sábado, 31 de agosto de 2013

O Dops Não Acabou no Irajá


A Procissão de São Isidro. Goya (Museu do Prado, Espanha)

Há pouco, ouvia no Facebook a música “Pauapixuna" na interpretação de seu musicista Paulo André Barata. A grandeza desta composição prescinde de qualquer outro meio para ilustrar sua mensagem. Bastam-lhe a letra e a musica apuradíssimas. Ouvi-la, despertou-me a vontade de ler os poemas de seu letrista – o poeta Ruy Barata, sênior, já falecido. Bem a mão encontrei o “Cadernos do Povo Brasileiro/ Poemas para a Liberdade/ Violão de Rua (vol. III), livrinho editado aos milhares pela Editora Civilização Brasileira em 1963 para consumo ávido de universitários e sindicalistas.

Nessa coletânea poética de temática social, Ruy Barata comparece com dois longos poemas de trincheira – “Canção do Guerrilheiro Torturado”e “Canção do Poeta Vigiado pela Policia”. Neste último, lemos ao modo de epígrafe o seguinte trecho de relatório  ao secretário de Segurança Pública do Pará, remetido pela Delegacia da Ordem Política e Social – o famigerado Dops, que veio a se tornar um dos braços civis mais repressivos dos governos miltares instaurados depois do Golpe de 64:


“ESTA DELEGACIA EXERCE OBSERVAÇÃO E VIGILÂNCIA SOBRE ELEMENTOS SIMPÁTICOS À REVOLUÇÃO CUBANA, FACE À EXISTÊNCIA DE MOVIMENTO DE SOLIDARIEDADE ENCABEÇADO POR ELEMENTOS RECONHECIDAMENTE COMUNISTAS”. 


Muito antes de concluir que “O tempo tem tempo de tempo ser/ O tempo tem tempo de tempo dar/ Ao tempo da noite que vai correr/ O tempo do dia que vai chegar", o letrista de Pauapixuna registra a certa altura a farsa encenada pelos que vigiam o poeta resistente:



O olho confina o mundo

do poeta confinado.

Se anda – o olho caminha,

se para – o olho é parado.

Se entra no Bar e senta

o olho fica sentado.

O olho cheira, investiga,

o trago a ser emborcado.

Se for uísque (o sem selo)

o olho fica fechado.



Quando 50 anos depois arautos do obscurantismo vão às ruas com seus cantos de sereia, e também são detratados sem qualquer pudor médicos cubanos, aqui vindos para colaborar com a boa saúde do pais, é inevitável concluírmos que o Dops teve um final feliz: Não acabou no Irajá, como se diz de alguém que pretendia ser Greta Garbo, mas ao fim sobreviveu à ditadura e, feito ambulante, trabalha nas avenidas do Brasil.