sábado, 28 de março de 2015

Ciência e Religião: Uma Longa Incomunicabilidade


Conhecimento evolui, mas há momentos em que o cenário antigo convive com o novo, que aos poucos vai se consolidando no território das idéias. No século XVII a Medicina já vivia a aurora de uma verdadeira revolução científica com a divulgação dos trabalhos experimentais de Harvey, que elucidaram a fisiologia da circulação sanguínea; de Lavoisier com a descoberta do Oxigênio e de Hooke e van Leeuwenhoek, que, ao desenvolverem o microscópio ótico, ampliaram a compreensão da vida para além da dimensão macro dos fenômenos.  
Os avanços prosseguiram de forma consistente com o Iluminismo no século XVIII. Morgagni, por exemplo, publicou em 1779 um longo trabalho de investigação anatômica  em três volumes - The Seats and Causes of Diseases - que buscava correlacionar a história clínica de uma série de casos com os achados anatomicos encontrados nos cadáveres. Por isso é considerado o pai da anátomo-patologia. Laënnec, que tinha entre seus livros o Commentaires de Aphorismes de Medicine, de Boerhave, um diálogo entre anatomia e a fisiologia  da época com os princípios hipocrático, além de clínico notável e piedoso inventou o estetoscópio que até hoje é usado na avaliação médica de rotina.
Se o novo sempre vem, assim diz a música quase em tom de consolo, por outro, o que será ultrapassado durante algum tempo persiste teimoso, empedernido e ultrapassável.
É o caso deste Porque De Todas As Cousas (El porqué de todas las cosas), escrito por André Ferrer de Valdecebro, dublê de padre e naturalista, publicado ainda no século XVII, mas com longa carreira de edições como demonstra esta tradução portuguesa do século XIX. O objetivo desse trabalho é explicar o mundo do ponto de vista moral,  negando-se a qualquer diálogo transversal com o conhecimento científico produzido e acumulado por outras disciplinas como a biologia, a física, a química e a anatomo-fisiologia. Quem sabe por essa razão o padre Victorino José da Costa, convencido da caduquice do trabalho, tenha preferido adotar prudentemente o  pseudônimo Manoel Coelho Rebello para assinar a tradução do livro...
Para avaliarmos a imensidão desta incomunicabilidade recalcitrante, imaginemos o impacto dessa argumentação retrógrada e refratária ao novo sobre quem fosse buscar saber sobre o baço, por exemplo, no quiz de Valdecebro:

" Porque temos Baço?"
" Por que nelle se recolhe o humor melancólico; e porque recebe as superfluidades das estranhas."
" Porque são delgados os que tem muito Baço, e gordos, os que tem pouco?
" Porque o muito recolhe a humidade, que gera a gordura; o pouco não a pode recolher, e se converte em gordura."
Levou tempo para a Igreja Católica fazer as pazes com a ciência, como hoje podemos verificar nas opiniões do atual Papa Francisco.

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