quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Erotismo Científico do Doutor Goeldi

O naturalista suíço Emilio Goeldi prestou relevantes contribuições ao desenvolvimento científico brasileiro e, especialmente, em Belém, no hoje denominado Museu Emílio Goeldi - orgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Além da notável produção científica, Goeldi contribuiu também de forma decisiva com o Barão do Rio Branco para a coleta de evidências que permitisse a solução do contencioso diplomático do Brasil com a França, arbitrado pela Suíça, que em 1900 nos deu soberania sobre 260.000 km2, no que hoje é o Amapá.
Em termos de produção bibliográfica, a obra do cientista é extensa e diversificada em temas. Nesses tempos em que a Dengue agudiza as preocupações sanitárias, aqui aproveito para comentar de forma breve Os Mosquitos do Pará. Nessa obra, Goeldi usa de um estilo leve, quase coloquial, que hoje faria acadêmicos torcerem o nariz. Embora use o termo mosquito no título da obra, em várias passagens o cientista emprega, por exemplo, a palavra carapanã de origem indígena, ao gosto popular para descrever mosquitos na Região Norte.
Todavia, uma inusual narrativa do acasalamento dos carapanãs do gênero Culex, pela originalidade narrativa do pesquisador, aumentou-me a delícia de ler esse clássico da Entomologia:

Uma infernal música de inúmeros carapanãs fere o nosso ouvido, ao mesmo tempo que um ou outro a todo momento vem esbarrar contra o nosso rosto, com revoltante cinismo e palpável provocação. Fazendo luz percebemos ao redor de um foco luminoso, dançar e fazer frenéticas cabriolas a ímpia multidão: são duas nuvens, cada qual composta de indivíduos de um sexo somente, que esvoaçando e descrevendo caprichosas evoluções, executam, mediante o som produzido pelas vibrações das asas e halteras, uma orquestra ou choro recitativo, regida pela batuta de Eros.

(...) Cantam porque assim se fazem sentir e reconhecer a alguma distância os dois sexos. Nada mais destituído de cerimonias do que a reunião sexual: uma fêmea qualquer desliga-se subitamente das suas companheiras e aproxima-se da nuvem de machos em dança. Imediatamente é segurada por um macho e, ligados, o par afasta-se da indiscreta multidão para um canto. Não é raro esquecer-se este da mais elementar prudência: tontos esbarram contra tudo e são capazes de rolar pelo chão.

Também observei casos, onde uma fêmear caia segurada por dois machos ao mesmo tempo, dando-se o espetáculo de um formidável rolo, - indício do frenesi sexual que reina em tais bacanais. (...) Parece que a cópula sexual tem o efeito de acordar e estimular o instinto sanguinário das fêmeas.

A leitura de Os Mosquitos do Pará oferece ao leitor mais que o conhecimento da época sobre o assunto. Descontados as técnicas ultrapassadas de combate daquele tempo, e hoje superadas, no que respeita ao combate a mosquitos de importância epidemiológica, lemos que decorridos 110 anos ainda é válido o comentário de Goeldi sobre o método para diminuição ou extinção dos criadouros de mosquitos:

Óbvio é, que semelhante tática dará pleno resultado somente quando seguida à risca universalmente, sem exceção, quando a convicção das vantagens comuns for infiltrada por igual em todas as camadas sociais e constituir-se agente para o auxílio espontaneo na obra coletiva. Neste sentido benéfico efeito antevejo no bom exemplo de pessoas inteligentes, que particularmente pelas suas casas adotem a guerra racional contra os mosquitos, na propaganda dos médicos na sua clínica particular, pois eles exercem uma legítima influência e last but not least na animação que deriva da ação e iniciativa oficial quer na esfera administrativa municipal, quer na estadual.

Emilio Augusto Goeldi. Memórias do Museu Goeldi IV: Os Mosquitos do Pará. Belém , Estabelecimento Gráfico Wiegandt - Pará, 1900.

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