sexta-feira, 18 de março de 2011

Leitores

Eu sempre pergunto sobre qual a justa homenagem para quem é leitor. Pois hoje encontrei um texto que me deixou emocionado e satisfez a minha dúvida. Transcrevo-o para que vocês também apreciem a leitura. Foi escrito por um dos grandes escritores brasileiros contemporâneos, ainda que pouco divulgado e já desaparecido tão precocemente.

Leitores

Mal os percebemos os que nos leem.
Noturnos em suas camas sozinhas, claros ao sol dos parques, curvos nas bibliotecas de Babel e da Conchichina, nos reinventam os sonetos desperados, redizem o dizer já dito, mas com tal tamanha invenção que incendeiam, ah como incendeiam, os textos exangues - de heróica desesperança.
Não importa se de enlevo a tua cara branca no vidro da janela; ainda és, mesmo assim, a intangível margem dos livros fátuos, e os parágrafos mortos de medo.
Trêmulo me agarro a um decassílabo perfeito. Tonto de ternura, as mãos insones, vos advinho e a vós me dedico com um luxo que decididamente não é meu nem me pertence.
Animal de pequeno porte, uivo.
Examino a lombada dos livros eternos, gravadas a ouro e cristal; você cochicha na sala a canção que um dia foi minha. És assim, a reescrever o duas vezes lido porque escrito; o reescrito porque ainda outra vez lido.
E é de amor, sim, de indecifrável amor, o nosso enlace.

Wilson Bueno (1949-2010)

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