segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Para Entender o Egito


A revista Foreign Affairs em 12 de março de 2009 publicou o seguinte roteiro bibliográfico para quem deseja compreender o papel do Egito hoje, no complicado tabuleiro político internacional. A materia da revista tem autoria de Mona El-Ghobashy. A tradução e ajustes ao texto é do editor deste blogue.

O QUE LER SOBRE POLÍTICA EGÍPCIA

O Egito de Nasser e Sadat: A Economia Política de Dois Regimes. Por John Waterbury. Princeton University Press, 1983.

Passados 25 anos de sua publicação, este livro ainda é o melhor estudo sobre as elites do Egito e suas estratégias de sobrevivência. John Waterbury descreve como os dois primeiros presidentes do Egito construíram um poderoso Estado, apesar dos obstáculos nacionais e internacionais. Ambos, Gamal Abdel Nasser e Anwar al-Sadat, reestruturaram a sociedade e a economia para dar sustentação ao novo estado: o primeiro, por meio da subordinação do capital privado aos interesses do Estado; e Sadat, por meio do fortalecimento dos laços entre o sector privado e os representantes estatais. Ambos os presidentes habilmente projetaram a arena política doméstica de modo a evitar que trabalhadores, camponeses e a classe média urbana se organizassem politicamente de forma independente, legando às gerações futuras a tradição de autoritarismo que domina a política do país. Influenciada pela Teoria da Dependência e pela análise marxista, que alguns consideram datadas, a análise de Waterbury sobre os estratégia política dos governantes do Egito continua atual e mais relevante do que nunca.


O Egito de Mubarak: A Fragmentação da Ordem Política.
Por Robert
Springborg. Westview Press, 1989.

O Autor descreve como
presidente Mubarak conseguiu sobreviver politicamente apesar de crescentes pressões nacionais e internacionais. Concentrando-se nos primeiros anos de mandato de Hosni Mubarak, Springborg retrata o presidente como um estrategista consumado, que joga grupos de oposição interna um contra o outro, no estilo "dividir para reinar em famíla". O livro destaca duas das tendências mais significativas na política egípcia: a metódica redução do papel político das forças armadas egípcias e o fortalecimento da oposição laica as elites relacionadas com os fundamentalistas islâmicos.

A Sociedade dos Irmãos Muçulmanos. Por Richard P. Mitchell. Oxford University Press, 1993.

Publicado pela primeira vez em 1969, é este o estudo original ainda sem rival sobre a organização do Egito. Descreve o grupo religioso de maior da oposição ao governo de Mubarak, a Irmandade Muçulmana, que serviu de inspiração para muitos outros grupos islâmicos no mundo inteiro. Mitchell estuda o período de 1928-1954, em que narra como o carismático professor Hasan al-Banna fundou um movimento de massa que pedia "um governo inspirado pela religião, não um governo religioso". O estudo é organizado em três partes - uma explora a história do grupo, outra o aspecto organizacional e o terceiro os princípios ideológicos . A análise do autor sobre o grupo é a um só tempo justa e cética, embora evite o tom polêmico que costuma caracterizar a maioria das discussões sobre a Irmandade Muçulmana. O capítulo da conclusão representa uma valiosa previsão da transformação da Irmandade em um ator político crucial na história egípcia.

"A Irmandade Vai ao Parlamento" Por Samer Shehata e Joshua
Stacher. Middle East Report 240 (Fall 2006): pp 32-39.


Bom complemento ao livro de Mitchell, este panorama rápido acompanha meio século da participação parlamentar contemporânea da Irmandade Muçulmana. Através de entrevistas e da observação das atividades de 88 parlamentares, os autores demonstram porque os membros desse grupo religioso representam na verdade um verdadeiro partido político no Egito. Quer ao liderarem protestos de rua em apoio a juízes de oposição, quer na formulação de regras parlamentares, os deputados da Irmandade injetaram vida nova em legislaturas marcadas pela subserviência ao governo Mubarak. Shehata e Stacher sugerem nesse relatório a iminência de um endurecimento governamental. E eles estavam certos: em março de 2007, o governo Mubarak alterou a Constituição, proibiu os partidos políticos de base religiosa e enfraqueceu a supervisão judicial nas eleições.

