domingo, 18 de abril de 2010

As (In) coerências de James Cameron























Para o Professor Aluísio Lins Leal

Em termos modernos, segundo Marilena Chauí, o termo intelectuais descreve seres bidimensionais por terem eles surgido "no e pelo ultrapassamento da oposição cultura pura e o engajamento". Repercutindo uma tese de Boaventura de Souza Santos, a filósofa brasileira conclui que a lógica da autonomia das artes, ciências, técnicas, ética e direito foi determinante para o surgimento da figura do pensador e do artista não submentidos às instituições eclesiásticas, estatal, partidária e acadêmica. Ao praticarem com autonomia o pensar e o agir, os intelectuais adquiriram mais que independência, pois armaram-se de uma autoridade teórica e prática que permitiu-lhes o exercício da crítica ao modo como agiram livremente os filósofos da Revolução Francesa, os socialistas utópicos, os anarquistas e os marxistas.
A apreciação desses escritores e filósofos permite ilustrar que, à luz da autonomia e em qualquer tempo, a fala e a ação pública dos intelectuais estão orientadas para a defesa coerente de causas universais e para a insurgência contra a ordem vigente. Para Pierre Bourdieu, contudo, esse duplo agir confronta de forma crítica a bidimensionalidade que justifica o intelectual enquanto agente histórico e social, pois os "intelectuais oscilam entre o recolhimento e o engajamento, o silêncio e a intervenção pública, oscilação que decorre das circunstâncias nas quais a demanda de autonomia racional é respeitada ou ameaçada pelos poderes instituídos". São ícones modernos dessa capacidade de intervenção Emille Zola, Arthur Rimbaud, Bertrand Russel e Jean-Paul Sartre.
Mas para além da grandeza desses exemplos universais, a procissão dos dias nos confronta com exemplos que nos desafiam como esfinge quanto a estarmos de fato frente a um intelectual engajado ou uma fraude midiática muito comum em sociedades onde o espetáculo é uma força senão de primeira ordem, mas certamente acessória dotada de efetiva consequência. É o caso do insistente aparecimento do diretor James Cameron no cenário da política ambiental brasileira, a partir do lançamento de seu bilionário filme Avatar, que na primeira semana de projeção mundial faturou mais de 1 bilhão de dólares.
Cameron (55 anos ), confesso admirador de Jacques Cousteau, produziu obra cinematográfica irregular do ponto de vista de conteúdo e qualidade, mas decerto rendosa ao incluir alguns blockbusters, ou seja aqueles filmes voltados exclusivamente para auferir lucro estrastoférico e de conteúdo duvidoso, porém não inócuo. Sua atual face midiática de defensor do meio ambiente e de autonomia dos povos procura ser coerente com a mensagem pacifista e ambientalista de Avatar, mas decerto esse discurso é incompatível com a mensagem de violência e hegemonia militar norte-americana que veiculou em quatro de seus seis filmes de maior sucesso e renda: O Exterminador do Futuro (1984), O Exterminador do Futuro 2: Dia de Julgamento (1996) e True Lies (1994), além de Rambo II: A Missão, do qual foi roteirista.
Para a The New Yorker, o canadense James Cameron é um legítimo produto classe média da ambiência da Guerra Fria e transfere toda essa carga a sua obra cinematográfica. Em entrevista recente, quando inquirido quanto a sua admiração por operações militares e armas confirmou: " Eu suponho que você diria que eu acredito na paz pela superioridade das armas. Mas eu não acredito que a raça humana de repente evoluiu ao ponto de todos nós darmos as mãos e cantarmos kumbaya*". A compreensão da afirmativa é suficiente para entender porque a segurança da residência do diretor é feita por ex-militares que atuaram na Guerra do Golfo**, ou de sua decisão para ser treinado em todo tipo de arma, incluindo o tiro com fuzil AK-47, quando escrevia o roteiro de O Exterminador do Futuro. Sobretudo o que lemos é uma visão de mundo muito difícil de ser compatibilizada com o pacifismo lacrimogêneo de Avatar.
Para a direita norte-americana o diretor estimula movimentos como o Green Peace e grupos autóctones de países subdesenvolvidos, conferindo a ele grau mais de curiosidade do que de periculosidade propriamente dita. E aqui talvez tenhamos o resumo de uma advertência para a mídia brasileira de oposição, de direita e de esquerda, que enxergam no palavrório do diretor uma oportunidade para reduzir a hegemonia política do governo do presidente Lula à véspera das eleições presidenciais.
Ao contrário da veemente defesa da anti-construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, nunca se teve notícia que Cameron protestasse contra a extração petrolífera das areias betuminosas no Canadá, processo considerado por 10 entre 10 ambientalistas como o mais poluente do mundo; ou do porquê o seu contrangedor silêncio com respeito a Guerra do Iraque, decidida e conduzida pelo mainstream norte-americano para assegurar o equilíbrio do problema energético dos Estados Unidos. Marina Silva e o pragmatismo dos seus ambientalistas aliados do Partido Verde deveriam apreciar melhor tais questões e saber que, nesses casos, a nossa direita logo identifica que o adversário do meu inimigo pode vir a ser o meu melhor amigo.

*Canção afro-judaica pela paz e integração dos povos.
** O irmão do diretor é ex-combatente do conflito e consultor militar para Avatar.

Fotos: A atriz Sigourney Weaver e James Cameron visitam o porta-aviões Dwight D Eisenhower (5a. Frota - Oriente Médio) para promover Avatar. A respeito da relação dos fuzileiros com Avatar, Cameron afirmou em entrevista que os militares da Marinha estão respresentados no heroísmo do personagem Jake, registrando textualmete que "Eu tenho o maior respeito pelos homens e mulheres do corpo dos fuzileiros navais dos EUA, e acredito firmemente que Avatar honra a coragem, a ousadia e os valores de sua honra". A principal atividade dos marines é atuar na contra-insurgência nos países invadidos ou conquistados para o equilíbrio local e a hegemonia global norte-americana (N.T.).

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