domingo, 14 de abril de 2013

A Fotografia e a Morte: A Evidência de um Corpo em Evidência


 Cassirer diz que a ciência permitiu que estabelecessemos a regularidade do mundo, a partir de intervenções de domínio sobre os fenômenos da natureza. Neste desfile de milênios, evoluímos do aprendizado de reproduzir o fogo - prender fuego, como dizem os castelhanos - para a robos interplanetários, a miniaturização da eletrônica, o esclarecimento do gênoma e suas amplas aberturas para o advento de outras tecnologias, como é o caso do horizonte tecnológico da terapia gênica. 
As tecnologias moldaram e estão fortemente integradas às relações sociais de produção, num mundo que exige cada vez mais a estabilidade nos fenômenos naturais e mercados econômicos. Entretanto, entre esses fenômenos, não há que mais intimide os homens do que a morte e o morrer, quando o instinto de sobrevivência natural associa-se à racionalidade da espécie e produz nas dimensões da historia da humanidade diferentes expressões que, cultural e historicamente, buscam compreender e disciplinar de forma mágica ou científica a finitude do tempo biológico. 
Ao modo como os egípcios e os chineses fizeram com a elaboração de registros pictóricos, de cenários e de instalações expressivos da morte de seus faraós e imperadores, modernamente nos EUA e na Europa - nas suas colônias e ex-colônias , a invenção da fotografia permitiu que fosse desenvolvido o costume do registro fotográfico dos mortos. 
Na chamada Era Vitoriana ou na Belle Époque, não raro as fotos saiam de álbums para serem exibidas na sala de visitas das famílias, como se nesse memento homo os mortos permanecessem em convívio familiar. Cruzavam-se evidências - sentimento e registro fotográfico - de um corpo em evidência. Observemos que se tratava de prática privativa de idealização da morte e absolutamente diversa de registros públicos semelhantes relacionados a personalidades, que até hoje persistem como integrantes de matérias publicadas nos veículos de comunicação, como foi o caso dos revolucionários executados da Comuna de Paris.
Como assinalou Susan Sontag, no fundamental Sobre a Fotografia:
A fotografia torna-se um rito de vida familiar apenas quando, nos países industrializados da Europa e da América, a própria instituição da família começa a passar por uma intervenção radical. De unidade fechada em si, a família nuclear foi se tornando agregado maior. É quando a fotografia vem a reestabelecer, ou reafirmar simbolicamente, os riscos da continuidade e a extensão da vida familiar. Esses traços fantasmagóricos, fotografias, fornecem a presença simbólica de parentes dispersos, distantes e ausentes. Um álbum de família é, geralmente, da família em extensão alargada e, muitas vezes, é tudo o que dela restou.
Recomendo a postagem publicada esta semana no blogue io9: The Strangest Tradition of the Victorian Era: Post-Mortem Photography (A Mais Estranha Tradição da Era Vitoriana: A Fotografia Pós-Morte), que traz exemplos da sofisticação e da socialização desse uso da fotografia entre as famílias da segunda metade do século XIX e príncípios do XX.


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