Avenidas de Participação: Família, Política e Redes na Periferia do Cairo. Por Diane Singerman. Princeton University Press, 1996.

Estudos sobre política egípcia em geral teem foco nas elites e em seus opositores. Mas como os egípcios comuns defendem seus interesses? Este livro fascinante enfoca as redes informais construídas por cidadãos comuns, como "caminhos de participação" em um espaço público que rotineiramente os exclui. Diane Singerman nem romantiza as pessoas comuns, nem ignora o seu comportamento de "resistência" ao Estado. Para a pesquisa do livro, ela conviveu com uma família de classe baixa, na periferia do Cairo e observou como seus anfitriões e a vizinhança estabeleceram associações de poupança para financiar cerimônias de casamento, discutir sobre normas, convenções sociais e o relacionamento com instituições semi-oficiais, tais como organizações voluntárias privadas. Singerman não está interessada no que "a rua" pensa de seus líderes, o seu interesse reside na forma como os excluídos se organizam politicamente., sempre que confrontados com o fato de que as instituições
políticas formais estão cada vez mais distantes de seus interesses.

O Edifício Yacoubian. Por Alaa Al Aswany. Harper Perennial, 2006.



Quase que simultâneo a sua publicação no Cairo em 2002, O Edifício Yacoubian tornou-se um bestseller. Ele foi rapidamente traduzido para o Inglês e em seguida adaptado para o cinema*, constituindo-se num blockbuster de elenco estelar. O livro é um drama repleto de personagens mais ou menos fictícios, onde a narrativa transcorre num edifício de passado glorioso, que veio decaindo prosseguivamente com o passar do tempo, ao modo de uma metáfora com o Egito moderno. Os moradores vivem lado a lado, mas seus mundos distintos e imiscíveis: o capitalista desonesto divide espaço com vizinhos miseráveis, lobistas corruptos dividem espaço com trabalhadores oprimidos, enquanto a violenta polícia egípcia vigia a todos sem descanso. É uma crítica ácida estabelecida a partir do contraste entre a nostalgia romântica pré-1952 e a atualidade das desigualdades sociopolíticas no Egito.


*O filme está disponível em dvd brasileiro, distribuído pela Imovision/Sonopress.

Os Ditadores, a Estabilidade e o Mercado




















Fortaleza Qaitbey (Alexandria, Egito) por Itajaí de Albuquerque


A revolta popular no Egito constitui o mais importante fato da política internacional no início desse século. A depender de sua evolução seus resultados poderão impactar o equilíbrio regional e mundial. Ainda ontem o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, em conferência na Universidade Estadual da Georgia, orientou suas considerações nesse sentido. Considero que a crise política do Egito é o fato mais importante, desde que deixei a Casa Branca em 1981, disse ele.
Por sua vez, Fawaz Gerges, professor da prestigiada London School of Economics, disse a BBC que a crise influenciará tanto a economia mundial quanto a do Oriente Médio, e especialmente a do Egito, visto que o país tem no turismo o principal vetor de sua economia.
Sem dúvida as primeiras consequências incidirão sobre a sociedade egípcia, advindas do enfraquecimento ou paralização do fluxo turístico. Neste último final de semana, os governos de vários países europeus e os EUA advertiram seus cidadãos de que evitem o Egito como destino de viagem, à vista da grave instabilidade política alí reinante. Ainda hoje agência de notícias russa informa que empresas locais de turismo deixaram de oferecer pacotes de viagem que incluam os tesouros arqueológicos egípcios.
Na entrevista do professor Gerges, o mais interessante é sua definição de que em termos de Oriente Médio o mercado trabalha sempre com duas variáveis conjugadas: ditaduras e estabilidade política-econômica. Porém, segundo ele, se o desfecho da crise egípcia apontar para a estabilidade, a democracia poderá revigorar a economia e garantir a credibilidade do Egito no mercado dos países hegemônicos.

sábado, 29 de janeiro de 2011

V e o Bloqueio da Internete


















Imagem que circula na blogosfera, à propósito do governo egípcio ter bloqueado o acesso à internet, para controlar a revolta popular que pede democracia no país.

