Com vocês, o argentino Mário Bunge, do alto de seus 90 anos, ativo na McGill University, no Canadá. O artigo reproduz conferência realizada no Perú.
O autêntico socialismo renascerá sobre as cinzas do capitalismo
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A sociedade capitalista, caracterizada pelo chamado mercado livre, passa por uma grave crise. Ainda que os políticos e seus economistas nos prometam que eventualmente sairemos dela, não nos dizem como, nem quando. Não o podem fazer porque carecem de teorias econômicas e políticas corretas: somente dispõe de modelos matemáticos irreais e de consignas ideológicas desgastadas. Isto vale não só para os dirigentes neoliberais mas também para os socialistas, tanto os moderados como os autoritários. Os neoliberais não nos explicam a alquimia que transformaria a liberdade de empresa e de comércio em prosperidade; e os poucos marxistas que encontramos se regozijam com a crise que profetizaram tantas vezes, mas não propõe idéias novas e realistas para reconstruir a sociedade sobre bases mais justas e sustentáveis.
Eu creio que existam motivos práticos e morais para preferir o socialismo autêntico ao capitalismo, e que a construção do socialismo não requer a restrição da democracia, mas muito pelo contrário, requer sua ampliação, do terreno político a todos os demais. Isto é o que chamo democracia integral: biológica, econômica, cultural e política1. Semelhante sociedade seria inclusiva: não haveria exclusões por sexo nem por raça, nem exploração econômica, nem cultura exclusivista, nem opressão política.
Perguntar-se-á, com razão, se esta não será uma utopia a mais, e minha postura a de um cantamañanas. Minha resposta é que a democracia integral poderá tardar para realizar-se, mas que seu embrião nasceu há mais de um século, quando se constituíram as primeiras cooperativas de produção e trabalho na Itália, sobre a base de empresas capitalistas falidas. Um exemplo parecido, mais recente e modesto, é o movimento argentino das fábricas recuperadas; estas foram as empresas que, quando foram abandonadas por seus donos porque as consideravam improdutivas, foram a seguir ocupadas e reativadas por seus trabalhadores2. Estes são exemplos em pequena escala do socialismo cooperativista.
Se nos EUA existissem sindicatos e partidos políticos progressistas, estes aproveitariam a ocasião atual e transformariam em cooperativas as grandes empresas em bancarrota, tais como General Motors e AIG. Obviamente, semelhante mudança requer a anuência dos poderes públicos, já que envolve o reconhecimento legal das empresas “recuperadas” por seus empregados, o que ocorreu na Argentina.
Mas o que está fazendo o governo norte-americano desde final de 2008 é usar dinheiro público para resgatar essas empresas privadas falidas por má gestão. Ou seja, estão fazendo o oposto de Robin Hood. Garret Hardin3 chamou a esse processo de "socializar as perdas e privatizar os lucros”
Em resumo, um programa realista para os partidos socialistas partiria da consigna da Revolução Francesa, agregando participação popular e competência na gestão do Estado. O meio para realizar este ideal da democracia integral é: Ir construindo ela aos poucos desde abaixo com as cinzas do capitalismo, como um trem de autocombustão. Ou seja, multiplicar as cooperativas e mutualidades, renovar os partidos socialistas com uma forte dose de ciência e tecnologia social, e multiplicar os sindicatos independentes, fundar centros de estudo da realidade social, e multiplicar as bibliotecas e universidades populares.
Em suma, o socialismo terá um porvir se propuser a socialização gradual de todos os setores da sociedade. Sua finalidade seria ampliar o Estado para construir um socialismo democrático e cooperativista. Este poderia ser em prática uma versão atualizada da consigna da Revolução Francesa de 1879, a saber: Liberdade, igualdade, fraternidade, participação e idoneidade.
*Texto publicado em www.kaosenlared.net
**Tradução: Paulo Marques
*** Revisto pelo poster.
1 ) Mario Bunge, Treatise on Basic Philosophy, tomo 4: A World of Systems. Dordrecht, Boston: D. Reidel, 1979
2 .Rebón e I. Saavedra: Empresas recuperadas: La autogesión de los trabajadores. Buenos Aires, Capital Intelectual, 2006
3 Garrett Hardin: Filters Against Folly. Nueva York, Londres, Penguin
2 comentários:
Caro amigo, este é sem dúvida o vôo de galinha mais efetivo que já li sobre a crise mundial e suas saídas. Rápido e direto, não deixa dúvidas sobre a essência: o egoísmo inerente e latente da raça humana a ser destruído, um dia, pela ação solidária. Adorei!
E o blog é 10!!!
Abraços Ana Isa
Saudações neerlandesas! Abraços a todos aí. Por aqui a festa foi up, como deves saber.
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