Artigo 6. Poema concreto de Rodrigo Ciríaco
Sérgio Porto publicou o conto O Elefante na coletânea 64 D.C, editada pela Tempo Brasileiro, em 1967, com ilustrações da melhor lavra de Jaguar. Revisitei essa narrativa quando me preparava para comparecer aos trabalhos de abertura das conferências sobre direitos humanos, ocorridas entre 24 e 29 de abril passado, em Brasília – DF, que não foram ofuscadas pelo movimento golpista já organizado para derrubar a presidenta Dilma Rousseff.
Ontem, quando o Senado Federal confirmou o processo de impedimento
de uma presidente eleita com 54 milhões de votos, sem que fosse caracterizado
ter ela cometido crime de responsabilidade para a aplicação da medida
constitucional extrema, os últimos parágrafos d’O Elefante devem
ser transcritos como advertência aos golpistas e golpeados:
“ O Brasil chegou a Brasília às 4 horas da
madrugada. Pelo telégrafo o agente ferroviário já tinha feito uma
promessa a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro de que mandaria rezar missa
cantada na catedral do Distrito Federal, se o trem não atrasasse e o elefante
chegasse enquanto estivesse escuro.
Em Brasília o sol nasce cedo e portanto, assim
que a estação ficou vazia, ele foi ao vagão do Brasil e concedeu-lhe liberdade provisória. Sua idéia era levar pessoalmente o elefante ao gramado do palácio e
deixar lá, fazendo a coisa discretamente para que nenhuma sentinela visse.
Cheio de receios, pois é muito difícil agir
discretamente conduzindo um elefante, lá foi mais aquele funcionário público
que não queria nada com o Brasil, tentar livrar-se do elefante. Os primeiros
raios da aurora deviam estar intrigados de iluminar aquelas duas estranhas
silhuetas, contra o horizonte do Planalto Central: aquele homenzinho nervoso da
frente, seguido pelo gigante que era o elefante Brasil, pesadão e paciente,
faminto e alquebrado, ao qual as forças iam abandonando paulatinamente.
O homenzinho, quando o elefante pisou o gramado
do palácio, deixou-o seguir sozinho e retornou depressa, para não ser notado,
ficando lá o Brasil a caminhar devagar, examinando a grama, na esperança de
encontrar um tufo mais saliente, que sua tromba pudesse arrancar para minorar
sua fome.
Mesmo cercado de verde, sua esperança morreu e
ele parou em frente a uma janela, vendo pela primeira vez o seu reflexo
espelhado no vidro, que um sol recém-nascido fazia refletir na grande vidraça.
Não sabemos se o Brasil orgulhou-se de sua estampa. Cremos que não teve tempo
para isso.
O Presidente, homem de hábitos rígidos e de
disciplina militar, levantava-se cedo. Logo a janela se abriu e ele nela
assomou, para respirar o ar fresco da manhã.
Olhou para baixo e viu o Brasil. Ali estavam os
dois, frente a frente. Entre ambos não era possível haver um diálogo, é lógico.
O espanto do Presidente não era menor que o do Brasil. Era o seu primeiro
encontro a sós e talvez escapasse ao estadista o estado do elefante. Estava
mais magro do que nunca, abatido por tantas mudanças, cansado e com fome.
Poderia aquele que o contemplava agora, do alto
de sua solidão, salvá-lo? Para esta questão as opiniões se dividem de forma
muito pouco equitativa. Há uma minoria que acha que sim. Há uma grande maioria
que acredita que não.”
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