Antiphone Blues - Almighty God


Com Arne Domnérus no Sax e Gustav Sjökvist no orgão, temos aqui um dos mais belos discos que já ouvi. O som cristalino do super aúdio CD contribui para a melhor audição desses dois músicos extraordinários.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Silêncio Desmoralizante

Os todos poderosos da mídia brasileira não deram a mínima para o fato de hoje ser o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Aqui, atualizada, a Lista Suja com o nome dos acusados de praticar esse tipo de crime.

O Erotismo Científico do Doutor Goeldi

O naturalista suíço Emilio Goeldi prestou relevantes contribuições ao desenvolvimento científico brasileiro e, especialmente, em Belém, no hoje denominado Museu Emílio Goeldi - orgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Além da notável produção científica, Goeldi contribuiu também de forma decisiva com o Barão do Rio Branco para a coleta de evidências que permitisse a solução do contencioso diplomático do Brasil com a França, arbitrado pela Suíça, que em 1900 nos deu soberania sobre 260.000 km2, no que hoje é o Amapá.
Em termos de produção bibliográfica, a obra do cientista é extensa e diversificada em temas. Nesses tempos em que a Dengue agudiza as preocupações sanitárias, aqui aproveito para comentar de forma breve Os Mosquitos do Pará. Nessa obra, Goeldi usa de um estilo leve, quase coloquial, que hoje faria acadêmicos torcerem o nariz. Embora use o termo mosquito no título da obra, em várias passagens o cientista emprega, por exemplo, a palavra carapanã de origem indígena, ao gosto popular para descrever mosquitos na Região Norte.
Todavia, uma inusual narrativa do acasalamento dos carapanãs do gênero Culex, pela originalidade narrativa do pesquisador, aumentou-me a delícia de ler esse clássico da Entomologia:

Uma infernal música de inúmeros carapanãs fere o nosso ouvido, ao mesmo tempo que um ou outro a todo momento vem esbarrar contra o nosso rosto, com revoltante cinismo e palpável provocação. Fazendo luz percebemos ao redor de um foco luminoso, dançar e fazer frenéticas cabriolas a ímpia multidão: são duas nuvens, cada qual composta de indivíduos de um sexo somente, que esvoaçando e descrevendo caprichosas evoluções, executam, mediante o som produzido pelas vibrações das asas e halteras, uma orquestra ou choro recitativo, regida pela batuta de Eros.

(...) Cantam porque assim se fazem sentir e reconhecer a alguma distância os dois sexos. Nada mais destituído de cerimonias do que a reunião sexual: uma fêmea qualquer desliga-se subitamente das suas companheiras e aproxima-se da nuvem de machos em dança. Imediatamente é segurada por um macho e, ligados, o par afasta-se da indiscreta multidão para um canto. Não é raro esquecer-se este da mais elementar prudência: tontos esbarram contra tudo e são capazes de rolar pelo chão.

Também observei casos, onde uma fêmear caia segurada por dois machos ao mesmo tempo, dando-se o espetáculo de um formidável rolo, - indício do frenesi sexual que reina em tais bacanais. (...) Parece que a cópula sexual tem o efeito de acordar e estimular o instinto sanguinário das fêmeas.

A leitura de Os Mosquitos do Pará oferece ao leitor mais que o conhecimento da época sobre o assunto. Descontados as técnicas ultrapassadas de combate daquele tempo, e hoje superadas, no que respeita ao combate a mosquitos de importância epidemiológica, lemos que decorridos 110 anos ainda é válido o comentário de Goeldi sobre o método para diminuição ou extinção dos criadouros de mosquitos:

Óbvio é, que semelhante tática dará pleno resultado somente quando seguida à risca universalmente, sem exceção, quando a convicção das vantagens comuns for infiltrada por igual em todas as camadas sociais e constituir-se agente para o auxílio espontaneo na obra coletiva. Neste sentido benéfico efeito antevejo no bom exemplo de pessoas inteligentes, que particularmente pelas suas casas adotem a guerra racional contra os mosquitos, na propaganda dos médicos na sua clínica particular, pois eles exercem uma legítima influência e last but not least na animação que deriva da ação e iniciativa oficial quer na esfera administrativa municipal, quer na estadual.

