sábado, 19 de janeiro de 2019

A Ciência dos Sonhos

Rene Magritte.

Podemos dizer que onírico e vida são indissociáveis. O dilema vem de milênios e não há civilização que não faça referência pictórica, escrita e oral aos sonhos. Mesmo quando acordamos com a certeza de que não tivemos sonhos naquela noite, temos aí um mistério da memória que não nos informa o porquê de te-los apagados. Em resumo: sonhamos sempre, irremediavelmente, até o fim, que pode ser um surpreendente trânsito a outra dimensão em que o estado vigil é ausente.
No monólogo hamletiano ouvimos ser ou não ser, eis a questão, mas, adiante, Shakespeare cunha outra pérola existencial de sua escrita, menos popular, em que conclui que  morrer, (é) dormir, nada mais,  resumindo na fórmula os domínios de Hypnos (sono) e de Tânatos (Morte), ambos filhos da Noite (Nyx).
Nesta semana, surpreendi-me com a idéia de que, em algum momento, podemos ter sonhos comuns com outros semelhantes, sem que nos conheçamos e nem nos encontremos nesse momento delicado da consciência, quando tanto estamos em estado de absoluta fragilidade na dimensão do real quanto em viajem a inexplorado território, sempre arriscado, que a literatura adverte como de cartografia incerta,  sempre habitado por demônios, todos eles íntimos nossos é verdade, senão nós mesmos projetados como incubus ou sucubus. Será que esses olhos são meus? indagou, com pertinência, Caetano ao se referir a mais onírica das artes, que é o cinema.
Este espaço clandestino apenas intui outro dia,  quando soube que Jorge Luis Borges,  Raduan Nassar e eu tivemos sonhos muito parecidos com livros. No poema Pesadelo que descrevi uma angústia sonhada, está publicado em Poesia do Grão-Pará, coletânea organizada por Olga Savary e publicada pela GRAPHIA (2001).
Diante das semelhanças de narrativas, pergunto-me se há um sonho estendido em que todos que sonham encontram-se, ainda que, depois, na devolutiva à realidade individual, percamos essa unidade da experiência, logo crepuscular entre as névoas da memória, de insuspeitado sonho comum?

Pesadelo

Acudi desesperado
aos livros e vazios os vi:
esvaídos de títulos
ágrafos tomos
anônimos na livraria;
que desse modo, sabe lá
por qual haver perdida,
oca, sinalizava à sombra
do sonho terrível
o esgotar-se da vida.

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