terça-feira, 24 de agosto de 2010

O Fio Lógico de Eça de Queirós

Não sabíamos. Eu, por causa da espessa crosta de ignorância com que saí do ventre de Coimbra, minha Mãe Espiritual. Ele porque na sua biblioteca possuía trezentos e oito tratados sobre astronomia, e o saber, assim acumulado, forma um monte que nunca se transpõe nem se desbasta. Mas que nos importava que aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós fosse Jacinto, outro Zé? Eles tão imensos, nós tão pequeninos, somos a obra da mesma vontade. E todos, Uranos ou Lorenas de Noronha e Sande, constituímos modos diversos de um ser único, e as nossas diversidades esparsas somam na mesma compacta unidade. Moléculas do mesmo todo, governadas pela mesma lei, rolando para o mesmo fim... Do astro ao homem, do homem à flor do trevo, da flor do trevo ao mar sonoro - tudo é o mesmo corpo, onde circula, como um sangue, o mesmo deus. E nenhum frêmito de vida, por menor, passa numa fibra desse sublime corpo, que se não repercuta em todas, até às mais humildes, até às que parecem inertes e invitais.

Eça de Queirós. A Cidade e as Serras (1901)

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