Emilio Augusto Goeldi. Memórias do Museu Goeldi IV: Os Mosquitos do Pará. Belém , Estabelecimento Gráfico Wiegandt - Pará, 1900.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A Propósito do Aniversário de São Paulo

Hoje a cidade de São Paulo completa anos, contados a partir de seu nucleamento na missão jesuíta, sob as lideranças dos padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta. Transcorreram desde então 457 anos de uma história marcada pelo sucesso político, econômico e cultural, para a qual concorreram contribuições de gerações brasileiros, inclusive daqueles incorporados à nacionalidade pela política de emigração inaugurada no império de Dom Pedro II.
Sabemos que, durante o Império, e nos primeiros anos da República Velha que selaram a decadência mortal da economia gomífera na Amazônia, a borracha esteve entre as principais commodities que sustentaram o desenvolvimento voltado para os estados do sudeste e sul brasileiros. Entretanto, para o Pará e o Amazonas, descartadas as melhorias urbanas levadas em Belém e Manaus com recursos próprios dos governantes locais, a maior parte da riqueza originada das exportações do látex foi apropriada de forma unidirecional pelo governo central e aplicados na sustentabilidade do projeto de desenvolvimento e fortalecimento econômico dos estados sulistas.
Em diversas trechos de A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência (1850-1920), Bárbara Weinstein descreve com precisão dramática o problema :
De maior importância ainda, na área financeira, era que quase toda a receita ia para o governo central, restando ao Pará apenas a receita proveniente de impostos de exportação arrecadados localmente. (...) Quanto ao comércio internacional, desde 1898 a borracha respondia por pelo menos 20% do valor total das exportações brasileiras, atinjindo, em 1910, 40% (em comparação com 41% do café).
No início da década de 1870, o Império ganhava entre 4.500 e 5000 contos por ano com o comércio da Amazônia, ao passo que a receita da província mal atingia uma terça parte disso. (...) A corte se mostrava mais interessada em financiar assentamentos de imigrantes no Extremo-Sul, onde, reconhecidamente, as colônias européias teriam mais probabilidade de prosperar do que na longínqua e tórrida Amazônia.
Que, ao comemorarmos com orgulho o aniversário de fundação da cidade de São Paulo, façamos uma breve, mas necessária reflexão sobre a urgência de um projeto sustentável de desenvolvimento nacional, que dê conta do passivo das diferenças regionais tão presentes em nosso cotidiano ainda hoje, com notável impacto na pesquisa, no desenvolvimento e na inovação científicas.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Livro Azul da Ciência Brasileira

Enquanto aguardamos o Orçamento Federal - 2011, nos quais estão previstos 4,3 bilhões de dólares para aplicação em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, está disponível na rede o Livro Azul da 4a. Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia

Palavras Esquecidas de Antiga Prática

Ultimamente, o assunto tem comparecido com assiduidade na imprensa brasileira. Entretanto o léxico da fisiologia política anda emagrecido, pela desmemória de palavras deliciosas que antes enfeitavam nossa última flor do lácio, inculta e bela. Para resgatá-las, trago aqui a explicação de algumas por R. Magalhães Júnior, conforme o Dicionário Brasileiro de Provérbios, Locuções e Ditos Curiosos (Ed. Documentário. RJ, 1974. Pg 44):
Bigorrilha, Bigorrilho, Biogrrupto e Bigorreco
"Até o carnaval de 1964, circulava no país a palavra bigorrilha ou bigorrilhas para designar o indivíduo vil, desprezível, fraco e covarde, que pretende arrotar valentia, mas se encolhe à primeira reação. Mas, naquele ano, apareceu uma música de carnaval, que se tornou popularíssima, na qual era empregada a forma bigorrilho, em curso em certos meios de cariocas. Logo, na Câmara dos Deputados, os representantes do Partido Trabalhista Brasileiro que só tomavam decisões em troca de vantagens imediatas, barganhando sempre os seus votos, passaram a ser designados como o grupo dos bigorrilhos, já no sentido de oportunistas e desleais. Ao votar-se, em fins de novembro de 1964, a intervenção federal em Goiás, o deputado Breno da Silveira estabeleceu duas categorias de bigorrilhos, falando com a autoridade de membro do PTB: a dos bigorruptos, mistura de bigorrilhos e corruptos, para designar os que venderam os seus votos a troco de empregos e outras vantagens, e a dos bigorrecos, mistura de bigorrilhos e marrecos, para designar os que traíram gratuitamente o partido, pelo simples prazer ou vocação de trair".