estados brasileiros - um deles o mais rico da federação - seria evitado e minorado se o poder público fizesse uso de tecnologias preventivas e corretivas apropriadas à gestão de riscos na ocupação de solos urbanos.
Por outro lado, esses fatos recentes testemunham que nós brasileiros temos reatividade pouco inteligente às questões de segurança, mesmo para aquelas relacionadas a criminalidade que sitia os grandes centros urbanos do país. Há um claro vazio cultural, político e institucional sobre as questões mais amplas sobre a política de segurança no Brasil. Do Oiapoque ao Chuí, dos morros cariocas aos naufrágios com inúmeras vítimas no Rio Amazonas e afluentes, muda o cenário mas as razões da tragédia são as mesmas.
Talvez por esse modo dissonante de valorizarmos uma vida segura em sociedade, quem sabe as musas não dirigiram a nós a advertência escrita por Semónides ao final da poesia, que avaramente a Antiguidade nos transmitiu?
Mas se eu tivesse o poder de persuadir,Assim, nada existe sem misérias, mas incontáveis
desgraças e sofrimentos inesperados existem
para os mortais.
Está claro que para aquele poeta grego o inesperado é a fonte de todo o sofrimento dos homens. Esse modo de interpretação do mundo revela desamparo a mercê do sobrenatural, e reflete com clareza os limites do conhecimento de uma época em que a ciência mal dava os primeiros passos num mundo ainda habitado pela supremacia explicativa de deuses e demônios, como diria Carl Sagan**.
Por estarmos separados mais de dois mil anos de Semónides, é inadmissível considerar que tragédias naturais ao modo das que aconteceram ultimamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, continuem a enlutar famílias e a empobrecer o patrimônio dos cidadãos e da coletividade. O inesperado nestes casos não subsiste ao olhar crítico, e a corporificação material do fortuito, o dito acidente, terrível palavra que embota pela idéia de acaso a percepção do concreto, apenas expressa que alguém, instituição, governo ou o Estado deixou de fazer ou fez algo que desencadeou um processo que no desfecho final prejudicou alguém ou uma coletividade.
Não são outros os nossos demônios...
Daí que muito do que aconteceu ultimamente naqueles dois estados brasileiros - um deles o mais rico da federação - seria evitado e minorado se o poder público fizesse uso de tecnologias preventivas e corretivas apropriadas à gestão de riscos na ocupação de solos urbanos.
Por outro lado, esses fatos recentes testemunham que nós brasileiros temos reatividade pouco inteligente às questões de segurança, mesmo para aquelas relacionadas a criminalidade que sitia os grandes centros urbanos do país. Há um claro vazio cultural, político e institucional sobre as questões mais amplas sobre a política de segurança no Brasil. Do Oiapoque ao Chuí, dos morros cariocas aos naufrágios com inúmeras vítimas no Rio Amazonas e afluentes, muda o cenário mas as razões da tragédia são as mesmas.
Talvez por esse modo dissonante de valorizarmos uma vida segura em sociedade, quem sabe as musas não dirigiram a nós a advertência escrita por Semónides ao final da poesia, que avaramente a Antiguidade nos transmitiu?
não estaríamos apaixonados pelas desgraças,
nem daríamos cabo do coração com dores amargas.
* Poesia Grega. De Álcman a Teócrito. Lourenço, F (org). Cotovia, Lisboa,2006.
**Sagan, C. O Mundo Assombrado pelos Demônios. Companhia das Letras, Brasil, 1996 (esgotado).
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